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St John Paul II's 1st Apostolic Visit to Portugal

12th - 15th May 1982

Pope St John Paul II was a pilgrim to Portugal for the first time in 1982, over the feast of Our Lady of Fatima & the first anniversary of the assassination attempt on his life. During his 11th apostolic pilgrimage Papa São João Paulo II visited Lisbon, Fatima, Vila Viçosa, Coimbra, the Shrine of Sameiro in Braga, Praça dos Aliados and Porto. JPII returned to Portugal in 1991 (for the 10th anniversary of his assassination attempt) & in the Jubilee 2000, when he beatified the visionaries Francisco & Jacinta Marto.

JPII's itinerary included the following:
12th May - Welcome ceremony, Meeting with laity in the Cathedral of Lisbon, with the Franciscan community in the Church of St Anthony, Meeting with the President, with the public authorities and with the Bishop of Leiria in the Chapel of the Apparitions in Fatima
13th May - Meeting with the Bishops of Portugal in Fatima, Holy Mass before the Shrine of Our Lady of Fatima, Act of entrustment and consecration to the Virgin of Fatima, Meeting with clergy and religious, with the co-workers of the Shrine, Farewell ceremony from Fatima and Meeting with the Diplomatic Corps in Lisbon
14th May - Holy Mass for agricultural workers in Vila Viçosa, Visit to the Catholic University in Lisbon, Ecumenical meeting and Holy Mass for young people in Lisbon
15th May - Meeting with the Bishop of Coimbra, Speech at Coimbra University, Holy Mass for families at the Shrine of Sameiro in Braga, Meeting with workers in Praça dos Aliados and Farewell ceremony in Porto

Discurso do Papa São João Paulo II na Cerimonia de Boas-Vindas
Aeroporto Internacional de Portela em Lisboa, Quarta-feira, 12 de Maio de 1982 - also in Italian

"Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Senhor Cardeal Patriarca, Senhores Arcebispos e Bispos,
Senhoras e Senhores, caríssimos amigos de Portugal,
1. AGRADEÇO A DEUS e agradeço a todos a grande alegria com que piso hoje o solo de Portugal. Agradeço a Vossa Excelência, Senhor Presidente da República, pela deferente presença aqui, em nome pessoal e a representar o hospitaleiro e honrado Povo desta nobre “Terra de Santa Maria”, ao qual, por Vossa Excelência, dirijo esta minha primeira mensagem.

Seja louvado nosso Senhor Jesus Cristo!

Com estas palavras, de reconciliação e de paz, para a renovação dos corações e dos espíritos no amor, inaugurava o meu ministério de Bispo de Roma e Pastor da Igreja universal; com elas quero saudar-vos no início desta minha peregrinação a Portugal. À maneira de saudação simbólica acabo de beijar o chão pátrio de Portugal. É um gesto simples que se repete, mas denso de significado, a provocar em mim uma emoção sempre nova, com um fundo constante – o único amor de Jesus Cristo – mas bem diferenciada pelos novos amigos que encontro. Primariamente, da minha parte, esse gesto significa amizade, pela amizade de que me vejo rodeado e que me dita um sentido “muito obrigado”. Muito obrigado a todos vós!

Desejaria que este agradecimento fosse aceite por todos os que aqui, por credenciais diversas, representam Portugal e se empenharam por tornar possível esta minha viagem, convidando-me e trabalhando na sua organização; em particular, pelos homens da Igreja, meus Irmãos no Episcopado, que aqui vieram dar-me as boas-vindas em nome da Igreja que está neste País que muito amo.

2. Estou em Portugal, a realizar um sonho há muito acalentado, como homem da Igreja e desejoso de conhecer Fátima directamente; estou aqui a acolher amáveis convites de meus Irmãos Bispos, de Sua Excelência o Senhor Presidente da República e dos muitos portugueses que me manifestaram um tal desejo: um grande número de cartas que recebi, nestes últimos tempos, e de viva voz; estou aqui hoje, graças a Deus “rico em misericórdia”. Esta minha peregrinação tem um sentido dominante: Fátima; seguirei depois um itinerário mariano, por Vila Viçosa, Sameiro e “Cidade da Virgem”. Em direcção à Fátima ou no retorno de Fátima, levo no coração o cântico de acção de graças de Nossa Senhora, por Deus me ter salvado a vida, aquando do atentado sofrido, a 13 de Maio do ano passado; assim, em atitude adoradora, vou repetindo:

“A minha alma glorifica o Senhor / e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Luc. 1, 47).

Em visita pastoral, desejaria, juntamente com os meus Irmãos Bispos e confirmando-os, animar a Comunidade eclesial; e, com humildade e simplicidade, comunicar Cristo e anunciar a sua mensagem e apregoar a “dimensão humana” do mistério da Redenção, em que o homem pode encontrar a grandeza, a dignidade e o valor próprio da sua humanidade.

Assim, Pastor com os seus Pastores e peregrino com a Igreja peregrina em Portugal, sinto neste momento a necessidade de exprimir o mais alto apreço e render preito às tradições cristãs desta terra abençoada, pequena pátria de um grande Povo, que se ufana de empresas históricas arrojadas, com ressaibos de aventura. Isso foi circunstância e ocasião providencial para os filhos desta Nação dilatarem a Fé, recebida desde o berço, numa gesta de evangelização, que o mundo católico e não só, reconhece, admira e agradece: das florestas de Amazónia até às frias plagas japonesas, passando pela África e pelas Índias, o nome de Cristo foi anunciado por generosos missionários portugueses.

3. Mas, não se podendo evangelizar, se não se está evangelizado, aqui rendo preito também à Igreja viva e dinâmica, identificada com a maioria da população portuguesa, que, ao longo dos séculos, com fidelidade ao Redentor do homem – aqui cultuado sobretudo nos seus mistérios da Paixão e da Eucaristia – com devoção a Nossa Senhora, que seria proclamada Rainha e Padroeira de Portugal, e em adesão à Sé Apostólica de Roma, soube manter a sua opção por Cristo, dando ao mundo Santos da envergadura de um Santo António de Lisboa; venho também prestar homenagem a este Santo universal, neste ano de comemorações antonianas.

Salve Portugal, de gente honrada, generosa, paciente, laboriosa e cheia de pundonor, terra de Mártires, Santos e heróicos servidores do Evangelho de Cristo. A evocação sumária e homenagem ao teu passado, funde-se em mim, nesta hora de alegria, com a visão de esperança do teu presente, do qual iremos falando ao longo destas jornadas, e do teu futuro que eu almejo próspero, pacífico e feliz para todos os teus filhos, do Minho ao Algarve, das outras regiões insulares e onde quer que se encontrem; para os emigrantes espalhados pelo mundo e para aqueles que tendo voltado à pátria, aqui procuram reorganizar a sua vida: enfim, para todos sem excepção vão os meus melhores votos de felicidades. Confio este votos desde já em prece a Nossa Senhora de Fátima, Mãe de Deus, Mãe da Igreja e dos Povos, sob cuja protecção coloco a minha visita a Portugal, ao invocar sobre esta dilecta Nação as bênçãos de Deus omnipotente e misericordioso."

Discurso do Papa JPII no encontro com os Leigos na Catedral de Lisboa
Quarta-feira, 12 de Maio de 1982 - also in Italian

"Seja louvado nosso Senhor Jesus Cristo!

MUITO OBRIGADO, irmãos e irmãs, pela amizade e alegria deste encontro, aqui, no coração de Lisboa antiga e senhoril, impregnada de história e pujante de vida!

Obrigado a Vossa Eminência, Senhor Cardeal Patriarca, Dom António Ribeiro! Com penhorantes palavras quis saudar-me e interpretar os sentimentos, não só dos presentes, da Igreja que está neste Patriarcado de Lisboa – aqui tão distintamente representada – mas de quantos desejariam tomar parte neste encontro com o Papa, o primeiro a nível estritamente eclesial, na ilustre “casa Lusitana”. È um momento de júbilo e gratidão, dizia Vossa Eminência; e desejo, do coração, que seja também de felicidade e plenitude para todos, certos de estar o Senhor connosco, aqui reunidos “em Seu nome” (Mt. 18, 20).

1. Venho até vós motivado pelo amor de Cristo, em visita que é, por sua natureza, pastoral; e venho sobretudo em peregrinação a Fátima, para aí celebrar, em adoração agradecida, “as misericórdias do Senhor”, com Maria, a serva do Senhor. Cada paragem e encontro – gratíssimos, sem dúvida –, tém também carácter de etapa neste meu peregrinar em gratidão a Nossa Senhora e, com Ela e por Ela, em gratidão ao Omnipotente que “me fez grandes coisas” (Cfr. Lc. 1, 49).

Ao preparar-me para este encontro, nesta bela Catedral antiga, eu pensava em vós e rezava por vós com grande afecto; e, ao informar-me desta cidade, eu tentava imaginar os protagonistas do passado e do presente, neste cenário, onde pouco a pouco se foi estabelecendo o reino de Cristo, bem lembrado pela imponente estátua que agora domina a cidade, em gesto, não de posse, mas de oferta: para Cristo, reinar é servir e amar.

2. No meu louvor a Deus pela gesta evangelizadora, aqui cumprida ou aqui iniciada, eu pensava na solidez de raízes seculares, dos Católicos de Portugal, cujos antepassados no cumprimento de missão histórica e religiosa inserida na história universal – que sem tais protagonistas talvez fosse pelo menos diferente – lhes legaram uma herança, rica de glória e responsabilidade: glória a que rendo preito de admiração, nesta hora; a responsabilidade que, pela sua dimensão eclesial, aqui quero realçar. Seja-me permitido dirigir estas reflexões, em particular, ao Laicado católico.

Olhai, irmãos e irmãs, que aqui sois e representais esse Laicado, eu não duvido de estardes conscientes desse passado e de que à sua luz vos prezais de viver o presente, empenhados em construir o futuro, cada vez mais segundo o pensamento de Deus criador, redentor e senhor da história. Nesta certeza, a juntar-se à certeza da potência do Mestre e Senhor da Igreja, que é sempre “o princípio estável e o centro permanente da missão que o próprio Deus confiou a cada homem”, Cristo Jesus (Redemptor hominis, 11), se funda a muita esperança com que vejo o Laicado católico da vossa terra.

A Igreja de Deus, toda ela, e imediatamente a que vive, ora, luta e espera, em toda a abençoada “Terra de Santa Maria”, confia em vós, dispostos como estais a colaborar com Cristo, que não veio para ser servido, mas para servir (Cf. Mt 20, 28), em fidelidade ao Pai e em fidelidade ao homem.

3. Vós optastes por Cristo, na Igreja: opção feita de uma vez para sempre, com a aceitação do dom inestimável do Baptismo, consciencializada no dia da Primeira Comunhão, ratificada com o sacramento da Confirmação e vivificada em seguida com toda a vida sacramental, cujo “centro e ápice é sempre a Eucaristia” (Lumen Gentium, 11)

E qual é a vossa vocação, responsabilidade e missão de leigos?

Vós bem o sabeis: o leigo está integrado no Povo de Deus, que caminha neste mundo rumo à Pátria celeste. Fostes conquistados e santificados por Cristo, que vos resgatou por alto preço: não foi com ouro ou prata, mas com o seu precioso sangue (Cfr. 1Pd 1, 18). E fostes chamados à santidade, tendo por modelo o próprio Cristo, na sua doação integral ao Pai e aos irmãos: “como Aquele que vos chamou à santidade, sede também vós santos em todas as vossas acções” (Ibid. 1, 15). Mas olhai que a santidade, mais que uma conquista, é dom que vos é concedido: o amor de Deus foi derramado em vossos corações pelo Espírito Santo que vos foi dado (Cfr. Rm 5, 5).

Desde o início os cristãos reconheceram-se como os grandes beneficiados do Senhor. Reuniam-se para juntos agradecer, celebrando o dom por excelência – a Eucaristia – em assembleia. Esta reunião é tão importante que, aos poucos, os cristãos se denominam por ela: eles mesmo são igreja. E como símbolo deram também ao local da reunião o nome de igrejas. Fostes chamados por Deus para a vida em comunidade, em Igreja. E de novo, se trata de uma graça: foi o Senhor que vos reuniu em Igreja, que vos fez igreja, unidos a todo o Corpo eclesial espalhado pelo mundo inteiro.

O dom de Deus que vos foi dado, constitui o sinal de que sois amados por Ele. Assim, ser cristão não é, primariamente, assumir uma infinidade de compromissos e obrigações, mas é deixar-se amar por Deus, como o próprio Cristo que é o amado e se sente o amado pelo Pai, conforme atestou com toda a sua vida e diz expressamente: “O Pai ama-me” (Jo. 10, 17).

A nossa profissão de fé inicia com estas palavras: Creio em Deus Pai. Nelas se resume toda a atitude cristã: deixar-nos amar por Deus como Pai. Cada um de nós é amado por Deus e conhecido pelo próprio nome como filho. Eis porque é sempre possível dirigir-nos confiantes a Ele. Foi Cristo, como “irmão” mais velho, quem no-lo ensinou.

4. Amados por Deus, pois, certamente perguntareis: o que é que nos compete fazer, na qualidade de leigos? O cristão nunca pode limitar-se a uma atitude meramente passiva, de puro receber. A cada um é dado um “dom” diferente, de acordo com a efusão do Espírito, mas para o proveito comum.

Daqui, da própria natureza de baptizados, deriva a exigência do apostolado na Igreja, a qual é sacramento constituído por Cristo para atingir todos os homens, e para isso é continuamente vivificada pelo Espírito Santo.

A vossa missão de leigos, portanto, fundamentalmente é a santificação do mundo, pela vossa santificação pessoal, ao serviço da restauração do mundo. O Concílio Vaticano II, que tanto se debruçou sobre os leigos e o seu papel na Igreja, acentuou bem a sua índole secular. É o cristão que vive no mundo, responsável pela edificação cristã da ordem temporal, nos seus diversos campos: na política, na cultura, nas artes, na indústria, no comércio, na agricultura...

A Igreja há-de estar presente em todos os sectores da actividade humana e nada do que é humano lhe pode permanecer alheio. E sois vós, principalmente, prezados leigos, que a deveis tornar presente. Quando se acusasse a Igreja de estar ausente de algum sector, ou de despreocupar-se de algum problema humano, equivaleria lastimar a ausência de leigos esclarecidos ou a não actuação de cristãos naquele determinado sector de vida humana. Por isso dirijo-vos um apelo caloroso: não deixeis a Igreja ficar ausente de nenhum ambiente da vida da vossa querida Nação. Tudo deve ser permeado pelo fermento do Evangelho de Cristo e iluminado pela sua luz. É vossa tarefa fazê-lo.

5. Ao apostolado leigo individual, feito de actividades pessoais e, sobretudo, de testemunho cristão devem juntar-se as formas associadas de apostolado em que os leigos se unem para realizar juntos certos objectivos. Longe de se excluírem, as duas formas completam-se. Nenhuma forma associada de apostolado é eficaz sem um testemunho pessoal de cada membro. Por outro lado, diante das exigências hodiernas, que superam de longe as capacidades individuais, requer-se um esforço conjugado para levar a mensagem evangélica ao coração da civilização.

Existem muitos movimentos e formas de organização do apostolado leigo; todos são importantes e úteis quando imbuídos de um verdadeiro espírito eclesial e cristão de serviço. Cada qual tem os seus objectivos, com métodos próprios no seu sector ou no seu meio; mas é imprescindível ter consciência da complementariedade e estabelecer laços de estima entre eles, em que assente o diálogo uma certa conjugação de esforços e mesmo uma real colaboração. Pertencemos a uma mesma Igreja. Cabe-nos estimular-nos mutuamente no bem. Todos devemos trabalhar juntos pela mesma causa. Cristo é um só. Mesmo sendo muitos os ministérios e as actividades todos concorremos para um mesmo objectivo: que Cristo seja anunciado, que os homens encontrem a salvação, que o bem comum seja servido e, enfim, Deus em tudo seja glorificado.

6. A vivência generosa e testemunho corajoso da vossa identidade, sabemo-lo, transcende meras qualificações sociológicas; exige algo profundamente pessoal, que insere na comunidade “ontológica” dos discípulos de Cristo, na “videira” que é o mesmo Cristo, a formar uma “só coisa” com Ele e com os irmãos, e ditar união de forças e intentos, para o frutificar humano-divino da própria vida a partilhar, e da actividade a desenvolver.

Já se deixam entrever, como imperativos indeclináveis: o cultivo da fé e da vida divina, a frequência dos sacramentos e o dever da oração constante; a necessidade, mais do que a simples vantagem, da fidelidade à Cátedra de Pedro, da comunhão profunda com a Hierarquia bem inseridos nas perspectivas da Igreja local, em aderência aos vossos Bispos e em sintonia com as Comissões episcopais nacionais, em união com o clero e com os religiosos; a exigência de associações realisticamente organizadas e informadas pelo amor: “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13, 34s.).

O diálogo, presença e inserção no mundo, de que tanto se ocupou o recente Concílio, pode amedrontar ou seduzir. Mas vós, irmãos e irmãs, sabeis que o Senhor pensava também no hoje em que vivemos, quando, com amor, recomendava “não se perturbem os vossos corações” (Ibid. 14, 27). E dirigindo-se ao Pai, ainda no mesmo contexto, orou por cada um de nós nestes termos: “Pai, santifica-os na verdade. A Tua palavra é a verdade” (Ibid. 17, 17).

Fiéis à Verdade, irmãos e irmãs, continuemos a participação na realeza de Cristo, servindo, como Ele Senhor e Mestre fez e ensinou. Este é o caminho: cristãos no aconchego da intimidade pessoal; cristãos no interior do lar – como esposos, pais e mães e filhos de família, em “igreja doméstica”; cristãos na rua, como homens e mulheres situados; cristãos na vida em comunidade, no trabalho, nos encontros profissionais e empresariais, no grupo, no sindicato, no divertimento, no lazer, etc.; cristãos na sociedade, ocupando cargos elevados ou prestando serviços humildes; cristãos na partilha da sorte de irmãos menos favorecidos; cristãos na participação social e política; enfim, cristãos sempre, na presença e glorificação de Deus, Senhor da vida e da história.

E assim, com o coração cheio de confiança e amor, desejo, irmãos e irmãs, que “tudo o que é honesto, tudo o que é justo e tudo o que é puro... seja objecto dos vossos pensamentos... E o Deus da paz estará convosco!” (Cfr. Fl 4,8s.). Ao retornardes aos vossos lares levai a bênção do Papa para as vossas famílias.

Coragem! Com afecto em Cristo, dou-vos a Bênção Apostólica."

Discurso do JPII a Comunidade Franciscana na Igreja de S. Antonio
Lisboa, Quarta-feira, 12 de Maio de 1982 - also in Italian

"Excelentíssimos Senhores Presidente e Vereadores da Câmara Municipal de Lisboa,
Amados filhos de São Francisco, meus irmãos e irmãs,
1. GRATO PELA HONROSA presença da Excelentíssima Câmara Municipal e pela vossa, a todos saúdo com alegria franciscana. E servindo-me da palavra do Apóstolo, aos caríssimos Franciscanos começo por dizer: “em primeiro lugar, dou graças ao meu Deus, por Jesus Cristo, a respeito de vós, porque a vossa fé é conhecida em todo o mundo” (Rm 1, 8). E para isso contribuiu sobremaneira Santo António, que estamos a honrar neste momento e neste lugar.

Aqui, nesta casa, em boa hora transformada em oratório pelas Autoridades da Câmara lisbonense, nascia pelos fins do século doze Santo António de Lisboa, também invocado como Santo António de Pádua. Na feliz expressão do meu predecessor Leão XIII, ele é “o Santo do todo o mundo”. Neste mês de Majo, precisamente no dia 30, vamos comemorar os setecentos e cinquenta anos da sua canonização, facto a que andam ligadas conhecidas tradições de vibração popular (cf. Léon de Kerval, Sancti Antonii de Padua Vitae duae, Paris 1904, 116-117).

Este ano, tambén está a celebrar-se, por todo o mundo, o oitavo centenário do nascimento de São Francisco de Assis. Temos, pois, redobrado motivo para nos alegrarmos. E nesta hora, quereria fazer minhas as palavras do Papa Pio XII, para exclamar: “Exulta, Lusitania felix!”. Em especial Franciscanos e Franciscanas de Portugal, exultai! Rejubilem as Autoridades e o povo de Lisboa! Alegrai-vos, todos vós portugueses espalhados pelo mundo inteiro.

2. O movimento franciscano – é para mim motivo de satisfação lembrá-lo aqui – incidiu profundamente no ânimo dos populações de Portugal; e não apenas da gente humilde e iletrada: era aos filhos de São Francisco, segundo consta, que a Santa Sé recorria, muitas vezes, a fim de serem intermediários e seus porta-vozes perante os monarcas e nobres, a apaziguar contendas, a lembrar, com humildade mas também com firmeza, deveres e obrigações.

A vocação missionária dos Franciscanos portugueses, logo a seguir a Santo António, vê-se testemunhada no facto de Frei Lourenço de Portugal, no século XIII, ter sido enviado ao Oriente pelo Papa Inocêncio IV (cf. Antonino Franchi, La svolta politico-ecclesiastica tra Roma e Bisanzio, 1249-1254, Roma 1981, 15, 16, 37, 74, 123, 127, 128, 161). E sabe-se que a Regra dos Frades Menores inclui um capítulo sobre as missões (Regula Bullata, cap. 12, Regula non Bullata, cap. 16, ed. Caietanus Esser, O. F. M., Opuscula sancti Patris Francisci Assisiensis, Grottaferrata 1978, 237-238, 268-271). Foi esse espírito que os levou à África, Índia, Brasil, Ceilão e Extremo Oriente. Assim, a presença dos Filhos e Filhas de São Francisco em Portugal, nos países de expressão portuguesa nos vários continentes, mostra-se rica de obras de evangelização, assistência, ensino e serviço paroquial.

Quereria realçar aqui a importância dos pequenos e humildes conventos de clausura, onde continua vivo o espírito do Fundador e de Santa Clara, elevando-se aí de contínuo preces para que o múltiplo e activo labor dos outros Irmãos e Irmãs “não extinga o espírito de oração e devoção, ao qual as demais coisas devem servir”, como diz a Regra (Regula Bullata, cap. 5, ed. Esser. Opuscula, 231). Como eu gostaria de dispor de tempo para reflectir convosco sobre este ponto! A oração é sempre a alma da evangelização, a alma de todo o apostolado, a nossa grande força espiritual.

3. Inspiradas na irradiante simpatia de Santo António, também entre os jovens, de Portugal partiram, especialmente no século passado, beneméritas iniciativas em favor da juventude, que depois se estenderam a outras partes do mundo. Que estas comemorações antonianas sirvam de estímulo para intensificar o interesse franciscano pelos jovens, de acordo com as directrizes da Igreja universal e em espírito de colaboração com as Igrejas locais, aliás conforme a orientação de São Francisco e de Santo António.

E não quereria deixar sem uma palavra benevolente a Ordem Terceira que sei estar activa e a renovar-se entre vós. É esperança da Igreja e confiança do Papa que ela rejuvenesça, bem sintonizada com o Concilio Vaticano II, com novas forças e o entusiasmo de quem se sente “fermento na massa” e participante na missão de Cristo.

4. O perfil biográfico do universalmente venerado Taumaturgo português, amados Filhos e Filhas de São Francisco, é de todos vós bem conhecido: da escola da Catedral aqui ao lado, a São Vicente de Fora, até Santa Cruz de Coimbra, é viandante enamorado evangelicamente de Deus, à procura de uma maior interiorização e vivência do ideal religioso, abraçado em plena juventude, entre os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. Depois de ordenado sacerdote, em Coimbra, a sua ânsia de uma resposta mais radical ao apelo divino leva-o a maturar o propósito de maior dedicação e amor a Deus, no desejo ardente de ser missionário e mártir em África. Com esta intenção se tornou Franciscano.

A Providência, porém, encaminhou Frei António para terras de Itália e da França. Nas primeiras experiências de Franciscano aceita as contrariedades, fiel ao ideal, e responde com alegria aos desígnios divinos, numa entrega total de serviço generoso, pregando e ensinando teologia aos Frades, em atitude paciente, como o lavrador que aguarda, até receber a chuva temporã e a tardia, até se manifestar, de algum modo, o Senhor (cf. Iac 5, 7). Que bela lição de vida, Irmãos e Irmãs! Depois consuma a sua breve existência, chegando a exercer, servindo sempre com humildade, o múnus de ministro ou superior na Ordem. Ao morrer, com cerca de quarenta anos, dele se poderiam repetir as palavras da Sabedoria: “chegado em pouco tempo à perfeição, completou uma grande carreira” (Sap 4, 13).

O seu ensino e ministério da Palavra, como a sua vivência de frade e sacerdote, são marcados pelo seu amor à Igreja, inculcado pela Regra (Regula non Bullata, cap. 17, ed. Esser, Opuscula, 271). “Exegeta perfeitíssimo na interpretação das Sagradas Escrituras, exímio teólogo no perscrutar os dogmas, doutor e mestre insigne no tratar os assuntos da ascética e mística”, como diria o Papa Pio XII (Pio XII, Exulta, Lusitania Felix: AAS 38 [1946] 201. Lopes, S. António de Lisboa, 296-297), prega insistentemente a Palavra (cf. 2 Tm 4, 2), movido pelo desejo evangelizador de “reconduzir os transviados aos caminhos da rectidão”. Fá-lo; porém, com a liberdade de um coração de pobre, fiel a Deus, fiel à sua resposta a Deus, em adesão a Cristo e em conformidade com as directrizes da Igreja. Uma verdadeira comunhão com Cristo exige que se cultive e ponha em prática uma harmonia real com a comunidade eclesial, regida pelos legítimos Pastores.

5. O Doutor Evangélico fala ainda aos homens do nosso tempo, sobretudo indicando-lhes a Igreja, veículo da salvação de Cristo. A língua incorrupta do Santo e o seu aparelho fonético encontrado maravilhosamente intacto parecem atestar a perenidade da sua mensagem. A voz de Frei António, através dos Sermões, é ainda viva e penetrante; em particular, as suas coordenadas contêm um apelo vivo para os religiosos dos nossos dias, chamados pelo Concílio Vaticano II a testemunhar a santidade da Igreja e a fidelidade a Cristo, como colaboradores dos Bispos e Sacerdotes (S. Antonii Patavini, O. Min. Doctoris Evangelici Sermones Dominicales et Festivi, Dominica II de Adventu, Patavii 1979, 478-491. Trad. HENRIQUE PINTO REMA, O. F. M., Santo António de Lisboa. Obras Completas, Lisboa 1970, 39-43).

É assaz conhecido o bilhete de saudação de São Francisco a Frei António, escrevendo-lhe: “apraz-me que leias teologia aos Frades, contanto que, nesse estudo, não extingas o espírito de oração e devoção, como se contém na Regra” (Epist. ad Sanctum Antonium, ed. critica Esser, Opuscula, cap. IV, 95. HENRIQUE PINTO REMA, O. F. M., Santo António de Lisboa. Obras Completas, I, Lisboa 1970, XVII). E um conceituado teólogo atesta que o Doutor Evangélico soube permanecer fiel a este princípio: “... a exemplo de João Baptista, também ele ardia; e desse ardor provinha a luz: era uma lâmpada que ardia e brilhava” (cf. Francisco da Gama Caeiro, Santo António de Lisboa, I, Lisboa 1967, 147-148). Por isso, Santo António ficou na história como precursor da Escola Franciscana, permeada pela finalidade sapiencial e prática do saber.

6. Caríssimos Irmãos e Irmãs:

Sei que o Senhor Cardeal Patriarca, a Câmara Municipal de Lisboa e a Família Franciscana estão a envidar esforços para que seja erguido nesta Cidade um grande templo, futura Catedral, dedicado a Santo António, também para perpetuar a devoção das Comunidades Portuguesas espalhadas pelo mundo. Bela e louvável iniciativa! Oxalá ela possa congregar todos os portugueses à volta do grande Santo António de Lisboa, em unidade de fé e harmonia de corações, para a glória de Deus.

Mas esse templo material há-de ser sobretudo expressão de “vós mesmos, como pedras vivas, aplicadas na construção de um templo espiritual”(cf. 1 Pd 2, 5), com a vida, o ministério e serviço apostólico, que devem ser sempre portadores de valores evangélicos. Que o exemplo de Santo António cale profundamente no vosso ânimo, para continuardes a sua obra, como dispensadores de salvação e da bondade de Cristo e servidores da Sua Igreja, com o testemunho e o anúncio da Boa Nova.

A vossa vida consagrada e a vossa colaboração para difundir o Evangelho são motivo de ânimo e de alegria para mim, na minha missão de Pastor da Igreja universal. Que Deus vos ajude e chame muitos outros a seguir Cristo na vida religiosa, segundo o espírito do “Pobrezinho de Assis”, como o soube assimilar Santo António. Por sua intercessão imploro para todos “Paz e Bem”, com a minha Bênção Apostólica."

Discurso do Papa João Paulo II ao Presidente da Republica Portuguesa
Lisboa, Quarta-feira, 12 de Maio de 1982 - also in Italian & Spanish

"Excelentíssimo Senhor General António Ramalho Eanes
Presidente da República Portuguesa
1. ESTOU MUITO AGRADECIDO a Vossa Excelência pela requintada hospitalidade com que acaba de receber-me. E, neste momento, desejo reiterar-lhe a expressão do meu agradecimento também pela diferente presença, no Aeroporto à minha chegada a Portugal. Por Vossa Excelência, vai a minha gratidão para todo o querido Povo português e para os seus ilustres Representantes, pelo empenho e disponibilidade que demonstraram para se tornar realidade esta viagem que agora faço à “Terra de Santa Maria”. Neste delicado interesse manifestado, quero salientar os convites que me foram feitos, sobretudo por Vossa Excelência pessoalmente; eles vieram juntar-se a um desejo do Episcopado de Portugal, que há muito me fora expresso pelo Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, Dom António Ribeiro, na qualidade, então, de Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa.

Toda a estima, sensibilizante – nesses convites e nos gestos de homenagem com que se quis distinguir o Sucessor de São Pedro na Sé de Roma – não se detêm, certamente, na minha pessoa: o preito vai para o Pastor da Igreja universal que, nessa qualidade, visita terras portuguesas; vai, em última análise, para o Senhor e Mestre da mesma Igreja, Jesus Cristo, com o seu iniludível direito de cidadania na história do homem.

Encontro-me em Portugal, portanto, em visita pastoral; e sobretudo, em peregrinação a Fátima; e é-me grato, ao mesmo tempo, satisfazer os imperativos da amizade, de uma amizade antiga, que existe entre este dilecto País e a Sé Apostólica de Roma.

2. Com efeito, vêm de longa data as relações que ligam Portugal com a Sé Romana de São Pedro. Perde-se na bruma dos séculos aquele momento em que, pela primeira vez ressoou, neste torrão pátrio das gentes lusitanas, ao tempo da presença romana na Península ibérica, o nome bendito de Cristo. E deste então, com a fé cristã, os povos da Lusitânia aceitaram também a Igreja, que o mesmo Jesus Cristo quis firmar sobre a “rocha” de Pedro, ao qual também quis confiar a responsabilidade do magistério e ministério de todo o Povo de Deus, espalhado sobre a face da terra. Gradualmente foram-se instaurando as relações estruturais como expressão e sustentáculo do amor e da fidelidade à Igreja, una e católica, dos fiéis das dioceses destas Regiões, de Braga a Ossónoba, em termos actuais das terras que vão do Minho ao Algarve.

E creio poder afirmar-se, numa visão retrospectiva, que esse amor dos fiéis destas terras ao Sumo Pontífice Romano, só terá sido superado pela sua conhecida devoção a Cristo Redentor – sob os mistérios da Paixão e da Eucaristia – e a Nossa Senhora que, invocada sob uma das suas prerrogativas mais belas – a Imaculada Conceição – viria a ser escolhida e aclamada como “Rainha” e Padroeira de Portugal (Cfr. Auto da Aclamação de N. Senhora da Conceição como Padroeira de Portugal, pelas Cortes de Lisboa, em 1646); estas devoções animaram constantemente o culto de Deus e a firme adesão aos outros deveres religiosos, que deixaram marcas profundas na história e na vida do dilecto Povo português.

Como é sabido, a Igreja, onde quer que se encontre, deseja poder servir a vocação pessoal e social dos seus membros, que são ao mesmo tempo os membros de determinada comunidade política. Com efeito, em razão da sua missão e competência, de ordem espiritual, ela não se confunde com a sociedade nem está ligada a qualquer sistema político; mas intenta ser sinal em toda a parte da transcendência da pessoa humana; o que faz, pregando a verdade evangélica e iluminando, com a sua doutrina e com o testemunho dos seus fiéis, todos os campos da actividade humana (Cfr. Gaudium et spes, 76).

Assim as relações da Nação portuguesa com a Sé de São Pedro que, com o andar dos tempos, tomariam a forma de reconhecimentos e compromissos, como se sabe (ainda há três anos atrás tive o gosto de participar na comemoração do oitavo centenário do primeiro desses reconhecimentos, na Igreja de Santo António dos Portugueses em Roma) se enquadram nesta perspectiva. Cônscia do dever que lhe é ditado pela própria missão – de ajudar os homens na busca de uma resposta às eternas perguntas que se põem, acerca do sentido da vida presente e da futura e da relação entre ambas – também aqui a Igreja procurou caminhar com o homem, no desejo de ser-lhe prestável.

A esta luz, há-de ser vista a caminhada conjunta da Igreja e de Portugal, com relações amistosas deste com a Sé de Roma, o que alguma vez lhe mereceu, do meu Predecessor Bento XIV, o apelativo de Nação “fidelissima”, na pessoa dos seus Reis (cf. Breve Apost., die 23 dec. 1748, in “Bullarium Romanum”, Venetiis, tip. Gatti, 1778, t. III, p. 1).

3. A trajectória histórica de Portugal, como aliás sucede com os demais Povos em geral, não se delinea isenta de alternativas de luz e sombra, nos diversos aspectos da vida da sua população, mas subjacente a isso permaneceram como coordenadas muitas coisas que não mudaram, nem podem mudar. A Igreja – como é sabido – acredita efectivamente, que “a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram em Jesus Cristo, o mesmo ontem, hoje e sempre” (Gaudium et spes, 10). E Portugal globalmente, pela maioria da sua população, nas suas escolhas históricas fundamentais, optou por Cristo, Cristo redentor do homem, como parecem atestar as quinas da bandeira pátria, e a Cruz nas suas caravelas da epopeia dos descobrimentos.

É sempre Cristo a proposta da Igreja, situada no tempo e no espaço, por isso real e intimamente ligada ao género humano e à sua história, no desejo de servir o homem com a sua dignidade e com a abertura do seu espírito, na plena verdade da sua existência, do seu ser pessoal e, ao mesmo tempo, do seu ser comunitário e social (Redemptoris Hominis, 14).

Entre as vicissitudes que emergem na história e na vida de Portugal, aparece em primeiro plano o fenómeno das migrações que vem de longa data: muitos dos seus filhos que deixam a própria terra, no passado como também hoje, com dolorosas separações e momentos de incerteza, para procurarem noutras paragens possibilidades de melhorar a própria vida. A perda destes filhos, constituindo sem dúvida uma perda para este País, donde partem, como norma, representa vantagens para as terras onde se vão estabelecer.

Dos que daqui partiram, a par dos que o fizeram por motivos de sobrevivência ou outros, houve também plêiades de enamorados de ideal e de apaixonados por Cristo – os missionários portugueses – que daqui se partiram navegando, para ir “fazer Cristandade” pelos diversos continentes. E, monumento histórico disso, ainda hoje subsiste, – conforme fui informado – com o “papiar cristiano”, sinónimo de falar português, nalgumas regiões do sudeste da Ásia, uma riquíssima antroponímia, que facilmente nos faz identificar como católicos ou de ascendência católica, cristianizados pelos portugueses, muitos homens e mulheres em todas as latitudes do globo.

Estes valorosos missionários, servidores de Cristo e da sua Igreja e glória de Portugal, que, com o seu ardor, a sua dedicação desinteressada e generosa, levaram assistência espiritual a tantos irmãos espalhados pelo mundo, não deixaram também de contribuir para o seu desenvolvimento, ajudando-os a progredir na satisfação das carências fundamentais e a cultivar a dignidade da pessoa humana. Assim, ao evangelizarem a Boa-Nova da salvação, prestaram-lhes um serviço humano; e também por isso são credores da nossa admiração e reconhecimento.

4. E os portugueses que ficaram não viveram sem dificuldades a sua caminhada histórica. Mas ao longo dela, souberam dar mostras de qualidades não comuns de coragem, de capacidade de resistir e suportar provações e riscos e da perseverança, que denotam uma fibra moral e uma força espiritual que, hoje como ontem, hão-de sustentar e animar os filhos desta Nação nas lutas do presente, de fronte erguida, a olhar com pundonor e esperança o futuro.

Numa participação responsável e com a generosa contribuição de todos para o bem comum, a eliminação da pobreza, a ajuda aos marginalizados ou que se sentem desenraizados, a perspectiva de emprego para todos – especialmente para os briosos jovens desta terra – a estruturação de condições de vida, assistência e segurança, nos campos económico e social, passando pela saúde, instrução, trabalho, família e terceira idade, hão-de continuar a ser decididamente empenho colectivo de um Povo consciente dos valores característicos da sua comunidade e ufano de os testemunhar na sua vida política e social.

A consciência histórica e a fé cristã dos portugueses, não disjunta da exigência le uma relação honesta para com a verdade, como condição de liberdade autêntica, hão-de continuar a convencê-los também hoje, certamente, de que, sem excluir o legítimo pluralismo são e responsável, só o amor constrói; de que a chave para a solução dos seus problemas e da sua prosperidade também é feita de sentido humano e cristão dos valores, caldeada na justiça e temperada na solidariedade, na fraternidade e no amor entre homens-irmãos.

5. Faço votos de que, prosseguindo no seu rumo histórico, Portugal, com o seu carisma de universalidade e de fácil integração, continue a ser força para a compreensão entre todos os povos, mormente entre os que com ele têm afinidades culturais. Os emigrantes e missionários portugueses foram a todas as parte do mundo e, onde chegaram, aí tornaram amado e honrado o nome do seu País. Que isso continue a ser fonte de inspiração humana e espiritual para o seu estar-no-mundo e manter Portugal na alta estima dos seus dias mais luminosos.

Missão nobre continua a ter a “Casa Lusitana”. E oxalá que a sua herança de fé cristã, guardada e cultivada ao longo dos séculos, nas actuais expressões da sua identidade, que fez dela a “pátria linda, à beira-mar, de um povo heróico, sob a graça de Deus, a cantar...” – como diria um vosso poeta – continue a ser impulso constante para levar este nobre País a atingir um bem-estar que espelhe a felicidade de todos os portugueses, num clima de harmonia operosa, de prosperidade e de paz.

Agradeço, uma vez mais, o amável e distinto acolhimento de Vossa Excelência; e sobre todo o dilecto Povo português que o escolheu como seu Representante, invoco as mais copiosas bênçãos de Deus omnipotente e misericordioso."

Discurso do São João Paulo II aos Membros do Governo Português
Lisboa, Quarta-feira, 12 de Maio de 1982 - also in Italian & Spanish

"Senhor Primeiro Ministro, Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhores Ministros, Senhoras e Senhores, Excelências,
1. SINTO-ME HONRADO e grato pela oportunidade de saudar, nas pessoas de Vossas Excelências, os gestores do poder executivo e deliberativo desta nobre Nação, que acaba de acolher-me, com penhorante entusiasmo e fidalguia, nesta minha peregrinação a Fátima e visita pastoral a terras portuguesas.

Com o interesse demonstrado por esta minha visita, com deferente presença, à minha chegada, e agora neste encontro, estou persuadido de que, passando além da minha pessoa, se quis homenagear o que aqui me é dado representar como Pastor da Igreja universal; sensibilizado, quero agradecer, todas as atenções e bom acolhimento, em que pude começar a aperceber-me da conhecida religiosidade e arraigada fé cristã dos queridos portugueses. Bendito seja Deus! E, ao exprimir aqui a minha gratidão, vejo em Vossas Excelências todas e cada uma das pessoas e entidades, às quais, por motivos diversos, ela é devida.

2. Ao encontrar-me com tão selecta representação de Portugal, neste momento feliz, quereria assegurar-vos, antes de mais nada, a maior estima pela alta missão de que estais revestidos, ao serviço do bem comum de toda a Nação. Oxalá vos guie sempre, no cumprimento do vosso mandato, uma concepção do homem, com todos os seus valores e dignidade, e um desejo de servir concretamente todos e cada um dos portugueses, que vos escolheram para tal missão honrosa, que é ao mesmo tempo um compromisso.

Em vós repousam as aspirações e esperanças de querido Povo português, legitimamente ufano de uma gloriosa história vivida e sofrida, em que se exprime a sua identidade como Povo, e em que se encerram promessas e se vislumbra o potencial para construir um futuro cada vez mais dignificante, fiel à própria “alma” e sem quebra de continuidade histórica.

3. As minhas viagens, como é conhecido, têm sempre um prevalente carácter pastoral, visando finalidades apostólicas; com elas, tenho a intenção de prosseguir uma iniciativa que vem dos meus Predecessores, sobretudo do Papa Paulo VI, que Portugal teve alguma vez a alegria de receber. Sendo parte importante da minha missão como sucessor do apóstolo São Pedro, o meu desejo de presença estimulante à Igreja espalhada pelo mundo, trouxe-me hoje ao encontro da Igreja que está em Portugal, onde a comunidade católica representa a grande maioria da população. Peregrinando em nome e por amor de Cristo, Redentor do homem e centro do cosmos e da história, nestas viagens sinto-me sempre portador de uma mensagem sobre o homem, com toda a sua verdade.

Ao desempenhar a própria missão, de ordem espiritual, e sempre desejosa de manter o maior respeito pelas necessárias e ligítimas instituições de ordem temporal, a Igreja nunca deixa de apreciar e alegrar-se com tudo aquilo que favorece a vivência da verdade integral do homem; não pode não congratular-se com os esforços que se envidam para tutelar e defender os direitos e liberdades fundamentais de cada pessoa humana; e rejubila e agradece ao Senhor da vida e da história, quando planificações e programas – de carácter político, económico, social e cultural – são inspirados no respeito e amor da dignidade do homem, em demanda da “civilização do amor”.

4. Com esta sua posição e, quando é o caso, regozijo, pela bem sucedida comunhão de esforços, para fazer desaparecer do seio das sociedades e da inteira família humana desequilíbrios que tornam precária a convivência, perturbações da ordem que criam a angústia nos espíritos e carências de várias espécies, que deprimem e, não raro, aviltam e rebaixam aqueles que as sofrem, a Igreja sabe dar valor à tarefa de quem tem que suscitar, promover ou estimular os processos para superar essas situações. A par da competência e da boa vontade, não é menos para apreciar a destreza em levar a bom porto, por entre pressões de “sinal oposto”, esses processos resolutórios.

Na sua fidelidade à visão do homem que lhe foi legada pelo seu Senhor e Mestre, Jesus Cristo, a Igreja não deixa de preconizar aquilo que possa servir a grande causa do homem. Abstraindo de aspectos técnicos de reformas ou transformações, ela vive a persuasão e insiste que é na mente, no coração e na vontade livre dos homens que, primeiro que tudo, se há-de dar uma mudança, para aceitação da novidade a introduzir para o bem comum, que só poderá ser uma melhoria que a todos contemple.

Por isso é imprescindível uma formação continuada dos homens, em humanidade e no sentido de corresponsabilidade, no conduzir os próprios destinos desde a instrução e a informação a todos os níveis, – passando pela chamada “qualidade” de vida, pela cultura e pelo quotidiano da existência – até à participação, em espaços de legítima liberdade e pluralismo, iluminados sempre por indispensável compreensão recíproca, a enriquecer a busca em comum do maior bem para todos.

5. Sei que estais cônscios de que, embora subsistindo, e sendo para incrementar constantemente na sociedade, a corresponsabilidade de todos, as iniciativas e a direcção humana racional dos processos vitais, dependem em boa parte dos que estão investidos de funções de chefia; cônscios de que isenção e discernimento hão-de andar de mãos dadas, para banir, no exercício dessa missão de serviço, perniciosas confusões: da verdade do homem, com visões parciais, decepantes ou desviadas da sua realidade total; da autêntica solidariedade humana, com manipulações da mesma, que a si próprias se denunciam pelos interesses que visam ou aninham, com menosprezo do homem.

Senhores:
Será sempre grato ao coração de todos os homens de boa vontade tudo o que se fizer pela nobilíssima causa do homem:
– para facultar a cada homem ser cada vez mais homem, no esforço de superar a divisão que sofre em si mesmo, dado que se sente, por misérias e frustrações de desejos e aspirações a uma vida superior, e por outro lado, coarctado pelas múltiplas necessidades da sua existência temporal;
– para ajudar os mais pobres, os marginalizados e os atingidos por misérias e frustrações de diversas espécies, que por vezes são imerecidas e não lhes permitem ser protagonistas da própria história pessoal;
– para assistir aqueles que se vêem forçados a escolher o “mal necessário” da emigração, a fim de conseguirem uma melhoria na vida pessoal, familiar e social, sem sofrerem danos de maior no sentido moral;
– para permitir a cada um abraçar a própria vocação e, optando pela família, poder respeitar a sacralidade de todos os seus valores e todas as suas funções, na procriação e educação da prole;
– para evitar nos jovens, sobretudo nos deserdados e menos favorecidos, a perca da dignidade pessoal e de sentido dos valores morais, desviando-se por caminhos à margem da sociedade, onde se coligam a pobreza e indigência com o aviltamento e o crime, quando não chegam aos extremos da revolta e da violência deletérea;
– para proporcionar a todos trabalho e minorar os inconvenientes da urbanização que, quando se dá em crescimento desproporcionado, por motivos vários, deixa de ser à medida do homem;
– para, enfim, facultar a cada pessoa humana o respeito dos direitos de Deus, criador de todas as coisas e senhor da história, o Qual – seja-me permitido proclamá-lo neste momento – deu em Cristo a “chave” do “mistério” que o homem representa para o homem.

Por tudo isto é imensa, mas maravilhosa a vossa tarefa; é nobre a vossa missão e merece todo o empenho, brio e entusiasmo. Trata-se do bem comum; trata-se de tornar uma Nação cada vez maior e de fazer da Pátria uma morada agradável para a própria gente. O êxito dos chefes e dos gestores de poder – é uma ideia que repito – é o bem-estar, a felicidade, a paz e a alegria dos servidos pelo poder.

Faço votos de todo o bem para Vossas Excelências; e reiterando os meus agradecimentos, desejo que vejais os frutos da vossa missão e compromisso de servir, num Portugal cada vez mais animado por um ideal de relações autenticamente humanas e fraternas e mais próspero, com a protecção de Nossa Senhora de Fátima e as bênção de Deus Omnipotente e Misericordioso."

Discurso do Papa São João Paulo II ao Bispo de Leiria
Capela das Aparições em Fátima, Quarta-feira, 12 de Maio de 1982 - also in Italian 

"Senhor Bispo de Leiria, Dom Alberto Cosme do Amaral,
Senhores Cardeais, Arcebispos e Bispos, meus amados irmãos e irmãs:

1. Seja louvado nosso Senhor Jesus Cristo! E sua Mãe Maria Santíssima!

SIM, COM ELA e por Ela, irrompe do meu coração neste momento, a prece tantas vezes aqui rezada e cantada: “Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos!”.

Vai para a Trindade Santíssima este meu primeiro pensamento adorador, explicitado, nesta terra abençoada de Fátima: Bendito seja Deus, rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou! Com efeito, criados em Seu Verbo, o Filho, pelo sangue do vosso mesmo Filho reconciliados, tornados sua família e edificados sobre o alicerce dos Apóstolos na construção (da Igreja), para nos tornamos, pelo Espírito Santo, habitação de Deus (Cfr. Eph. 2, 4 ss), nós devemos repetir sem cessar: “Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos!”.

Ave Maria!

Bendita sois Vós! Bendito o fruto do vosso ventre, Jesus! Ave, cheia de graça, Mãe de Deus e Mãe nossa! No cumprimento da vossa profecia, Senhora, aqui, ao ingressar neste vosso solar de Fátima, e ao saudar-Vos, Mãe querida, permiti-me usar as palavras que nos ensinastes, para clamar diante dos irmãos:

“A minha alma glorifica ao Senhor, / e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador!” (Luc. 1, 46).

2. E agora irmãos e irmãs todos que me ouvis: eu vos saúdo cordialmente, com todo o afecto vos dou um fraterno abraço de paz e vos confesso a minha grande alegria por este encontro, neste lugar e convosco; e, nesta alegria, desejava que vísseis toda a gratidão que me vai na alma, gratidão que me trouxe aqui, para compartilhar convosco, não só o Evangelho de Deus, mas a própria vida (Cfr. 1 Thess. 2, 8).

Sim, é com a alma a transbordar destes sentimentos – os vossos próprios sentimentos, aliás – que vos agradeço. Obrigado, Senhor Bispo de Leiria, por ter explicitado esses sentimentos, pelas palavras delicadas de saudação e pelos reiterados convites que me fez para visitar este Santuário de Fátima; obrigado a todos, pelo caloroso e penhorante acolhimento que me dispensais!

3. Gratidão, comunhão, vida! Nestas três palavras está a explicação da minha presença aqui, neste dia; e se me permitis, também da vossa presença. Aqui atinjo o ponto culminante da minha viagem a Portugal. Quero fazer-vos urna confidência:

Desde há muito que eu tencionava vir a Fátima, conforme já tive ocasião de dizer à minha chegada a Lisboa; mas, desde que se deu o conhecido atentado na Praça de São Pedro, há um ano atrás, ao tomar consciência, o meu pensamento voltou-se imediatamente para este Santuário, para depor no coração da Mãe celeste o meu agradecimento, por me ter salvado do perigo. Vi em tudo o que se foi sucedendo – não me canso de o repetir – uma especial protecção materna de Nossa Senhora. E pela coincidência – e não há meras coincidências nos desígnios da Providência divina – vi também um apelo e, quiçá, uma chamada à atenção para a mensagem que daqui partiu, há sessenta e cinco anos, por intermédio de três crianças, filhas de gente humilde do campo, os pastorinhos de Fátima, como são conhecidos universalmente.

4. E aqui estou, convosco, peregrino entre peregrinos, nesta assembleia da Igreja peregrina, da Igreja viva, santa e pecadora, para “louvar o Senhor, porque é eterna a sua misericórdia” (Ps. 135, 1); pessoalmente, para cantar essa misericórdia, pois foi “graças ao Senhor que não fui aniquilado; sim, não se esgotou a sua misericórdia”(Lam. 3, 22). Desejo repetir hoje, ainda uma vez, diante de vós, amados irmãos e irmãs, estas palavras, que dizia na primeira audiência após o atentado (7 de Outubro de 1981); elas exprimem, em eco, aquilo que sucedeu naquele dia 13 de Maio do ano passado; exprimem gratidão ao Altíssimo, a Nossa Senhora e Mãe, aos Santos protectores e a todos os que, directa ou indirectamente, contribuíram para me salvar a vida e me ajudaram a recuperar a saúde.

Foi “graças ao Senhor que não fui aniquilado”: disse-o a primeira vez na festa de Nossa Senhora do Rosário; repito-o hoje, em Fátima, que tanto nos fala do rosário – da reza do terço – como diziam os pastorinhos. O rosário, o terço, é e permanecerá sempre uma oração de reconhecimento, de amor e de confiante súplica: a oração da Mãe da Igreja!

5. Venho em peregrinação a Fátima como a maioria de vós, amados peregrinos, com o terço na mão, o nome de Maria nos lábios e o cântico da misericórdia de Deus no coração: Ele, também “a mim fez grandes coisas... A sua misericórdia se estende de geração em geração” (Luc. 1, 49-50).

Ao preparar este meu encontro convosco, pude aquilatar bem da antiga e arreigada devoção a Nossa Senhora entre vós. Ela patenteia-se, bem claramente, não apenas nas grandes manifestações de fé ou nos grandes momentos da história do querido Povo português, mas também e sobretudo no quotidiano da vida e nos costumes das pessoas, das famílias, das comunidades, de molde a impregnar toda a sua cultura. Durante séculos e, podemos talvez dizer, sempre entre a gente simples e humilde, no cerne ancestral de Portugal, se exprimiu uma válida interpretação da sua vasta cultura, língua e hábitos de vida através da religião e da vida cristã. Em certo sentido a vida estava centrada e organizada à volta dos acontecimentos religiosos; e aí, sempre em primeiro plano, a figura de Nossa Senhora. Foi motivo de alegria para mim colher tais informações. E agora é uma alegria ainda maior verificar com os próprios alhos esta vossa acentrada devoção à Mãe de Deus.

Sede leais convosco próprios, zelai a vossa herança de fé, de valores espirituais e de honestidade de vida, que recebestes dos vossos maiores, à luz e com as bênçãos de Maria Santíssima; é uma herança rica e boa. E quereis que vos ensine um “segredo” para a conservar? É simples e já não é segredo: “rezai, rezai muito; rezai o terço todos os dias”.

6. Gratidão, comunhão, vida: são os sentimentos que nos irmanam, peregrinos, aqui “reunidos no mesmo lugar”, nós que formamos a geração actual da Igreja, para a qual já foi Pentecostes; reunidos, “com Maria, Mãe de Jesus” queremos aqui comprovar a nossa assiduidade ao “ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações” (Cfr. Act. 2, 42).

Viemos em “espírito de oração e penitência”, a este local já honrado pela presença do meu Predecessor Paulo VI de veneranda memória, sempre viva e grata na nossa saudade; local santificado pelas preces e sacrifícios de gerações de romeiros a Fátima. E em sintonia de sentimentos, na sintonia da caridade, viemos sobretudo agradecer e implorar a misericórdia divina, sem deixar de elevar as nossas súplicas a pedir fidelidade a Deus e fidelidade em Cristo aos homens nossos irmãos, a pedir a paz e o amor, no seio da Igreja entre os que se professam cristãos e em toda a família humana.

Na jubilosa expectativa de concretizar tudo isto, completamente, na Santa Missa de amanhã, vivamos em cheio, desde agora, em Eucaristia, esta nossa peregrinação, oferecendo-nos a Deus, pelo Coração Imaculado de Maria, em acção de graças e em disponibilidade; ofereçamos os nossos sacrifícios em união com Cristo redentor e com a alma em prece de expiação e propiciação, repitamos: Senhor “Jesus, é por vosso amor, em reparação dos pecados e pela conversão dos pecadores” (3ª aparição - Julho, 1917).

Oxalá que amanhã, de regresso da nossa peregrinação, após estas horas de intimidade com Cristo, com o “Pai que está nos céus” e com Maria nossa Mãe, vivificados pelo Espírito Santo “derramado em nossos corações” (Cfr. Rom. 5, 5), partamos com alegria “louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo” (Cfr. Act. 2, 47); daqueles que não puderam vir e daqueles que não quiseram vir, para os quais vai toda a nossa simpatia, a nossa proposta de amor e a certeza das nossas preces.

7. Sabeis, certamente, que desde a minha juventude cultivo a prática cristã da peregrinação; e nas minhas viagens apostólicas, como Sucessor de São Pedro – desde o México à Guiné Equatorial – as visitas, como peregrino, aos Santuários Marianos, têm sido, pessoalmente, dos momentos mais altos dos meus encontros com o Povo de Deus, espalhado pela terra, e com os homens nossos irmãos na grande família humana. E é sempre com emoção, a mesma emoção da primeira vez, que deponho nas mãos de Maria Santíssima tudo o que de bem possa ter feito ou venha ainda a fazer ao serviço da santa Igreja.

Nesta hora, aqui no Santuário de Fátima, quero repetir desde já, perante todos vós: Totus tuus - “todo teu” ó Mãe! Peço que me apresenteis, a mim e a todos estes irmãos, escondendo e cobrindo a nossa pobreza, com os vossos méritos e os do vosso divino Filho, ao “Pai das misericórdias”, em preito de gratidão. E que sejamos aceites, abençoados e fortalecidos nos nossos bons propósitos, que queremos enlaçar, ideal ramo de flores, com fita “tecida e dourada” por Vós, ó Mãe: fazer “tudo o que Ele (Cristo) nos disser” (Cfr. Io. 2, 4).

Dai-nos a vossa bênção, Senhora, nossa querida Mãe!

***

Ebenso herzlich grüße ich die Besucher deutscher und niederländischer Sprache: aus Deutschland, Österreich, Luxemburg, der Schweiz sowie aus Holland und Belgien.

Wir sind hier zusammengekommen, um dem reinen, mütterlichen Herzen Marias unsere Hoffnungen und unsere Ängste in kindlicher Zuversicht anzuvertrauen. Zugleich wollen wir feierlich unsere Bereitschaft bekunden, uns selbst mit Herz und Verstand, mit allen unseren Kräften der Erlöserliebe Christi zur Verfügung zu stellen: zum Heil für uns selbst und für alle unsere Mitmenschen, wo immer sie leben.

In geistiger Gemeinschaft mit Maria, der Mutter der Kirche, laßt uns also zusammen beten und unsere Herzen zu Gott, dem Heiligen und Dreifaltigen, erheben!

***

Dear English-speaking pilgrims,
I am grateful for your presence here at Fatima. I thank you for having come to watch and pray with Christ, and to entrust your lives and all your hopes to the Immaculate Heart of Mary. It is she – the Mother of Jesus and the Mother of his Church – who invites us to open our own hearts to her appeal, to that echo of the Gospel which speaks of prayer, conversion and penance. Beloved brothers and sisters: this is a decisive hour in the life of the Church of this generation: we are all invited to repentance and to new life. We are all invited to approach the throne of grace with confidence, in order to abtain mercy (Cfr. Hebr. 4, 16). We are all invited to go to Jesus through Mary!

***

Je désire maintenant adresser mon salut aux pèlerins qui sont venus ici, à Fatima, de beaucoup d’autres pays, en premier lieu aux pèlerins de langue française.

Chers Frères et Sœurs, que le Seigneur vous bénisse pour avoir entrepris svec moi cette démarche de foi! Préparons-nous, dans la prière, à fêter la Vierge Marie, à la louer, à accueillir son message évangélique, à lui confier les immenses besoins de l’Eglise et du monde. Par l’intercession de cette Mère, nous demanderons les grâces de conversion dont le monde a besoin pour entrer davantage dans le salut opéré par le Christ, et raviver aujourd’hui dans les cœurs les certitudes de la foi, les engagements de justice et de paix, dans la charité, et les sentiments d’espérance!

***

Saludo cordialmente a todos los peregrinos venidos de España y de otros países de lengua española. A vosotros aquí presentes y a todos los que nos acompañáis por medio de la radio y la televisión, os invito a participar en esta vigilia de oración en la que, con la intercesión maternal del Inmaculado Corazón de María, elevaremos al Señor nuestras plegarias por la Iglesia y para que haya paz en todo el mundo.

Que la devoción a la Virgen, Madre nuestra, haga sentir a cada uno la necesidad de la conversión para así seguir fielmente a Cristo, que es el camino, la verdad y la vida de todos los hombres.

***

Serdecznie witam i pozdrawiam moich Rodaków, którzy vraz z Kardynałem Metropolitą Krakowskim i Biskupem Tarnowskim przybyli w pielgrzymce do Fatimy, aby modlć się z Papieżem w tym sanktuarium maryjnym.

W Was i przez Was pozdrawiam wszystkie Siostry i Braci w Ojczyźnie i poza jej granicami. Wiem, że duchowo są oni tutaj obecni i uczestniczą w tej mojej dziękczynnej modlitwie.

Matka Chrystusa niech ogarnie miłoœcią swego Niepokalanego Serca moich Rodaków i trudne sprawy umiłowanej Ojczyzny."

Discurso do Papa São João Paulo II aos Bispos Portugueses
Residência de Nossa Senhora do Carmelo, Fátima, Quinta-feira, 13 de Maio de 1982 - also in Italian 

"Veneráveis e queridos Irmãos no Episcopado,
1. AQUI EM FÁTIMA, no ambiente em que a vossa Conferência Episcopal costuma celebrar suas reuniões habituais, o Sucessor de Pedro tem hoje a ventura e a alegria de encontrar-vos e reunir-se convosco. Esta circunstância, em si mesma secundária, reveste entretanto um significado: estar aqui fisicamente no meio de vós torna concreto em mim o sentimento de que espiritualmente aqui estive e aqui estarei de agora em diante, sempre que neste lugar vos reunirdes colegialmente.

Quanto a mim, quisera aproveitar esta hora de convívio fraterno, no quadro da minha peregrinação a Fátima e visita pastoral a Portugal, para reflectir convosco sobre alguns aspectos da missão como Pastores do vosso povo e como Conferência Episcopal. O Concílio Vaticano II, como bem sabeis, realçou a importância das Conferências Episcopais como elemento de comunhão e expressão dos affectus collegialis do Episcopado entre si, sob a dependência e união com o Sucessor de Pedro.

É nesta união afectiva que aqui vos saúdo hoje, amádos Irmãos, com o ósculo da paz: saúdo o Senhor Presidente, Dom Manuel de Almeida Trindade, e cada um de vós, Bispos que integrais esta Conferência Episcopal Portuguesa.

A presença particularmente viva e sentida de Nossa Senhora neste Santuário contribui para fazer do nosso encontro uma expressiva imagem daquela “sala superior” onde, no dizer dos Actos dos Apóstolos, os Onze “eram assíduos à oração com Maria, Mãe de Jesus” (Cfr. Act. 1, 14) e onde, provavelmente, Pedro e os outros Apóstolos se achavam com Nossa Senhora na manhã de Pentecostes.

Este momento breve mas denso que vivemos “com Maria”, aqui, seja para nós e para Igreja em Portugal um tempo de verdadeiro Pentecostes. Para isso nos assista com a sua luz e com a sua força o Espírito do Pai e do Filho.

2. Enquanto me é possível conhecer a realidade humana do vosso País, a partir do contacto com alguns de vós e com vossos fiéis em Roma, impressionam-me alguns aspectos ligados sobretudo ao momento histórico que Portugal está a viver.

Trata-se certamente de um momento de transição. Como em todos momentos de transição, sobretudo quando esta, por ser rápida e profunda, assume as características de verdadeira mutação cultural, fazem-se presentes – às vezes alternativamente, outras vezes confusamente – entusiasmo e ansiedade, ousadia e medo, abertura para um futuro encarado com optimismo e necessidade de reafirmar, se não recuperar, valores sólidos do passado. É que tais valores, não raro, são sacrificados em momentos de euforia.

Admiro neste Portugal, desejoso de ser uma Nação moderna, inserida na Europa contemporânea, a interessante coexistência de características tradicionais, enraizadas numa história muito antiga e rica de tradições, com outras características dependentes da abertura para o futuro.

Quanto à problemática pastoral, forçosamente influenciada pelo que acontece no plano humano e civil, não me surpreende entrever no Portugal actual notável convivência de um profundo sentimento religioso, do qual as multidões que estou a ver em Fátima são apenas um aspecto, mas que se manifesta ainda mais na vida das Paróquias de certas zonas do País e, por outro lado, uma inegável marca daquilo que, para abreviar, denominarei secularismo: agnosticismo nos meios intelectuais, universitários e de largas faixas da juventude; certa concepção da vida ou certo humanismo sem Deus; graves problemas no ambiente familiar, sobretudo no que diz respeito à indissolubilidade do matrimónio; afrouxamento da consciência moral e consequente relaxamento dos costumes; procura do bem-estar a qualquer preço, etc.

A Igreja, pelo que existe de espiritual e religioso, de ético e humano nestas realidades, não as pode ignorar. Ela possui critérios e pontos de referência que a levam a tomar posição diante dos muitos problemas concretos que brotam dessa conjuntura de transição ou, mais exactamente, de mutação. Ela tem interesse em não se deixar atropelar pelas contradições e desafios que tal conjuntura apresenta. Ao contrário, procura identificar esses desafios para poder oferecer-lhes uma resposta antes que se tornem insolúveis.

3. Neste ponto os Pastores da Igreja têm um papel de primordial importância que, em virtude do carisma episcopal e de um mandato de Deus, só a eles pertence. Ninguém assumirá esse papel, se eles não o assumirem.

Este múnus do Bispo está relacionado fundamentalmente com o carisma de Pastor, um dos principais da vocação episcopal.

Se não fosse breve o tempo e premente o programa, cederia ao desejo de descer convosco às profundezas deste carisma, tal como o revela São João no admirável capítulo décimo do seu Evangelho. Numa parábola e respectiva explicação, Jesus fala do Pastor à luz da sua condição de Bom Pastor. Haveria muito a dizer sobre o Pastor que conhece as ovelhas pelo nome; que dá a vida por elas; que as defende contra os ladrões, ou contra o lobo. Poderíamos reler juntos Santo Agostinho ou São Gregório Magno, nalgumas das suas páginas mais belas sobre o pastoreio, a que o primeiro chama “officium amoris” e o segundo, referindo-se à cura d’almas, chama “ars artium”.

Aqui desejo sublinhar apenas uma função do Pastor: a de guiar o rebanho. Guiar é ir à frente. À frente para fazer o reconhecimento do caminho: medir a profundidade das torrentes, detectar perigos, garantir a marcha; à frente para estimular e incutir coragem; à frente para mostrar o rumo certo e evitar desvios. Nas fases de instabilidade e mudança, é indispensável e preciosa a função destes guias e é abençoado o povo que os encontra nos seus Bispos.

Se pela graça do Espírito Santo, pelas virtudes e dotes cultivados com esforço e oração e pela sólida preparação, os Bispos de um País forem capazes de discernir, com clarividência, o sinal dos acontecimentos, muitos encontrarão neles alguém que, no meio de realidades ambíguas, porque polivalentes, faça a crítica das situações, das tendências, das correntes de pensamento e das ideologias e interrompa assim a marcha incerta. Se além de guias são pais, saberão incentivar a seguir por novos caminhos, ainda que desconfortáveis, abandonando os atractivos de sendas mais fáceis, mas quase sempre enganadoras.

A Igreja, especialmente esta sua parcela que está em Portugal, e aquele sobre quem pesa o ónus do Sumo Pontificado sabem que vós, Bispos portugueses, estais conscientes da vossa missão de Pastores e guias. Continuai a pô-la em prática sem hesitações, sobretudo quando se trata de indicar o rumo certo, no meio de um emaranhado de possíveis caminhos. A este propósito, tenho repetido que a Igreja não se arroga o direito de impor a ninguém a sua doutrina; mas tem o direito-dever de propô-la, com humildade e amor. Parafraseando Paulo VI na Evangelii Nuntiandi, posso dizer que, se nós Bispos propusermos com desassombro a via da Igreja, quem, por preconceito, despreza tal proposta, pode pecar, mas a nossa consciência de nada nos acusará. Se, ao contrário, por cansaço ou temor, respeito humano ou incerteza das próprias convicções, deixarmos de propor o que sabemos ser a verdade, quem por causa disso permanecer na ignorância do Evangelho e de Cristo, talvez não peque, mas nós não seremos isentos de culpa.

4. A determinada altura o carisma do Pastor-guia encontra-se profundamente ligado ao de educador da fé. Guiar uma pessoa ou uma colectividade, orientar um processo de transformação, na perspectiva de um Bispo, é educar na fé.

Quanto mais observo a fé do vosso povo, sobretudo da gente simples, mais a admiro pelas raízes ancestrais que ela lança na alma dessa gente. Pela sua espontaneidade e singeleza, pelos gestos concretos que suscita e pelas atitudes que provoca nas relações com Deus e o seu Filho Jesus, com o sofrimento e com a própria morte, com as outras pessoas e com os acontecimentos, com o mundo presente e com o futuro. Por outro lado, vejo essa fé exposta ao perigo e até, como escreveu Paulo VI na Evangelii Nuntiandi, assediada por muitas forças corrosivas, ameaçada na sua integridade e até na sobrevivência; isso porque, em virtude de circunstâncias históricas, que não podemos analisar aqui, essa fé não é sempre tão sólida quanto espontânea, nem tão profunda quanto sincera.

O vosso primeiro compromisso perante esta fé do vosso povo, é o de reconhecê-la e apreciá-la; de respeitar as suas manifestações autênticas; de defendê-la contra os fermentos que a põem em risco; de reforçá-la, libertando-a de eventuais elementos de crendice e superstição e dando-lhe mais conteúdo doutrinal. Numa palavra, é o compromisso de educá-la à luz da Palavra de Deus e do Magistério da Igreja, de nutri-la com uma verdadeira catequese. Reconhecendo os esforços que tendes feito e estais a incrementar, exorto-vos a prosseguir na caminhada, sobretudo no que se refere a iniciativas relacionadas com a formação cristã dos jovens e dos adultos.

Não se encontra menos ameaçada a fé dos filhos desta Nação que, formados nas ciências, nas técnicas e nas artes, precisariam de ter na mesma fé um nível correspondente ao do saber humano. Tanto mais, que graças ao próprio status intelectual, se vêem chamados a ocupar postos de responsabilidade, de influência e de decisão, na sociedade civil.

São diversas, nos dois casos, as exigências e os meios de aprofundamento da fé, mas é igual o dever dos Pastores. Com o esforço que tendes feito e continuareis a fazer, como mestres da fé, para torná-la nos vossos fiéis mais consciente e menos condicionada, mais arraigada e menos superficial, mais compromissiva e menos individualista, mais operante e menos intimista, estais a actuar não só em benefício deles, mas também em benefício da sociedade. Isto vale especialmente para aqueles que, nos mais diversos sectores, estão investidos de responsabilidades sociais.

Não vos paralise, pois, o pensamento, em si mesmo justo, de que não vos compete, como Bispos, dar contribuções técnicas, de ordem política ou económica, para a transformação social do vosso País. Tende a certeza de que, exercendo o vosso magistério e educando à fé as pessoas e comunidades que vos estão confiadas por Deus, estais a preparar cristãos que, transformados interiormente, transformação o mundo, através das soluções técnicas que, a eles sim, compete oferecer à comunidade.

Nesta linha de comportamento, a Igreja possui e dá a conhecer um humanismo alicerçado na Verdade revelada, uma visão do mundo baseada no Evangelho, uma escala de valores iluminada pela fé. Não temais nem hesisteis em assumir tudo isso, certos de estar a realizar, como mestres na fé, um serviço ao homem.

5. É impossível não frisar, nesta altura, um outro aspecto de particular interesse na missão episcopal. Refiro-me ao vosso papel de construtores, garantes e mantenedores da comunhão eclesial.

Foi com palavras claras e incisivas que o Divino Mestre, na hora suprema do adeus aos seus Apóstolos, exprimiu o valor teológico e espiritual da unidade na Igreja. A história, por sua vez, tem demonstrado repetidamente que a Igreja é portadora de um grande potencial de energia, e revela prodigiosa eficácia na sua missão quando dá testemunho de unidade; e que, desgraçadamente, fica tolhida, quando lhe falta esse testemunho. O Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática Lumen Gentium, enquadra com muita felicidade essa dimensão eclesial, ao definir a Igreja como comunhão dos fiéis com Deus e entre si, para ser, como consequência, germe, princípio e fermento de comunhão no seio da humanidade.

A vossa missão de Bispos é serdes princípio e sinal dessa comunhão, serdes dela artífices pacientes e perseverantes.

Como é óbvio, comunhão em primeiro lugar dos Bispos entre si e no seio da Conferência Episcopal. O serviço pastoral que exerceis exige, ao nível mais profundo, uma sólida comunhão entre vós. Fundamentos desta comunhão, bem mais fortes do que aquilo que poderia dividir, são o único Senhor que vos chamou, a única verdade que servis, a única salvação em Jesus Cristo que anunciais e a caridade fraterna que vos congrega na unidade. Que o empenho colegial e de colaboração, de que tendes dado testemunho em múltiplas ocasiões no passado, continue a ser incrementado com o estudo em conjunto e a partilha de iniciativas locais de projecção nacional, em espírito de verdadeira comunhão responsável.

É no seio dos vossos Presbitérios que se prolongará a edificação da comunhão eclesial.

Os documentos conciliares lançaram nova luz à antiga realidade do colégio presbiteral reunido em torno ao Bispo no governo pastoral de cada Igreja particular. Preconizando a criação do Conselho Presbiteral e recomendando outros modos de colaboração, o Concílio quer que se traduza em gestos e acções concretas a harmonia entre o Bispo e os seus padres que a Liturgia e a Teologia sempre exprimiram em conceitos admiráveis.

Para ser afectiva e efectiva ao mesmo tempo, essa comunhão deve ser procurada e cultivada cada dia. Ela exige esforços de parte a parte e não raro a superação de barreiras e resistências. O testemunho claro e visível desta comunhão é portador de estímulos para a comunhão a outros níveis.

Em segundo lugar, penso na comunhão que, por meio dos vossos presbíteros, deveis construir entre os fiéis.

Há muitos focos de tensão que tornam frágil e instável esta comunhão. Rótulo de “conservadores” e “progressistas” ou opções entre uma visão de Igreja mais espiritual e outra de maior empenho, ou a preferência por este ou aquele movimento eclesial: não é raro que tudo isso e muito mais ainda se torne ocasião de rupturas profundas na comunidade eclesial. Sem falar da tentação, sempre viva, de criar ou pelo menos deixar que se criem na Igreja as oposições e confrontos de classe que explodem funestamente na sociedade.

É dever dos Bispos, em união com seu Presbitério, não só não agravar os fermentos de divisão, mas reforçar os vínculos de unidade. A construção da comunhão eclesial não consiste – come bem sabeis – em desconhecer ou minimizar os conflitos, os germes de separação. Consiste em revelar e fazer prevalecer com tal credibilidade as forças de comunhão, em criar e em pôr em acção tais fermentos de unidade que as coisas que unem sejam afinal bem mais poderosas do que as que dividem.

Neste ponto os esforços despendidos por um Bispo para construir a unidade, vêem-se compensados pela irradiação do testemunho dessa mesma unidade.

6. Não quero encerrar estas considerações sem vos confiar algumas esperanças, na certeza de que elas correspondem aos vossos anseios e que este nosso encontro vos estimulará a intensificar esforços nos campos que agora recordo.

O primeiro campo é o das vocações para o ministério presbiteral e para a vida consagrada.

A Igreja habituou-se a receber do vosso País numerosos sacerdotes e religiosos ou religiosas, disponíveis para o serviço eclesial, quer na vossa Pátria, quer na actividade missionária em outros Países.

Seria absurdo pensar que Deus já não chama, em Portugal, como noutras terras, jovens cristãos, capazes e generosos, para o ministério sacerdotal ou para a vida religiosa. Importa e é urgente saber convocar esses jovens propondo-lhes um ideal exigente mas claro, uma identidade bem definida, um campo de acção capaz de lhes ditar o dom de toda a vida. Os Bispos, mais do que ninguém, devem assumir o empenho de fazer chegar ao maior número possível de jovens cristãos o convite de Cristo; e depois o empenho, não menor, de proporcionar-lhes um quadro de formação, um apoio ao seu ideal e uma tal perspectiva de emprego da própria vida, que eles se deixem fascinar por isso.

Continuai a prestar a máxima atenção à catequese. Só ela, se for bem orientada, quanto ao método e quanto ao conteúdo, pode assegurar ao vosso povo a possibilidade de crescer na própria fé.

Tendes em Bispos portugueses, do passado antigo e recente, modelos de Pastores atentos à urgência da catequese e dedicados a promovê-la entre os seus fiéis, com sentido de oportunidade, extremo cuidado quanto às verdades a transmitir e sensibilidade pastoral na busca da linguagem adaptada às pessoas a catequizar. Como símbolo evoco a figura admirável do Venerável Frei Bartolomeu dos Mártires, o grande Arcebispo de Braga, protagonista no Concílio de Trento, rico de virtudes e de zelo apostólico.

7. Partilho convosco, enfim, a minha preocupação pastoral quanto à família e aos seus autênticos valores.

Tenho consciência de encontrar-me num País que, ao longo da sua história, sempre teve a instituição familiar e os autênticos valores da família como pilares da sua civilização. É sabido também que, no centro da cultura que Portugal irradiou para além das suas fronteiras, nos novos mundos que foi descobrindo, se encontrou sempre o amor e respeito por esses valores familiares.

Como tive ocasião de salientar na Exortação Apostólica Familiaris Consortio, esses valores nada perdem da sua actualidade: por eles passa o caminho para um humanismo pleno e cristão; e um insuficiente cultivo dos mesmos é certamente uma das raízes da grave crise moral que a todos nos inquieta.

A mutação a que me referi há pouco, característica do actual momento histórico de Portugal, atinge directamente a família. Atinge-a como interpelação para reconhecer e reconfirmar os seus verdadeiros valores e a despojar-se de falsos valores que, porventura se houvessem infiltrado nela. Atinge-a também, ferindo-a naquilo que lhe é essencial: a comunhão interpessoal, o amor como dom de si, como ajuda mútua, como perdão e como auto-superação, a unidade, a perenidade, a fidelidade e a fecundidade desse amor, a intimidade e a generosidade do lar, o respeito unido à estima e ao afecto na educação dos filhos, etc.

Quero convidar-vos a dar sempre um lugar eminente à família nas vossas preocupações de Pastores e guias. Continuai a examinar em conjunto qual é a situação real da família nas várias camadas sociais deste País: os grandes valores que nela existem, os males que a afligem e as ajudas que ela requer. E, com a cooperação ampla das várias instâncias eclesiais ou mesmo extra-eclesiais competentes, elaborai um plano de longo alcance não somente para a defesa e a salvaguarda, mas também e sobretudo para a promoção positiva da família. Incluí nessa Pastoral familiar todos os sectores, desde a educação para o amor até à ajuda a prestar às famílias sacudidas por crises mais ou menos graves e profundas.

Já sabeis que, ao incentivar quanto tendes realizado neste ponto, estareis a prestar, dentro da vossa missão própria, um notável serviço à Igreja, a qual tem nas famílias as suas células vivas. Indirectamente, neste campo, estareis a beneficiar também a sociedade portuguesa.

Veneráveis e amados Irmãos:

Agradeço a Deus que, sempre rico de graças, me proporcionou este encontro convosco. Não preciso repetir-vos que, na vida e actividade do Papa, os momentos que passa com os seus irmãos Bispos, tratando com eles de questões essenciais da vida e acção da Igreja, numa linha de co-responsabilidade colegial vivida, são dos mais densos. Ele nunca pode esquecer que, ao defini-lo como princípio visível de unidade, a Lumen Gentium acrescenta que ele o é, antes de tudo, em relação aos Bispos.

Por isso, depois de agradecer a Deus, quero agradecer-vos a vós também, por terdes querido esta reunião. A cada um de vós e à Igreja local representada por cada um de vós: ao seu presbitério, aos seus religiosos e religiosas, às suas famílias e pessoas, saúdo de coração e de coração abençoo in Domino. Peço a Deus que vele sobre vós, as vossas ânsias pastorais, os vossos êxitos e os vossos esforços. Que Ele vos assista nos vossos trabalhos e vos abençoe sempre.

E destas alturas de Fátima, que Nossa Senhora vos proteja sob o seu olhar materno, enquanto em todo o País vos devotais pela construção do Reino de Seu Filho."

Homilia do Papa São João Paulo II na Santa Missa no Santuário de Nossa Senhora do Rosário, Fátima
13 de Maio de 1982 - also in Italian

"1. “E a partir daquele momento, o discípulo recebeu-A em sua casa” (Io. 19, 27)

Com estas palavras termina o Evangelho da Liturgia de hoje, aqui em Fátima. O nome do discípulo era João. Precisamente ele, João, filho de Zebedeu, apóstolo e evangelista, ouviu do alto da Cruz as palavras de Cristo: “Eis a tua Mãe”. Anteriormente, Jesus tinha dito à própria Mãe: “Senhora, eis o Teu filho”.

Este foi um testamento maravilhoso.

Ao deixar este mundo, Cristo deu a Sua Mãe um homem que fosse para Ela como um filho: João. A Ela o confiou. E, em consequência desta doação e deste acto de entrega, Maria tornou-se mãe de João. A Mãe de Deus tornou-se Mãe do homem.

E, a partir daquele momento, João “recebeu-A em sua casa”. João tornou-se também amparo terreno da Mãe de seu Mestre; é direito e dever dos filhos, efectivamente, assumir o cuidado da mãe. Mas acima de tudo, João tornou-se por vontade de Cristo o filho da Mãe de Deus. E, em João, todos e cada um dos homens d’Ela se tornaram filhos.

2. “Recebeu-A em sua casa” – esta frase significa, literalmente, na sua habitação.

Uma manifestação particular da maternidade de Maria em relação aos homens são os lugares, em que Ela se encontra com eles; as casas onde Ela habita; casas onde se sente uma presença toda particular da Mãe.

Estes lugares e estas casas são numerosíssimos. E são de uma grande variedade: desde os oratórios nas habitações e dos nichos ao longo das estradas, onde sobressai luminosa a imagem da Santa Mãe de Deus, até às capelas e às igrejas construídas em Sua honra. Há porém, alguns lugares, nos quais os homens sentem particularmente viva a presença da Mãe. Não raro, estes locais irradiam amplamente a sua luz e atraem a si a gente de longe. O seu círculo de irradiação pode estender-se ao âmbito de uma diocese, a uma nação inteira, por vezes a vários países e até aos diversos continentes. Estes lugares são os santuários marianos.

Em todos estes lugares realiza-se de maneira admirável aquele testamento singular do Senhor Crucificado: aí, o homem sente-se entregue e confiado a Maria e vem para estar com Ela, como se está com a própria Mãe. Abre-Lhe o seu coração e fala-Lhe de tudo: “recebe-A em sua casa”, dentro de todos os seus problemas, por vezes difíceis. Problemas próprios e de outrem. Problemas das famílias, das sociedades, das nações, da humanidade inteira.

3. Não sucede assim, porventura, no santuário de Lourdes na França? Não é igualmente assim, em Jasna Góra em terras polacas, no santuário do meu País, que este ano celebra o seu jubileu dos seiscentos anos?

Parece que também lá, como em tantos outros santuários marianos espalhados pelo mundo, com uma força de autenticidade particular, ressoam estas palavras da Liturgia do dia de hoje:
“Tu és a honra do nosso povo” (Iudit. 15,10); e também aquelas outras:
“Perante a humilhação da nossa gente”,
“... aliviaste o nosso abatimento, com a tua rectidão, na presença do nosso Deus”(Iudt. 13,20).

Estas palavras ressoam aqui em Fátima quase como eco particular das experiências vividas não só pela Nação portuguesa, mas também por tantas outras nações e povos que se encontram sobre a face da terra; ou melhor, elas são o eco das experiências de toda a humanidade contemporânea, de toda a família humana.

4. Venho hoje aqui, porque exactamente neste mesmo dia do mês, no ano passado, se dava, na Praça de São Pedro, em Roma, o atentado à vida do Papa, que misteriosamente coincidia com o aniversário da primeira aparição em Fátima, a qual se verificou a 13 de Maio de 1917.

Estas datas encontraram-se entre si de tal maneira, que me pareceu reconhecer nisso um chamamento especial para vir aqui. E eis que hoje aqui estou. Vim para agradecer à Divina Providência, neste lugar, que a Mãe de Deus parece ter escolhido de modo tão particular.

“Misericordiae Domini, quia non sumus consumpti” – Foi graças ao Senhor que não fomos aniquilados (Lam. 3, 22) – repito uma vez mais com o Profeta.

Vim, efectivamente, sobretudo para aqui proclamar a glória do mesmo Deus:
“Bendito seja o Senhor Deus, Criador do Céu e da Terra”, quero repetir com as palavras da Liturgia de hoje (Iudt. 13,18).

E ao Criador do Céu e da Terra elevo também aquele especial hino de glória, que é Ela própria: a Mãe Imaculada do Verbo Encarnado:
“Abençoada sejas, minha filha, pelo Deus Altíssimo / Mais do que todas as mulheres sobre a Terra... / A confiança que tiveste não será esquecida pelos homens, / E eles hão-de recordar sempre o poder de Deus. / Assim Deus te enalteça eternamente” (Ibid. 13, 18-20).

Na base deste canto de louvor, que a Igreja entoa com alegria, aqui como em tantos lugares da terra, está a incomparável escolha de uma filha do género humano para ser Mãe de Deus.

E por isso seja sobretudo adorado Deus: Pai, Filho, e Espírito Santo.

Seja bendita e venerada Maria, protótipo da Igreja, enquanto “habitação da Santíssima Trindade”.

5. A partir daquele momento em que Jesus, ao morrer na Cruz, disse a João: “Eis a tua Mãe”, e a partir do momento em que o discípulo “A recebeu em sua casa”, o mistério da maternidade espiritual de Maria teve a sua realização na história com uma amplidão sem limites. Maternidade quer dizer solicitude pela vida do filho. Ora se Maria é mãe de todos os homens, o seu desvelo pela vida do homem reveste-se de um alcance universal. A dedicação de qualquer mãe abrange o homem todo. A maternidade de Maria tem o seu início nos cuidados maternos para com Cristo.

Em Cristo, aos pés da Cruz, Ela aceitou João e, nele, aceitou todos os homens e o homem totalmente. Maria a todos abraça, com uma solicitude particular, no Espírito Santo. É Ele, efectivamente, “Aquele que dá a vida”, como professamos no Credo. É Ele que dá a plenitude da vida, com abertura para a eternidade.

A maternidade espiritual de Maria é, pois, participação no poder do Espírito Santo, no poder d’Aquele “que dá a vida”. E é ao mesmo tempo, o serviço humilde d’Aquela que diz de si mesma: “Eis a serva do Senhor” (Luc. 1, 38).

À luz do mistério da maternidade espiritual de Maria, procuremos entender a extraordinária mensagem que, daqui de Fátima, começou a ressoar pelo mundo todo, desde o dia 13 de Maio de 1917, e que se prolongou durante cinco meses, até ao dia 13 de Outubro do mesmo ano.

6. A Igreja ensinou sempre, e continua a proclamar, que a revelação de Deus foi levada à consumação em Jesus Cristo, que é a plenitude da mesma, e que “não se há-de esperar nenhuma outra revelação pública, antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo” (Dei Verbum, 4). A mesma Igreja aprecia e julga as revelações privadas segundo o critério da sua conformidade com aquela única Revelação pública.

Assim, se a Igreja aceitou a mensagem de Fátima, é sobretudo porque esta mensagem contém uma verdade e um chamamento que, no seu conteúdo fundamental, são a verdade e o chamamento do próprio Evangelho.

“Convertei-vos (fazei penitência), e acreditai na Boa Nova (Mc. 1, 15): são estas as primeiras palavras do Messias dirigidas à humanidade. E a mensagem de Fátima, no seu núcleo fundamental, é o chamamento à conversão e à penitência, como no Evangelho. Este chamamento foi feito nos inícios do século vinte e, portanto, foi dirigido, de um modo particular a este mesmo século. A Senhora da mensagem parecia ler, com uma perspicácia especial, os “sinais dos tempos”, os sinais do nosso tempo.

O apelo à penitência é um apelo maternal; e, ao mesmo tempo, é enérgico e feito com decisão. A caridade que “se congratula com a verdade”(1Cor 13, 6) sabe ser clara e firme. O chamamento à penitência, como sempre anda unido ao chamamento à oração. Em conformidade com a tradição de muitos séculos, a Senhora da mensagem de Fátima indica o terço – o rosário – que bem se pode definir “a oração de Maria”: a oração na qual Ela se sente particularmente unida connosco. Ela própria reza connosco. Com esta oração do terço se abrangem os problemas da Igreja, da Sé de Pedro, os problemas do mundo inteiro. Além disto, recordam-se os pecadores, para que se convertam e se salvem, e as almas do Purgatório.

As palavras de mensagem foram dirigidas a crianças, cuja idade ia dos sete aos dez anos. As crianças, como Bernadette de Lourdes, são particularmente privilegiadas nestas aparições da Mãe de Deus. Daqui deriva o facto de também a sua linguagem ser simples, de acordo com a capacidade de compreensão infantil. As criancinhas de Fátima tornaram-se as interlocutoras da Senhora da mensagem e também as suas colaboradoras. Uma delas ainda está viva.

7. Quando Jesus disse do alto da Cruz: “Senhora, eis o Seu filho” (Io. 19, 26), abriu, de maneira nova, o Coração da Sua Mãe, o coração Imaculado, e revelou-Lhe a nova dimensão do amor e o novo alcance do amor a que Ela fora chamada, no Espírito Santo, em virtude do sacrifício da Cruz.

Nas palavras da mensagem de Fátima parece-nos encontrar precisamente esta dimensão do amor materno, o qual com a sua amplitude, abrange todos os caminhos do homem em direcção a Deus: tanto aqueles que seguem sobre a terra, como aqueles que, através do Purgatório, levam para além da terra. A solicitude da Mãe do Salvador, identifica-se com a solicitude pela obra da salvação: a obra do Seu Filho. É solicitude pela salvação, pela eterna salvação de todos os homens. Ao completarem-se sessenta e cinco anos, depois daquele dia 13 de Maio de 1917 é difícil não descobrir como este amor salvífico da Mãe abraça na sua amplitude, de um modo particular, o nosso século.

À luz do amor materno, nós compreendemos toda a mensagem de Nossa Senhora de Fátima.

Aquilo que se opõe mais directamente à caminhada do homem em direcção a Deus é o pecado, o perseverar no pecado, enfim, a negação de Deus. O programado cancelamento de Deus do mundo do pensamento humano. A separação d’Ele de toda a actividade terrena do homem. A rejeição de Deus por parte do homem.

Na verdade, a salvação eterna do homem somente em Deus se encontra. A rejeição de Deus por parte do homem se se tornar definitiva, logicamente conduz à rejeição do homem por parte de Deus (Cfr. Matth. 7, 23; 10, 33), à condenação.

Poderá a Mãe, que deseja a salvação de todos os homens, com toda a força do seu amor que alimenta no Espírito Santo, poderá Ela ficar calada acerca daquilo que mina as próprias bases desta salvação? Não, não pode!

Por isso, a mensagem de Nossa Senhora de Fátima, tão maternal, se apresenta ao mesmo tempo tão forte e decidida. Até parece severa. É como se falasse João Baptista nas margens do rio Jordão. Exorta à penitencia. Adverte. Chama à oração. Recomenda o terço, o rosário.

Esta mensagem é dirigida a todos os homens. O amor da Mãe do Salvador chega até onde quer que se estenda a obra da salvação. E objecto do Seu desvelo são todos os homens da nossa época e, ao mesmo tempo, as sociedades, as nações e os povos. As sociedades ameaçadas pela apostasia, ameaçadas pela degradação moral. A derrocada da moralidade traz consigo a derrocada das sociedades.

8. Cristo disse do alto da Cruz: “Senhora, eis o Teu filho”. E, com tais palavras, abriu, de um modo novo, o Coração da Sua Mãe.

Pouco depois, a lança do soldado romano trespassou o lado do Crucificado. Aquele coração trespassado tornou-se o sinal da redenção, realizada mediante a morte do Cordeiro de Deus.

O Coração Imaculado de Maria aberto pelas palavras – “Senhora, eis o Teu Filho” – encontra-se espiritualmente com o Coração do Filho trespassado pela lança do soldado. O Coração de Maria foi aberto pelo mesmo amor para com o homem e para com o mundo com que Cristo amou o homem e o mundo, oferecendo-Se a Si mesmo por eles, sobre a Cruz, até àquele golpe da lança do soldado.

Consagrar o mundo ao Coração Imaculado de Maria significa aproximar-nos, mediante a intercessão da Mãe, da própria Fonte da Vida, nascida no Gólgota. Este Manancial escorre ininterruptamente, dele brotando a redenção e a graça. Nele se realiza continuamente a reparação pelos pecados do mundo. Tal Manancial é sem cessar Fonte de vida nova e de santidade.

Consagrar o mundo ao Imaculado Coração da Mãe significa voltar de novo junto da Cruz do Filho. Mais quer dizer, ainda: consagrar este mundo ao Coração trespassado do Salvador, reconduzindo-o à própria fonte da Redenção. A Redenção é sempre maior do que o pecado do homem e do que “o pecado do mundo”. A força da Redenção supera infinitamente toda a espécie de mal, que está no homem e no mundo.

O Coração da Mãe está conscio disso, como nenhum outro coração em todo o cosmos, visível e invisível.

E para isso faz a chamada.

Chama não somente à conversão. Chama-nos a que nos deixemos auxiliar por Ela, como Mãe, para voltarmos novamente à fonte da Redenção.

9. Consagrar-se a Maria Santíssima significa recorrer ao seu auxílio e oferecermo-nos a nós mesmos e oferecer a humanidade Àquele que é Santo, infinitamente Santo; valer-se do seu auxílio – recorrendo ao seu Coração de Mãe aberto junto da Cruz ao amor para com todos os homens e para com o mundo inteiro – para oferecer o mundo, e o homem, e a humanidade, e todas as nações Àquele que é infinitamente Santo. A santidade de Deus manifestou-se na redenção do homem, do mundo, da inteira humanidade e das nações: redenção esta que se realizou mediante o sacrifício da Cruz. “Por eles, Eu consagro-me a Mim mesmo”, tinha dito Jesus” (Io. 17, 19).

O mundo e o homem foram consagrados com a potência da Redenção. Foram confiados Àquele que é infinitamente Santo. Foram oferecidos e entregues ao próprio Amor, ao Amor misericordioso.

A Mãe de Cristo chama-nos e exorta-nos a unir-nos à Igreja do Deus vivo, nesta consagração do mundo, neste acto de entrega mediante o qual o mesmo mundo, a humanidade, as nações e todos e cada um dos homens são oferecidos ao Eterno Pai, envoltos com a virtude da Redenção de Cristo. São oferecidos no Coração do Redentor trespassado na Cruz.

A Mãe do Redentor chama-nos, convida-nos e ajuda-nos para nos unirmos a esta consagração, a este acto de entrega do mundo. Então encontrar-nos-emos, de facto, o mais próximo possível do Coração de Cristo trespassado na Cruz.

10. O conteúdo do apelo de Nossa Senhora de Fátima está tão profundamente radicado no Evangelho e em toda a Tradição, que a Igreja se sente interpelada por essa mensagem.

Ela respondeu à interpelação mediante o Servo de Deus Pio XII (cuja ordenação episcopal se realizara precisamente a 13 de Maio de 1917), o qual quis consagrar ao Imaculado Coração de Maria o género humano e especialmente os Povos da Rússia. Com essa consagração não terá ele, porventura, correspondido à eloquência evangélica do apelo de Fátima?

O Concílio Vaticano II, na Constituição dogmática sobre a Igreja “Lumen Gentium” e na Constituição pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo “Gaudium et Spes” explicou amplamente as razões dos laços que unem a Igreja com o mundo de hoje. Ao mesmo tempo os seus ensinamentos sobre a presença especial de Maria no mistério de Cristo e da Igreja, maturaram no acto com que Paulo VI, ao chamar a Maria também Mãe da Igreja, indicava de maneira mais profunda o carácter da sua união com a mesma Igreja e da Sua solicitude pelo mundo, pela humanidade, por cada um dos homens e por todas as nações: a sua maternidade.

Deste modo, foi ainda mais aprofundada a compreensão do sentido da entrega, que a Igreja é chamada a fazer, recorrendo ao auxílio do Coração da Mãe de Cristo e nossa Mãe.

11. E como é que se apresenta hoje diante da Santa Mãe que gerou o Filho de Deus, no seu Santuário de Fátima, João Paulo II, sucessor de Pedro e continuador da obra de Pio, de João e de Paulo e particular herdeiro do Concílio Vaticano II?

Apresenta-se com ansiedade, a fazer a releitura, daquele chamamento materno à penitência e à conversão, daquele apelo ardente do Coração de Maria, que se fez ouvir aqui em Fátima, há sessenta e cinco anos. Sim, relê-o, com o coração amargurado, porque vê quantos homens, quantas sociedades e quantos cristãos foram indo em direcção oposta àquela que foi indicada pela mensagem de Fátima. O pecado adquiriu assim um forte direito de cidadania e a negação de Deus difundiu-se nas ideologias, nas concepções e nos programas humanos!

E precisamente por isso, o convite evangélico à penitência e à conversão, expresso com as palavras da Mãe, continua ainda actual. Mais actual mesmo do que há sessenta e cinco anos atrás. E até mais urgente. É por isso também que tal convite será o assunto do próximo Sínodo dos Bispos, no ano que vem, Sínodo para o qual já nos estamos a preparar.

O sucessor de Pedro apresenta-se aqui também como testemunha dos imensos sofrimentos do homem, como testemunha das ameaças quase apocalípticas, que pesam sobre as nações e sobre a humanidade. E procura abraçar esses sofrimentos com o seu fraco coração humano, ao mesmo tempo que se põe bem diante do mistério do Coração: do Coração da Mãe, do Coração Imaculado de Maria.

Em virtude desses sofrimentos, com a consciência do mal que alastra pelo mundo e ameaça o homem, as nações e a humanidade o sucessor de Pedro apresenta-se aqui com uma fé maior na redenção do mundo: fé naquele Amor salvífico que é sempre maior, sempre mais forte do que todos os males.

Assim, se por um lado o coração se confrange, pelo sentido elo pecado do mundo, bem como pela série de ameaças que aumentam no mundo, por outro lado, o mesmo coração humano sente-se dilatar com a esperança, ao pôr em prática uma vez mais aquilo que os meus Predecessores já fizeram: entregar e confiar o mundo ao Coração da Mãe, confiar-Lhe especialmente aqueles povos, que, de modo particular, tenham necessidade disso. Este acto equivale a entregar e a confiar o mundo Àquele que é Santidade infinita. Esta Santidade significa redenção, significa amor mais forte do que o mal. Jamais algum “pecado do mundo” poderá superar este Amor.

Uma vez mais. Efectivamente, o apelo de Maria não é para uma vez só. Ele continua aberto para as gerações que se renovam, para ser correspondido de acordo com os “sinais dos tempos” sempre novos. A ele se deve voltar incessantemente. Há que retomá-lo sempre de novo.

12. Escreve o Autor do Apocalipse:

“Vi depois a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do Céu, da presença de Deus, pronta como noiva adornada para o seu esposo. E, do trono, ouvi uma voz potente que dizia: Eis a morada de Deus entre os homens. Deus há-de morar entre eles: eles mesmos serão o Seu povo e Ele próprio – Deus-com-eles – será o Seu Deus” (Apoc. 21, 2ss).

A Igreja vive desta fé.

Com tal fé caminha o Povo de Deus.

“A morada de Deus entre os homens” já está sobre a terra.

E nela está o Coração da Esposa e da Mãe, Maria Santíssima, adornado com a gema da Imaculada Conceição: o Coração da Esposa e da Mãe, aberto junto da Cruz pela palavra do Filho, para um novo e grande amor do homem e do mundo. O Coração da Esposa e da Mãe, cônscio de todos os sofrimentos dos homens e das sociedades sobre a face da terra.

O Povo de Deus é peregrino pelos caminhos deste mundo na direcção escatológica. Está em peregrinação para a eterna Jerusalém, para a “morada de Deus entre os homens”.

Lá, onde Deus “há-de enxugar-lhes dos olhos todas as lágrimas; a morte deixará de existir, e não mais haverá luto, nem clamor, nem fadiga. O que havia anteriormente desapareceu” (Cfr. Apoc. 21, 4).

Mas “o que havia anteriormente” ainda perdura. E é isso precisamente que constitui o espaço temporal da nossa peregrinação.

Por isso, olhemos para “Aquele que está sentado no trono” que diz: “Vou renovar todas as coisas” (Cfr. Ibid. 21, 5).

E juntamente com o Evangelista e Apóstolo procuremos ver com os olhos da fé “o novo céu e a nova terra”, porque o “primeiro céu e a primeira terra” já passaram...

Entretanto, até agora, “o primeiro céu e a primeira terra” continuam, estando sempre à nossa volta e dentro de nós. Não podemos ignorá-lo. Isso permite-nos, no entanto reconhecer que graça imensa foi concedida ao homem quando no meio deste peregrinar, no horizonte da fé dos nossos tempos, se acendeu esse “Sinal grandioso: uma Mulher”!

Sim, verdadeiramente podemos repetir: “Abençoada sejas, filha, pelo Deus altíssimo, mais que todas as mulheres sobre a Terra!

... Procedendo com rectidão, na presença do nosso Deus,
... Aliviaste o nosso abatimento”.

Verdadeiramente, Bendita sois Vós!

Sim, aqui e em toda a Igreja, no coração de cada um dos homens e no mundo inteiro: sede bendita ó Maria, nossa Mãe dulcíssima!"

Acto de Confiança e de Consagração a Nossa Senhora de Fátima
Fátima, 13 de Maio de 1982 - also in Italian

"À vossa protecção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus”!

1. AO PRONUNCIAR estas palavras da antífona com que a Igreja de Cristo reza há séculos, encontro-me hoje neste lugar escolhido por Vós, ó Mãe, e por Vós especialmente amado.

Estou aqui, unido com todos os Pastores da Igreja por aquele vínculo particular, pelo qual constituímos um corpo e um colégio, assim como Cristo quis os Apóstolos em unidade com Pedro.

No vínculo desta unidade, pronuncio as palavras deste Acto, no qual desejo incluir, uma vez mais, as esperanças e as angústias da Igreja no mundo contemporâneo.

Há quarenta anos atrás, e depois ainda passados dez anos, o Vosso servo o Papa Pio XII, tendo diante dos olhos as dolorosas experiências da família humana, confiou e consagrou ao Vosso Coração Imaculado todo o mundo e especialmente os Povos que eram objecto particular do vosso amor e da vossa solicitude.

Este mundo dos homens e das nações também eu o tenho diante dos olhos, hoje, no momento em que desejo renovar a entrega e a consagração feita pelo meu Predecessor na Sé de Pedro: o mundo do Segundo Milénio que está prestes a terminar, o mundo contemporâneo, o nosso mundo de hoje!

A Igreja, lembrada das palavras do Senhor: “Ide... e ensinai todas as nações... Eis que eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Matth. 28, 19-20), no Concílio Vaticano II, renovou a consciência da sua missão neste mundo.

Por isso, ó Mãe dos homens e dos povos, Vós que “conheceis todos os seus sofrimentos e as suas esperanças”, Vós que sentis maternamente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que abalam o mundo contemporâneo, acolhei o nosso clamor que movidos pelo Espírito Santo, elevamos directamente ao Vosso Coração, e abraçai com o amor da Mãe e da Serva este nosso mundo humano, que Vos confiamos e consagramos, cheios de inquietação pela sorte terrena e eterna dos homens e dos povos.

De modo especial Vos entregamos e consagramos aqueles homens e aquelas nações, que desta entrega e desta consagração particularmente têm necessidade.

“À Vossa protecção nos acolhemos Santa Mãe de Deus”! Não desprezeis as nossas súplicas, pois nos encontramos na provação!

Não desprezeis!

Acolhei a nossa humilde confiança e a nossa entrega!

2. “Porque Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito, para que todo aquele que n’Ele crer, não pereça, mas tenha a vida eterna” (Io. 3, 16).

Precisamente este amor fez com que o Filho de Deus se tenha consagrado a si mesmo: “Eu consagro-me por eles, para eles serem também consagrados na verdade” (Ibid. 17, 19).

Em virtude desta consagração, os discípulos de todos os tempos são chamados a empenhar-se pela salvação do mundo, a ajuntar alguma coisa aos sofrimentos de Cristo em benefício do Seu Corpo, que é a Igreja (Cfr. 2Cor. 12, 15; Col 1, 24).

Diante de Vós, Mãe de Cristo, diante de Vosso Coração Imaculado, desejo eu, hoje, juntamente com toda a Igreja, unir-me com o nosso Redentor nesta sua consagração pelo mundo e pelos homens, a qual só no seu Coração divino tem o poder de alcançar o perdão e de conseguir a reparação.

A força desta consagração permanece por todos os tempos e abarca todos os homens, os povos e as nações, e supera todo o mal, que o espírito das trevas é capaz de despertar no coração do homem e na sua história, e que, de facto, despertou nos nossos tempos.

A esta consagração do nosso Redentor, mediante o serviço do sucessor de Pedro, une-se a Igreja, Corpo místico de Cristo.

Oh! quão profundamente sentimos a necessidade de consagração, pela humanidade e pelo mundo: para nosso mundo contemporâneo, na unidade com o próprio Cristo! Na realidade, a obra redentora de Cristo deve ser participada pelo mundo pela mediação da Igreja.

Oh! quanto nos penaliza, portanto, tudo aquilo que na Igreja e em cada um de nós se opõe à santidade e à consagração! Quanto nos penaliza que o convite à penitência, à conversão, à oração, não tenha encontrado aquele acolhimento que devia!

Quanto nos penaliza que muitos participem tão friamente na obra da Redenção de Cristo! Que tão insuficientemente se complete na nossa carne “aquilo que falta aos sofrimentos de Cristo!” (Col 1, 24).

Sejam benditas portanto, todas as almas que obedecem à chamada do Amor eterno! Sejam benditos aqueles que, dia após dia, com generosidade inexaurível acolhem o Vosso convite, ó Mãe, para fazer aquilo que diz o Vosso Jesus (Cfr. Io 2, 5) e dão à Igreja e ao mundo um testemunho sereno de vida inspirada no Evangelho.

Sede bendita, acima de todas as criaturas, Vós, Serva do Senhor, que mais plenamente obedeceis a este Divino apelo!

Sede louvada, Vós que estais inteiramente unida à consagração redentora do Vosso Filho!

Mãe da Igreja! Iluminai o Povo de Deus nos caminhos da fé, da esperança e da caridade! Ajudai-nos a viver com toda a verdade da consagração de Cristo pela inteira família humana, no mundo contemporâneo.

3. Confiando-Vos, ó Mãe, o mundo, todos os homens e todos os povos, nós Vos confiamos também a própria consagração em favor do mundo, depositando-a no Vosso Coração materno.

Oh, Coração Imaculado! Ajudai-nos a vencer a ameaça do mal que tão facilmente se enraíza nos corações dos homens de hoje e que, nos seus efeitos incomensuráveis, pesa já sobre a nossa época e parece fechar os caminhos do futuro!

Da fome e da guerra, livrai-nos!

Da guerra nuclear, de uma autodestruição incalculável e de toda espécie de guerra, livrai-nos!

Dos pecados contra a vida do homem desde os seus primeiros instantes, livrai-nos!

Do ódio e do aviltamento da dignidade dos filhos de Deus, livrai-nos!

De todo o género de injustiça na vida social, nacional e internacional, livrai-nos!

Da facilidade em calcar aos pés os mandamentos de Deus, livrai-nos!

Dos pecados contra o Espírito Santo, livrai-nos, livrai-nos!

Acolhei, ó Mãe de Cristo, este clamor carregado do sofrimento de todos os homens! Carregado do sofrimento de sociedades inteiras!

Que se revele, uma vez mais, na história do mundo, a força infinita do Amor misericordioso! Que ele detenha o mal! Que ele transforme as consciências! Que se manifeste para todos, no Vosso Coração Imaculado, a luz da Esperança!

Quero dirigir-vos ainda uma oração especial, ó Mãe que conheceis as ansiedades e as preocupações dos vossos filhos. Suplico-vos, em imploração ardente e dorida que interponhais a vossa intercessão pela paz no mundo, pela paz entre os povos que, em diversas partes, contrastes de interesses nacionais e actos de prepotência injusta opõem sangrentamente entre si. Suplico-vos, em particular, que cessem as hostilidades que dividem já, há muitos dias, dois grandes Países nas águas do Atlântico meridional, causando dolorosas perdas de vidas humanas. Fazei com que se encontre finalmente uma solução justa e honrosa entre as duas Partes, não apenas pela controvérsia que as divide e ameaça com consequências imprevisíveis, mas também, e sobretudo para o restabelecimento entre elas da mais digna e mais profunda harmonia, como convém à sua História, à sua civilização e às suas tradições cristãs. Que em breve a grave e preocupante controvérsia seja superada e concluída, de tal maneira que também se possa realizar felizmente a minha projectada viagem pastoral à Grã-Bretanha, para ser satisfeito não só o meu desejo pessoal, mas também o de todos aqueles que esperam ardentemente esta visita e que com tanto empenho e com todo o coração a têm vindo a preparar."

Discurso do João Paulo II ao Clero, aos Religiosos e as Religiosas
Inauguração do centro pastoral 'Paulo VI', Fátima, 13 de Maio de 1982 - also in Italian

Queridos Padres, Irmãos e Irmãs,
1. A VÓS, que estais em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo, graça, misericórdia e paz, na verdade e no amor do Espírito Santo que nos foi concedido (Cfr. 1Thess. 1, 1; Rom. 5, 4)!

Estas palavras do Apóstolo São Paulo exprimem os meus sentimentos e antecipam os meus votos, esta tarde, neste encontro, que se reveste de singular importância para mim e, creio poder dizer, também para vós. É uma grande alegria, é belo estar convosco – Sacerdotes, Religiosos, Religiosas e Seminaristas de Portugal – poder saudar-vos e falar-vos pessoalmente.

Sinto-me sempre inundado de sentimentos de júbilo, gratidão e esperança, quando me é dado encontrar-me com pessoas consagradas ou que se preparam para a consagração; é um estado de ânimo que em mim tem a intensidade e vibração de único encontro, que não se pudesse repetir nunca mais, com pessoas para mim muito queridas. Também eu, pela graça divina, sou sacerdote de Jesus Cristo; e cresce cada dia em mim a estima pelo sacerdócio e pela vida consagrada, pelo que representam e contribuem para a missão, vida e tesouro da Igreja, Corpo místico de Cristo. O Papa ama-vos no Senhor!

A comunhão de sentimentos que me irmana vitalmente convosco, neste momento, e a todos nos faz experimentar, de algum modo, a misteriosa realidade de “Corpo”, na nossa Santa Igreja, é iluminada pelo “olhar”, maternalmente carinhoso de Nossa Senhora. E aqui em Fátima, onde Ela é tão amada e venerada, ao saudá-la com afecto, a todos convido a fixar a sua exemplaridade estimulante e, como “irmão mais velho”, em nome de todos, peço a Sua bênção de Mãe, em súplica: “Mãe de misericórdia, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre!”.

E com a Sua bênção e patrocínio, confiantes, elevamos os nossos corações a Deus, nosso Pai, em acto de louvor agradecido: porque nos ama e, “foi Ele que nos amou primeiro a nós” (1 Io 4, 10); não fomos nós, nem nossos pais a tomar a iniciativa, a escolher ser criados, baptizados e incorporados na sua Igreja. A iniciativa partiu do “amor fontal”, Princípio sem princípio, de Quem procede o Espírito Santo pelo Filho; sim, foi iniciativa liberalíssima da caridade de Deus Pai, que quis derramar e não cessa de derramar a Sua bondade, termos sido criados pela sua extraordinária e misericordiosa benignidade e, depois, chamados gratuitamente a partilhar da sua vida e glória (cf. Ad Gentes, 2), nesta condição eclesial, que é a nossa. Bendito seja Deus!

2. E com o coração em Deus, voltemos o olhar novamente para a Mãe e imaginemos a Sua resposta abençoante e carinhosa, a dizer-nos: “Jesus Cristo?! Olha, tu podes descobri-lo nos Seus sinais. E são tantos esses sinais! E neste momento, talvez acrescentasse – para minha confusão – o “sinal” é o Papa. Passa além da sua pessoa, porque ele apenas Lhe empresta a própria expressão, a Ele, a Jesus-Cristo”. Com esta imagem, pretendo dizer, com franqueza, quanto me sinto limitado e, ao mesmo tempo, responsável diante d’Ele, Cristo, e de vós.

E apresentam-se ao meu espírito os momentos de intimidade do mesmo Senhor com “os seus”, com aqueles aos quais já não chamava “servos mas amigos”(cf. Io 15, 14), a quem fazia confidências e falava de coração a coração: da sua pena pelas multidões “como ovelhas sem pastor” (Matth. 9, 36), como “seara que loireja para ceifa”, sem haver braços para o trabalho; da qualidade do “sim” para esse trabalho (Matth. 9, 37) – nem seguranças materiais (Matth.10, 9), nem capacidades pessoais (Matth.10, 20) nem simples boas vontades (Io. 15, 14) – mas disponibilidade, a nascer dum coração de pobre, cheio de confiança na força de Deus (Matth.10, 16), de temor e de coragem (Matth.10, 27). Enfim, aos “seus” amigos, falava francamente e do que lhes interessava.

E o Papa hoje deseja fazer o mesmo, sem passar além de “sinal” do grande Amigo de todos nós.

3. Vós, Sacerdotes e Religiosos, consagrastes a vida ao serviço do Evangelho, em momento de generosidade. Fostes “escolhidos” (Io 15, 16); e hoje sois os “chamados” por Deus, aos quais Ele confiou o maravilhoso dom dessa vocação especial, em função de toda a Igreja “para irdes e dardes fruto”, um fruto que permaneça (cf. Io 15, 16). Vós sois dom de Deus à Igreja em Portugal. Congratulando-me convosco, agradeço ao Senhor pela vossa presença generosa nesta “seara” sempre lourejante e pela vossa colaboração no servir e anunciar a Boa Nova da salvação.

Olhai: Deus è bom conhecedor das dificuldades, do “cansaço do dia e do seu calor”(Matth. 20, 12); e é fiel; da parte d’Ele, nunca faltarão as graças necessárias para a perseverança e feliz resposta à vocação.

E da vossa parte, estou certo, não há-de faltar a generosidade e docilidade. E, não poderia ser de outra forma. Depois de tantos e tantos benefícios recebidos e de tantos outros que esperamos ainda de Deus, não teríamos vergonha – pergunta um Santo Bispo – de Lhe negar a única retribuição que Ele pede, o amor para com Ele e para com o próximo? Ousaríamos nós fechar o coração... ao Pai e recusar-nos a ser na verdade filhos e a atender aos outros, nossos irmãos? (cf. S. Gregorii Nazianzeni, Serm., "De pauperum amore", 23: PG 35, 887)

4. Gostaria de poder encontrar-me a sós com cada um a conversar sobre o seu diálogo de amor com Deus; sobre aquela história pessoal, história linda, certamente, começada no Baptismo, até ao dia em que “deixastes tudo” para seguir Cristo; e depois continuada ao longo da vossa caminhada com Ele, como chamados por Deus. Mas, não sendo possível quero dizer aqui a todos, como se fosse a cada um individualmente: Cristo é o sentido único, a medida e a finalidade da vossa vida; é Cristo das bem-aventuranças, da radicalidade do dom de si mesmo “por amor do reino dos Céus”.

E poderíamos percorrer as diversas “bem-aventuranças”. Sem possibilidade para tanto, raparemos, por exemplo, no espírito de pobreza: “Bem-aventurados os pobres em espírito porque deles é o reino dos céus” (Matth. 5, 3).

Numa sociedade que preza tanto o ter, em que parece campear a aspiração sempre renovada de bem-estar e conforto, que tão frequentemente se deixa fascinar pelo luxo, em contraste directo com gritantes misérias, a pobreza, e sobretudo o espírito de pobreza é desafio. Desafio para todos, para os ricos e para os pobres de bens materiais, e desafio em particular para os que fizeram a profissão” de pobreza evangélica.

A pobreza evangélica é algo mais do que simples renúncia aos bens materiais; é abandonar-se, “perder-se” em Deus. Cristo falou, certo dia, de um negociante que fez a escolha da pérola preciosa e permutou tudo o que possuía, para adquiri-la (cf. Matth.13, 46). Exemplificou o discernimento dos bens superiores, “de grande valor”, concedido àqueles que sabem proceder com sabedoria. Pedro, após uma tal opção, atreveu-se a interrogar Cristo sobre esses “valores superiores”, pelos quais deixara tudo, para seguir o Mestre; e obteve a conhecida resposta: o cêntuplo na vida presente e a vida eterna”(cf. Matth. 19, 27-29).

Ao repensar esta permuta, que também nós fizemos, à luz do esclarecimento obtido por São Pedro, será que, nós próprios e os outros, não hesitamos em verifìcar a realização da promessa do Senhor? A nossa atitude íntima e o comportamento externo que os demais observam, será sempre de serena posse desse “cêntuplo” e de esperança na vida eterna? Ou parecerá, mais facilmente, que não abandonamos “tudo” – interrogações, “hipóteses” sem hipótese, “seguranças” humanas, “amarras” que não permitem “fazer-se ao largo” de todos os riscos etc. – e portanto, que não “recebemos” nada mais do que qualquer outro não “escolhido”, que se empenha totalmente em singrar na vida presente?

5. Não basta, certamente, deixar tudo, como vós sabeis, irmãos e irmãs: é preciso seguir Cristo, num esforço contínuo de identificação com Ele, com a Sua causa. Estamos no mundo, sem ser do mundo, constituídos entre os homens sinais da verdade e da presença de Cristo para o mundo. Entregámos-Lhe todo o nosso ser concreto, com a sua expressão, para Ele continuar a passar, fazendo o bem (cf. Act 10, 38).

Esta nossa entrega, “passagem de propriedade”, marcou-nos com um sinal particular, que passou a ser a nossa identidade. Com toda a nossa dignidade de pessoas “somos de” Cristo. Todos os que nos vêem hão-de poder reconhecer sem dificuldade, esta nossa única identidade. Para facilitar o acolhimento recíproco, nas reuniões e encontros é praxe corrente hoje as pessoas ostentarem bem visível a fotografia e os dados pessoais; e, sem embaraços, cada um é facilmente identificado. Deveria ser sempre assim connosco: os outros poderem começar o diálogo, silencioso ou franco, com o sacerdote, com o religioso e a religiosa, e até com o seminarista já identificados, chamados pelo nome, como “escolhidos por Deus”, patente nas atitudes e compostura exteriores.

Assim como é difícil viver e testemunhar a pobreza evangélica numa “sociedade de consumo” e da abundância, difícil se torna também, numa época de secularismo, ser sinal do religioso, do Absoluto de Deus. A tendência para o nivelamento, quando não para a inversão de valores, parece favorecer o anonimato da pessoa: ser como os demais, passar despercebido. E no entanto, a característica de ser “sal” e “luz (cf. Matth. 5, 13ss)”, no mundo, permanece apelo de Cristo, em especial para os que se lhe consagraram. Igualmente permanece com todo o vigor a promessa: “A todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante do meu Pai (Matth. 10, 32).

Amados irmãos e irmãs: a “singularidade” do Mestre mereceu-Lhe apelativos bem pouco lisonjeiros (Matth. 10, 24). E o discípulo não é mais do que o Mestre. Os primeiros discípulos deixaram-nos o testemunho, aparecendo-nos “cheios de alegria, por terem sido considerados dignos de sofrer vexames por causa do nome de Jesus”(Act 5, 42); e a geração actual da Igreja deve ser portadora desse testemunho.

6. A fidelidade a Deus e aos homens exige liberdade interior e espiritual para alguém poder participar com eficácia na missão de Cristo. A vossa vocação é dom em ordem a esta missão. Sois chamados a trabalhar para o reino de Deus. E aqui, quero deter-me um pouco nesta reflexão convosco: o empenho apostólico e pastoral.

As tarefas da Igreja e na Igreja são múltiplas: do ministério aos serviços simples e escondidos e aos trabalhos que exigem cultura, junto de pessoas em diversas condições; mas sempre próximo do homem. Têm por isso surgido, suscitadas pelo Espírito Santo, muitas iniciativas para responder aos vários apelos e necessidades dos tempos e lugares. Um simples relance desta assembleia já nos indica essa variedade de formas de serviço do reino, ao mesmo tempo que nos manifesta a perene vitalidade da Igreja, bem como a sua constante solicitude, encarnada pelos Fundadores das Famílias religiosas e movimentos apostólicos, cada qual com a sua oportunidade e os seus méritos.

Entretanto, denominador comum, primeiro meio e a via mais eficaz para evangelizar participando em Igreja na missão de Cristo, permanece a pessoa com o seu testemunho de vida. Os outros meios e vias que se concretizam em obras e iniciativas, de maior ou menor favor entre os destinatários da evangelização, nunca hão-de fazer passar despercebidos e, menos ainda, fazer esquecer o que sois: sacerdotes, religiosos e religiosas. Mesmo quando, por justificados motivos, houvésseis de exercitar tarefas seculares, que isso permaneça subsidiário e subordinado à vossa condição e função primordial.

Nunca diminuais, por nada, esta identidade e nunca esqueçais a finalidade exacta do ministério e do serviço apostólico a que fostes chamados: conduzir os homens-irmãos dos nossos dias à comunhão com a Santissima Trindade. Nos nossos dias, existe a tentação crescente de procurar a segurança na propriedade, na ciência, no prestígio e no poder. Com a vossa fidelidade a todos os compromissos assumidos na Ordenação sacerdotal e com a vossa consagração a Cristo, vivida generosamente na pobreza, castidade e obediência, vós alertais os homens contra essa falsa segurança; vós lhes recordais a sua dimensão escatológica e indicais o “reino dos céus”, ao qual consagrastes a vossa capacidade de amar.

7. O nível do rendimento pastoral e apostólico estará sempre em proporção com a medida da vossa fidelidade em Cristo a tais compromissos de amor. É esta fidelidade que liberta o coração e inflama o espírito de amor total por Cristo e pelos seus irmãos no mundo (cf. Perfectae Caritatis, 1.12). E sabei-lo bem, a fidelidade assenta na cultivada união com o Senhor, mediante o renovar-se constante e profundamente pela oração e vida sacramental, a fim de manter o esplendor da vida em graça: “porque sem Mim, nada podeis fazer” diz-nos o mesmo Senhor (Io. 15, 5).

Aqui, irmãos e irmãs, quereria fazer notar que está o fulcro da minha mensagem hodierna para vós. Se não houvesse perfeito equilíbrio entre a vossa vida com Deus e as actividades desenvolvidas ao serviço dos homens, estaria comprometida não só a obra de evangelização em que estais empenhados, mas também a vossa condição pessoal de evangelizados. A oração é a alma do vosso trabalho pelo reino: a oração litúrgica, centrada na Eucaristia, recebida e vivida com aquela pureza de consciência que exige o recurso ao sacramento da Reconciliação, celebrado devidamente, o que não admite paliativos; a Liturgia das Horas, a marcar o ritmo da contínua adoração, “em espírito e verdade”, com presença “querida” da Virgem dada à oração, a Serva do Senhor, modelo de quantos querem servir o Senhor.

8. Com a exigência do testemunho de vida, igualmente o dever do anúncio da salvação de Cristo, há-de ser sentido, como nos é “presso por São Pedro: “não podemos deixar de falar”(Act 4, 20). Haverá sempre alguma oportunidade para lançar a semente; mas esta só pode ser a da verdade e do bem; como só resultará fecunda se envolta em hábitos de oração e de meditação e estudo da Palavra de Deus, segundo a leitura do Magistério autêntico.

Hoje a maravilha dos meios de comunicação informa de tudo e nem sempre com isenção e objectividade; por isso, há muito quem precise de ser esclarecido, orientado e ajudado a discernir. Tende sempre no coração o sentido da partilha do conhecimento e adesão à Verdade, que já identificastes em Cristo (cf. Io. 14, 6); e com amor, fiéis à verdade, adoptai o lema de São Francisco de Assis: levar a fé onde haja dúvida.

É pela verdade, antes de mais, que se constrói a unidade: a comunhão das mentes facilmente se transforma em união dos corações, na convergência de intentos, para a mesma causa. Um reino dividido contra si mesmo não pode subsistir (cf. Luc 11, 17). O apostolado dividido aniquila-se a si próprio. E sabemos que se dividirá se ceder à tentação do exclusivismo, avessa à justa diversidade de dons e carismas, ou à tentação do isolamento, desinteressado ou estancado em relação ao trabalho dos outros, sem se enquadrar em programas ou planos comuns de pastoral. Se há diversidade de dons, de serviços e de operações, a fonte é a mesma e “a cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum”(1 Cor. 12, 7).

9. Na minha aprendizagem da vossa bela língua, ficou-me esta frase da sabedoria popular: “É com o falar que a gente se entende”. A união de forças dos obreiros da evangelização exige entendimento; e este, por sua vez, só se encontrará mediante o diálogo autêntico, também com as suas componentes de ordem afectiva. Como é belo e importante encontrar-se como irmãos, num plano mais profundo do que a pura comunicação conceptual! Encontrar-se também por amizade, para partilhar os bens espirituais, em afirmação de plenitude humana, na voluntária e genuína pobreza de espírito. Todas as vezes que se dão tais encontros – a vossa experiência vo-lo dirá, certamente – com os irmãos de ministério, de vida comum ou de apostolado, fica revigorado o nosso sentido da vida e participação na missão de Cristo. Depois, reparemos, foi o Mestre a dizer-nos: “nisto todos reconhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”(Io. 13, 35).

E aqui seria o caso de alargar as considerações sobre a validade do diálogo na caridade a toda uma série de situações vitais. Limito-me só a duas simples indicações:
– o caso de pessoas idosas (sacerdotes, religiosos e religiosas), neste Ano Internacional da Terceira Idade, e dos inválidos: para eles dirijo uma palavra de viva simpatia e uma saudação afectuosa, dizendo-lhes: vós sois importantes para a Igreja de Cristo, hoje como ontem. Com São Pedro Crisólogo, peço-vos: fazei do vosso coração um altar; e, com toda a confiança, oferecei o vosso corpo como vítima a Deus, com fé e generosidade! O Papa vos ama e vos abençoa!
– as relações com a autoridade coordenadora: aqui, o diálogo, assente em colaboração dócil e leal e na obediência, tem um alcance inestimável e vantagens recíprocas que só podem aproveitar para o enriquecimento pessoal e do tesouro da Igreja, e para a eficácia do trabalho de evangelização.

E, ampliando o conceito de diálogo, diria que para obviar ao perigo de um gradual empobrecimento da vida sacerdotal e consagrada, por “entropia” se não mesmo por ancilose, temos de manter os contactos com as fontes da nossa formação inicial de base, temos que atender à formação continuada; igualmente, para um adequado anúncio da Boa Nova, impõe-se o “diálogo” com a cultura do nosso mundo ambiente, em constante empenho de actualização discernida, para poderem ser acolhidas as razões da esperança que nos anima (cf. 1 Petr. 3, 15) e desejamos transmitir aos outros.

10. Ficaria a faltar alguma coisa à alegria deste nosso encontro, se não fizéssemos uma breve visita, em espírito, aos irmãos e irmãs que consagram a vida à contemplação, e vivem em silencioso recolhimento e na clausura a própria doação pessoal “por amor do reino dos Céus”. E que lhes vamos dizer?

Primeiro de tudo, exprimir-lhes a nossa fraterna gratidão jubilosa, pelo que são e pelo que representam para nós, para a missão da Comunidade eclesial e para o mundo, situados como estão no coração do mistério da Igreja. A vida contemplativa é absolutamente vital para a mesma Igreja e para a humanidade, sempre necessitadas do oxigénio purificador e renovador da graça, aspirado e distribuído por essa oração e imolação escondidas dos nossos irmãos contemplativos.

Mais: a sua imolação silenciosa proclama o Absoluto de Deus e interpela os homens-irmãos a interrogarem-se sobre o sentido da vida; e o seu amor aplicado na adoração e na súplica, derrama-se na história dos mesmos homens: dos que já conhecem e dos que ainda não conhecem o Senhor da história e a salvação que Ele propõe; uns e outros a terem de construir a justiça e a fraterna convivência cada vez mais segundo os desígnios divinos.

E quereria repetir-lhes algo que nesta peregrinação a Fátima sinto mais vivo, mas que sempre tenho no coração, quando me dirijo aos contemplativos: orai e sacrificai-vos por nós e por todos os que também rezam, pelos que não podem rezar, pelos que não sabem rezar e pelos que não querem rezar! E o Deus da paz esteja sempre convosco!

11. E aos irmãos mais novos – os seminaristas e os que estão a preparar-se para abraçar a vida consagrada – quero deixar também uma palavra, de grande afeição, de ânimo e de muita confiança. Vós ocupais um lugar especial no coração do Papa, na esperança da Igreja e, em especial, da Igreja deste País, de tão benemérita tradição quanto a vocações sacerdotais e religiosas. Em vós, vejo e saúdo os aspirantes ao Sacerdócio e à vida religiosa de todo o Portugal. E posso dizer-vos: que saudade dos meus tempos de seminarista e, que alegria estar hoje convosco!

Mas, no horizonte desta alegria, também aqui em Portugal passam nuvens, que nos trazem espontaneamente à lembrança a exclamação do Senhor: “a messe é grande, mas os trabalhadores são poucos”(Luc 10, 2). E com tal lembrança, sai-me do coração o apelo a todos os que neste problema estão implicados – e é afinal todo o Povo de Deus – a dedicarem toda a boa vontade ao campo das vocações: pela oração insistente, pela exemplaridade, sobretudo da parte dos já “escolhidos”, e pela adequada actuação pastoral, a começar na família, passando pela várias comunidades e pela escola, até aos planos e programações pastorais de conjunto. Sei que já vos aplicais neste sentido e desejo que as minhas palavras vos confortem e encoragem.

E àqueles que nos Seminários e Casas de Formação dão o melhor de si mesmos para cultivar com o carinho da Mãe Igreja estas esperançosas plantas, destinadas a frutificar em santos sacerdotes e religiosos ou religiosas, quero afirmar toda a estima e repetir-lhes, embora o saibam já: não estais sós, no vosso trabalho generoso e precioso; toda a Igreja vos acompanha. Sabei que o Papa vos apoia e vos aprecia, como o fazem os vossos Bispos e Superiores religiosos. A vossa colaboração seja sempre abençoada por Deus!

E vós, jovens meus amigos, cultivai o ideal, amai a vida e dai-lhe uma finalidade nobre! Estais num momento da existência em que deveis falar muito a Deus dos homens, para mais tarde poderdes falar aos homens de Deus. Existe uma frase feita, que certamente conheceis, mas que vos quero lembrar: “há três muitos que recompensam outros três: muito estudo, muita ciência; muita reflexão, muita sabedoria; muita virtude, muita paz”. Coragem!

Irmãos e Irmãs:
O pobre em espírito é aquele que crê e se abandona ao Evangelho da caridade e da misericórdia de Deus e o vive no quotidiano; o consagrado é aquele que afirma e vive em si mesmo o senhorio absoluto de Deus, que quer ser tudo em todos (cf. 1 Cor 15, 28); o evangelizador é o que proclama a Boa Nova que tem no coração e o torna interior e espiritualmente livre. Sede fiéis à vossa vocação sublime!

E que a Virgem Maria, Mãe da Igreja – Nossa Senhora de Fátima – esteja sempre presente na vossa vida, com o seu exemplo e a sua protecção, e vos obtenha constante serenidade, consolação e alegria do Seu Filho Jesus Cristo, em nome do Qual vos abençoo, de todo o coração.

Discurso do Papa São João Paulo II aos Servitas de Nossa Senhora de Fátima e demais Colaboradores do Santuário de Fátima
Quinta-feira, 13 de Maio de 1982 - also in Italian

Amados irmãos e irmãs no Senhor.
1. SAI-ME DO CORAÇÃO uma palavra de grande simpatia e apreço por todos vós, Servitas de Nossa Senhora de Fátima e demais colaboradores na assistência que aqui se presta aos peregrinos; e também para vós, trabalhadores, que aqui tendes dado o vosso esforço, para as obras deste imponente conjunto. Parece-me que ficaria a faltar alguma coisa à alegria íntima e inolvidável desta minha peregrinação a Fátima, se vos não dissesse um sentido, estimulante, e cordial “bem hajam!”.

A celebração da Santa Missa desta manhã avivou em mim a grata recordação de muitas outras peregrinações em que tive a alegria de tomar parte, na minha terra natal – ao Santuário de Jasna Góra e de Częstochowa, principalmente – e nas minhas visitas apostólicas pelo mundo – de Guadalupe ate Fátima.

Conheço bem, por experiência direta, o valor dos vossos serviços e dedicação, para assistir e ajudar os peregrinos a sentirem-se bem, neste local abençoado. Mas conheço e avalio ainda mais o que, consciente ou inconscientemente, fazeis com generosidade e sacrifício, para proporcionar um encontro de amor, pela Mãe celeste, com o Pai que está nos Céus, e para alentar, no coração da cada romeiro, a fé e o sentido cristão da vida. Frequentemente daí resulta um reencontro consigo próprio e um crescer em docilidade à voz de Maria Santíssima, cujos apelos maternais sempre convergem no “fazei o que Ele (Cristo) vos disser” (Io. 2, 5). E quantos e quantos, graças à vossa intervenção e interesse, regressam dispostos a trilhar caminhos para eles novos ou esquecidos, de penitência, de oração, de honestidade, de bondade, de justiça e de graça.

2. Filialmente devotados a Nossa Senhora, vós sois também instrumentos de Deus misericordioso ao servirdes os vossos irmãos, especialmente os doentes e os mais necessitados; e isso, para vosso bem, pois estais a ouvir a Palavra do Mestre, na perspectiva da “vida eterna”: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes”(Matth.25, 40). E mais, com os vossos gestos concretos de humanidade e caridade, vós estais a fazer obra de evangelização: e “aos pobres é anunciada a Boa-Nova” (Luc. 7, 22).

Não pensais, certamente de outra maneira: a Boa-Nova tem de ser proclamada, antes de mais nada, pelo testemunho, feito de capacidade de compreensão e acolhimento; pela irradiação, de um modo absolutamente simples e espontâneo, da fé em valores que estão para além dos valores correntes e da esperança em alguma coisa que não se vê, nem se consegue imaginar. Por força desta demonstração de amor, sem palavras, não deixarão certamente de aflorar ao coração daqueles que vêem as vossas “boas obras” as perguntas: porque é que eles são e fazem assim? O que é – ou quem é – que os inspira e motiva a serem bondosos? (Cfr. Pauli VI Evangelii Nuntiandi, 21).

Oxalá continueis a deixar-vos iluminar por esta “razão da vossa esperança” (1Petr. 3, 15) e que seja ela a dar-vos coragem para levardes por diante, com serenidade, alegria e amor, as tarefas que aceitas generosamente, como vivência da condição cristã, e quereis que redundem em homenagem filial à Mãe de Deus e Mãe nossa.

3. E a vós, meus irmãos trabalhadores, quero dizer: pelo que sois e aqui representais, ficai certos de que o Papa vos estima muito; o Papa, vós bem o sabeis, representa Cristo Salvador, que não desdenhou – antes pelo contrário – com todo o amor punha em prática, nas suas obras, o “Evangelho”, a Palavra da Sabedoria eterna, que também é “evangelho do trabalho” pois aquele “que proclamava tal “evangelho” era, Ele próprio, homem do trabalho, do trabalho artesanal”, como carpinteiro (Cfr. Ioannis Pauli PP. II Laborem Exercens, 26).

Vós conheceis que, ainda há pouco tempo, eu escrevi uma longa Carta – uma Encíclica – sobre o trabalho humano, onde podeis ver o valor que eu, na minha missão, dou ao trabalho, e sobretudo a todas as pessoas que trabalham, principalmente quando o fazem com o coração voltado para Deus, conscientes de estarem a continuar e a colaborar na obra criadora, que Ele, bondosamente, quis fazer para nós. Por isso, como lembrança deste nosso breve encontro, como penhor de amizade que desejaria se mantivesse sempre entre nós, porque Deus é nosso Pai bondoso e em Cristo todos somos irmãos, deixo-vos este pensamento:

Ao ganhar o sustento para vós e para as vossa famílias, lembrai-vos sempre que Deus vos vê; exercei a vossa actividade como quem colabora no aperfeiçoamento da criação divina, como quem dá uma contribuição pessoal para a realização dos desígnios de Deus na história. Portanto, glorificai a Deus, sempre, oferecendo-Lhe o vosso trabalho, transformando-o em caridade e em serviço à sociedade de que fazeis parte. O vosso trabalho é importante, não apenas para o progresso terreno, mas também para o reino de Deus, para o qual todos fomos chamados, e no qual vos desejo que tenhais parte, agora no tempo e para sempre no céu.

Eu rezo por vós e espero o mesmo da vossa parte; imploro para todos vós – por intercessão de Nossa Senhora de Fátima – as mais abundantes graças de bondade, de serenidade e de vida em Cristo. E com estes sentimentos vos dou, e por vós a todos os que vos são queridos, de todo o coração a Bênção Apostólica.

Discurso do Papa São João Paulo II na Despedida de Fatima
Quinta-feira, 13 de Maio de 1982 - also in Italian

Queridos irmãos e irmãs,
CHEGOU PARA MIM o momento de deixar Fátima, a fim de continuar a minha viagem apostólica, a minha missão pastoral na vossa pátria.

Vim para um Magnificat convosco, protraído ao longo de todos os actos e cerimónias desta peregrinação; foi Nossa Senhora a presidir; eu, como Seu filho, irmão entre irmãos, participei para confirmar a minha fraternidade na fé e, como sucessor do Apóstolo São Pedro, para ser arauto e porta-voz da Mãe de Deus e nossa Mãe, proclamando a misericórdia do Altíssimo, o mistério da relação da justiça com o amor divino, manifestado em Jesus Cristo, morto e ressuscitado (Cfr. Ioannis Pauli PP. II Dives in Misericordia, 5).

Comecei a peregrinação com o cântico da misericórdia de Deus no coração; e, ao partir, quero dizer-vos que a minha alma continua a vibrar com esse cântico; e “cantarei perpetuamente as misericórdias do Senhor” (Ps 89 (88), 2), no coro da geração actual da Igreja, que tem a Mãe da divina misericórdia como primeira solista. Com o sacrifício do próprio coração, sobretudo aos pés da Cruz, Ela teve uma singular participação no revelar-se da misericórdia; Ela quer levar-nos sempre, pelos caminhos da misericórdia, à esperança: a “Jesus Cristo, nossa esperança” (1Tim 1,1).

Viemos aqui orar, em atitude de amor agradecido ao “Senhor que é misericordioso e compassivo” (Cfr. Matth. 6, 12). Sentindo quanto precisamos, pessoalmente, continuar a apelar para a misericórdia divina, implorámos: “Perdoai-nos, Senhor, as nossas ofensas”; e sentindo, profundamente, quanto os homens da nossa época O ofendem e O rejeitam, rezámos, com Cristo na cruz: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem” (Luc. 23, 34). Mas orámos também, movidos por um impulso de amor para com todos os homens, nossos irmãos, sem excepção, desejando o bem verdadeiro para cada um deles: crianças, jovens, adultos, pais de família, velhinhos e doentes, onde quer que se encontrem em todas as latitudes da terra. E quereríamos que eles o soubessem. Sim, desejaríamos que a inteira família humana conhecesse “o dom de Deus” Cfr. Io. 4, 10), em Jesus Cristo, o dom do amor e da misericórdia, e se sentisse impelida a cultivar a misericórdia, indeclinável caminho da paz, a ouvir a Palavra, que continua a ecoar nesta montanha de Fátima, proveniente da montanha da Galileia: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Matth. 5, 7).

Viverá “sempre em minha alma”, podeis estar certos, “este grito imortal – ó Fátima adeus”, depois de aqui termos elevado juntos as nossas súplicas, guiados pela fé, pela esperança e pela caridade. Chegou a hora da separação. Mas eu creio que vamos continuar muito unidos no amor de Cristo, ao partirmos com a alegria de ter cumprido um imperativo desse amor, com a nossa “penitência e oração”.

Estou profundamente agradecido a todos os que vos empenhastes e trabalhastes, com afã e entusiasmo, aqui em Fátima, para organizar nos mínimos pormenores esta peregrinação. Fizestes tudo, certamente, para glorificar a Deus e por devoção a Nossa Senhora; mas terá influído também o amor ao Papa. Muito obrigado a todos!

E para que se conserve e se renove sempre a alegria deste encontro, ao dizer-vos “adeus”, “até quando Deus quiser”, dou-vos com a minha bênção, esta lembrança de despedida da Mãe: “Fazei tudo o que Ele – Cristo – vos disser!”. Não esqueçais!

Abençoe-vos Deus Todo-poderoso Pai e Filho e Espírito Santo!
Rezem pelo Papa! Adeus! Até à próxima!

Rencontre du Pape Jean-Paul II avec le Corps Diplomatique
Lisbonne, jeudi 13 mai 1982 - also in Italian, Portuguese & Spanish

Excellences, Mesdames, Messieurs,
1. Je suis venu dans ce cher pays du Portugal d’abord pour un pèlerinage à Notre-Dame de Fatima, et en même temps pour une visite pastorale aux fils de ce pays qui partagent presque à l’unanimité la foi catholique, et pour une rencontre avec leurs gouvernants qui ont eu, eux aussi, l’amabilité de m’inviter et de m’accueillir cordialement. J’ai désiré m’arrêter au moins dans quelques grandes cités, et entrer en dialogue avec les différents milieux. Mais je tenais en outre à réserver un moment aux diplomates étrangers accrédités par leurs Gouvernements auprès du Portugal, ayant une vive conscience de l’importance de votre mission pour la paix, la sécurité et les rapports fraternels entre les peuples.

Je suis heureux de saluer, à travers vos personnes, chacun des pays que vous représentez; j’ai eu la joie d’en visiter déjà un certain nombre, grâce à l’aimable invitation des Autorités civiles et des épiscopats locaux, et je garde la mémoire de l’accueil sympathique de vos compatriotes. Par ailleurs, beaucoup d’entre vous ont des collègues de leur pays qui assurent une présence diplomatique auprès du Saint-Siège. Il m’est toujours agréable et fructueux de les rencontrer et de leur confier les préoccupations de l’Eglise catholique concernant notamment la paix internationale. Je me permets de vous en entretenir vous aussi.

2. Je constate tout d’abord que vous êtes en mission dans un pays qui offre à votre regard et à votre cœur des aspects très attachants et susceptibles d’enrichir votre expérience. Le Portugal enracine son histoire dans une vieille civilisation, qui s’est épanouie dans la mouvance des pays latins et donc imprégnée de valeurs chrétiennes. Mais elle s’est également ouverte vers les horizons les plus lointains et les plus variés des autres continents. La nation lusitanienne a ainsi marqué de son empreinte de vastes régions d’Amérique du Sud, d’Afrique et même d’Asie. Si désormais elle souligne spécialement son insertion européenne, en liaison toujours plus étroite avec les pays de ce continent dont elle partage l’unité spirituelle et la vie économique, sa culture et sa langue, largement répandues, demeurent une clef pour bien comprendre l’histoire et beaucoup de traits actuels de ces grands peuples qui, au-delà des mers, ont désormais pris en main leur destin. Je pense également aux pays plus proches qui accueillent aujourd’hui tant de travailleurs portugais émigrés. Je souhaite donc que le temps de votre mission à Lisbonne vous familiarise, non seulement avec les réalités politiques, sociales et economiques de ces pays, mais aussi avec toutes les richesses culturelles issues de ce peuple dynamique. Puisse votre sympathie s’élargir aussi à tous ceux qui ont bénéficié dans le monde de la culture portugaise!

3. Vous-mêmes, au nom de vos Gouvernements, vous représentez auprès du Portugal vos propres patries, avec leurs divers intérêts. La voie diplomatique qui est votre lot suppose un profond esprit d’observation et d’écoute, et l’art de négocier pour promouvoir la compréhension, l’entente et la collaboration par des moyens raisonnables. C’est donc leur pays que les diplomates sont appelés à servir, mais aussi - et je le souhaite de tout cœur - le bien de tous les peuples, c’est-à-dire les conditions qui garantissent à tous la sécurité et le progrès. Car chaque pays en est responsable pour sa part, pour la bonne raison que les éléments de la vie pacifique internationale sont de moins en moins dissociables. Cela suppose un certain nombre de convinctions dont j’ai souvent parlé devant les diplomates ou les responsables de la communauté internationale, et que je me permets d’évoquer aujourd’hui devant vous.

4. Il y a d’abord l’accès normal des peuples à l’indépendance politique, qui donne à leurs représentants la possibilité de conduire librement les affaires de leur propre nation, dans l’intérêt et avec la co-responsabilité de l’ensemble de leurs compatriotes. Encore faudrait-il que cette liberté soit authentique et qu’il n’y ait pas d’ingérence des autres nations, même par le biais d’idéologies étrangères au pays. Tout pouvoir politique en effet n’a de sens et de justification que dans la poursuite du bien commun de tous. Et il trouve sa limite dans l’acceptation des conventions internationales et dans le respect des droits fondamentaux des personnes, que nul ne saurait violer et qui sont garantis par la conscience humaine et, pour les croyants, par l’Auteur de la conscience, le Créateur des hommes.

La diplomatie s’attache plus spécialement aux différends qui surgissent entre les peuples. Ils peuvent en effet dégénérer en conflits locaux, toujours si regrettables pour la perte de vies humaines, pour les absurdes destructions et pour les sentiments d’inimitié qu’ils attisent parfois durablement entre les nations. Ils pourraient même entraîner des guerres plus étendues, avec des risques d’anéantissement difficilement calculables. De tels différends ont généralement des fondements sérieux, mais ils prennent une telle ampleur parce qu’ils sont souvent exacerbés par les passions, des passions qui compliquent la situation et ne permettent pas de voir objectivement la réalité. C’est précisément là que le rôle des diplomates est capital pour aborder plus sereinement les problèmes et leur trouver des solutions raisonnables, sans négliger la justice et sans léser la légitime fierté nationale.

Par ailleurs, la paix sera bien difficile à maintenir tant que s’agrandit le fossé séparant les peuples nantis de ceux qui parfois n’ont même pas le minimum vital. C’est votre honneur et votre devoir d’experts d’être les premiers à saisir l’importance de tels enjeux - je pense par exemple aux rapports Nord-Sud - et de contribuer à le faire comprendre autour de vous.

5. Le cadre de ce bref entretien ne me permet pas de prolonger l’évocation de tant de problèmes graves qui se posent dans le domaine de la justice, de la paix, du développement. Mais je tiens à souligner au moins la situation difficile et pénible de ceux qui sont déracinés de leur pays.

Le Portugal, pour sa part, a dû et a su accueillir un nombre très élevé de citoyens portugais qui avaient laissé les territoires d’outremer à l’époque de l’indépendance de ceux-ci, et l’on imagine facilement la situation précaire de ces gens et la charge énorme que cela représentait pour ce pays qui déployait tant d’efforts pour les intégrer et leur offrir un nouveau cadre de vie.

En maints endroits du monde, il est une situation plus difficile, et je dirais tragique, celle des hommes, des femmes, des enfants qui n’ont plus de patrie. Je veux parler des réfugiés qui, du fait de leurs opinions politiques, de leurs sentiments religieux, de leur ethnie différente ou simplement à la suite du bouleversement des guerres ou des révolutions, sont soumis à de telles craintes, à de telles pressions ou difficultés de vie, à de tels manques de liberté ou même à de telles menaces qu’ils sont pratiquement contraints à l’exil loin de leur propre patrie, devant s’enfuir parfois au risque de leur vie, ou rester parqués dans des camps, dans l’attente d’une éventuelle patrie d’adoption, où de toute façon ils reprendront un autre genre de vie sans aucun moyen. C’est une des plaies terribles dont souffre notre monde actuel, comme si les hommes n’étaient plus capables de réserver une place viable à leurs semblables. C’est une situation qui doit tenir à cœur à tous ceux qui ont des responsabilités dans les affaires internationales. Comme je l’avais fait devant le Corps diplomatique réuni à Nairobi, le 6 mai 1980, et en d’autres circonstances, je réitère mon appel aux Autorités de chaque nation pour qu’elles s’honorent en permettant à tous leurs concitoyens de vivre chez eux dans une juste liberté sans les contraindre à l’exil, tandis que j’encourage vivement les pays d’accueil et la communauté internationale à procurer aux réfugiés actuels une vie vraiment humaine.

Excellences, Mesdames, Messieurs, c’est précisément à préparer des voies toujours plus humaines que vous êtes invités à travailler, selon la noble mission qui est la vôtre. Je prie Dieu de vous donner sa lumière et sa force pour y contribuer le mieux possible, et je lui demande de bénir vos personnes, vos familles et vos pays. A tous et à chacun, je redis mes vœux cordiaux et je vous remercie d’avoir bien voulu participer à cette rencontre.

Homilia do Papa São João Paulo II na Santa Missa para os Agricultores
Vila Viçosa, 14 de maio de 1982 - also in Italian

Amado Irmão Dom Maurílio de Gouveia, Arcebispo de Évora, Amados Irmãos no Episcopado,
Excelentíssimas Autoridades, Caríssimos irmãos e irmãs presentes e queridos agricultores e trabalhadores destas terras portuguesas:
1. “Ide vós também para a minha vinha e tereis o salário que for justo”.

Nesta e outras passagens evangélicas Jesus exprime-se por meio de parábolas, cujo conteúdo é tomado do mundo que o rodeia. Nelas o Divino Mestre refere-se, muitas vezes, ao trabalho do campo. Assim acontece, no texto da celebração da Palavra de hoje, com a parábola dos trabalhadores da vinha. Cristo por meio de exemplos colhidos do mundo criado e de factos conhecidos de seus ouvintes, introdu-los na realidade supra-sensível e invisível do Reino de Deus.

Na verdade, era deste modo que Ele fazia compreender aos homens o Seu reino espiritual.

O homem que trabalha honestamente, como ser livre e inteligente, continua a obra da criação, realizando a comunhão com Deus; tornando-se participante da Redenção até chegar à gradual e plena participação da Vida divina. É nesta perspectiva que vamos meditar a parábola, queridos filhos de Portugal, em especial das regiões do Ribatejo, Alentejo, e Algarve, e também convosco dilectos ciganos e peregrinos vindos de outras terras portuguesas ou da vizinha Espanha. Estou agradecido ao Senhor Arcebispo de Évora, pelas suas amáveis palavras de saudação, e igualmente ao jovem trabalhador que se fez intérprete dos sentimentos de seus companheiros.

Também eu vos saúdo e quero dizer-vos, a todos os que viveis entregues ao duro trabalho de cultivar a terra: a minha presença aqui, bem como a do Senhor Arcebispo de Évora e de outros Bispos de Portugal e da Espanha, é sinal concreto de que a Igreja compreende e reconhece as vossas legítimas aspirações de justiça, progresso e paz no desempenho da vossa profissão. A Igreja, o Papa, os Bispos de Portugal estão convosco para vos ajudar a vencer incompreenções e injustiças, para dar a mão aos mais pobres e desprotegidos, dentro da esfera da sua missão, a fim de todos poderem progredir e participar com serenidade dos altos valores humanos e cristãos de um trabalho digno e produtivo. Aqui, no Santuário de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, sob a olhar da “Rainha” de Portugal, coroada por Dom João IV, vamos fazer a nossa reflexão, pedindo ao Espírito Santo, Espírito de verdade e de amor, que nos ilumine e assista.

2. A parábola dos trabalhadores da vinha, que acaba de ser lida, encerra duas importantes verdades de ordem sobrenatural. A primeira é que a justiça do Reino de Deus se realiza também mediante a obra do homem, através do “seu trabalho na vinha do Senhor”. Cada um é convidado para ele, a fim de “construir o mundo nos vários modos, momentos e aspectos da vida humana terrestre. A segunda verdade é que o dom do Reino de Deus outorgado à humanidade, está acima de toda e qualquer medida que os homens costumam usar para avaliar a relação entre mérito e recompensa, entre trabalho e salário. Esse dom transcende o homem. Sendo sobrenatural não se pode medir com critérios meramente humanos.

O texto evangélico dos trabalhadores da vinha e os outros da hodierna celebração convidam-nos a uma reflexão sobre o trabalho do homem, especialmente sobre o trabalho da terra, na perspectiva da ordem e da justiça que deveriam reinar na sociedade.

A Igreja, como bem sabeis, tem dedicado muita atenção a estes problemas da chamada questão social, sobretudo no último século. Embora a sua primordial atenção tenha ido para a indústria e para o trabalho industrial, também o trabalho do homem que cultiva a terra, tem constituído parte explícita e importante do ensino da Igreja, desde o tempo da Encíclica “Rerum Novarum” de Leão XIII. Assim Pio XI denunciava a influência negativa do capitalismo industrial sobre a agricultura, deplorando a situação de tantos camponeses, “reduzidos a inferior condição de vida, privados da esperança de vir a alcançar qualquer porção de terra e, por conseguinte, sujeitos para sempre à condição de proletários, caso não se utilizem remédios oportunos e eficazes”.

Mas foi sobretudo o Papa João XXIII, descendente de uma família camponesa, quem dedicou especial atenção aos problemas da vida agrícola, reivindicando para a agricultura o posto que lhe compete. Na “Mater et Magistra” ele recomenda não só o superamento do desequilíbrio existente entre os vários sectores de cada país, mas trata também da questão em perspectiva mundial, pondo em evidência a necessidade de novos equilíbrios e da cooperação solidária das nações ricas e prevalentemente industrializadas com as pobres, em via de desenvolvimento e com uma economia agrícola em atraso.

Nos nossos tempos, de acentuadas tensões económicas e sociais, prevalece a visão unilateral do progresso, voltada prevalentemente para a industrialização. Mas é consolador verificar também como se vai já pondo em evidência a necessidade de restituir à agricultura o lugar que lhe compete no âmbito do desenvolvimento de cada nação e do progresso internacional. Ainda recentemente os vossos Bispos, à luz da Encíclica “Laborem Exercens” mostravam a necessidade de “atacar com decisão as crónicas enfermidades da agricultura em Portugal, na linha do reconhecimento da dignidade e dos direitos dos homens, das mulheres e das famílias do campo”. Justamente observavam eles “que não basta proclamar direitos”, mas ser urgente “criar as condições económicas, sociais e culturais, para que a satisfação desses direitos seja possível, e assim os camponeses, muito em particular os jovens, se sintam verdadeiramente estimulados a fixarem-se à terra e ao trabalho agrícola”. É um desafio para todos e ao qual “os próprios rurais também não podem deixar de responder, abrindo-se a formas novas de associação e cooperação entre si e a oportunas iniciativas de modernização de técnicas e de cultura”.

3. Para a nossa visão dos problemas do trabalho do campo ser como deve, temos de fixar o pensamento – em continuidade com a tradição da doutrina social da Igreja, na dignidade e posição do homem neste mundo. Na verdade é o homem que realiza o trabalho e é por causa dos homens que todo o trabalho humano tem de ser fundado na justiça, inspirada e valorizada pelo real e efectivo amor ao próximo.

Através do salmo oitavo, recitado há momentos, podemos compreender o que é o homem no pensamento de Deus e na ordem da criação. Na presença do Senhor, o Salmista faz a si mesmo esta pergunta: Que é o homem? De certo modo, a pergunta é feita ao próprio Deus:
Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos, / a lua e as estrelas que Vós fixastes, / que é o homem para vos lembrardes dele, / o Filho do homem, para dele cuidardes?”.

Estas palavras falam da pequenez do homem, em confronto com as grandes obras da criação. Ao mesmo tempo, proclamam a sua incomparável dignidade. De facto, apesar da pequenez do homem, Deus “lembra-se e cuida dele”. A dignidade humana ainda sobressai mais com os dizeres que o Salmista acrescenta a seguir: “Destes-lhe o domínio sobre as obras das vossas mãos. Tudo submetestes debaixo de seus pés”.

Na Encíclica “Laborem Exercens” eu quis exaltar a figura proeminente do “homem que trabalha”.

Esta é a “chave essencial” para a interpretação e solução dos problemas sociais. Com a palavra trabalho designo toda a actividade humana, a partir da mais modesta e de execução humilde até à mais elevada. Também ao labor da terra se devem aplicar os critérios ou princípios gerais expostos nessa Encíclica, na qual dedico algumas páginas à “dignidade do trabalho agrícola”.

4. Caríssimos trabalhadores rurais, homens e mulheres, jovens e anciãos: É também a vós que o Senhor da vinha se dirige no Evangelho através do convite: “Vai também tu para a minha vinha e eu dar-te-ei o salário justo”. Apesar de concisa, esta frase leva-nos ao estudo de vários problemas, cuja solução só pode ser obtida mediante a aplicação dos fundamentais princípios éticos, de valor universal, em que se baseia o real progresso da sociedade. Ao aplicá-los, devem ter-se em conta as situações particulares, os diversos tipos e graus de desenvolvimento de cada zona humana. Numa palavra, é necessário olhar às exigências da justiça, e atribuir o primado moral àquilo que deriva da verdade total sobre o homem.

O mundo contemporâneo, apesar do enorme progresso científico e da técnica, vive sob o terror de uma grande catástrofe, que poderá inverter os seus grandes sucessos, se a guerra vier a prevalecer sobre a paz. Por isso as despesas com o armamento deveriam ser reduzidas, a fim de garantir a todos os países um mínimo de condições necessárias ao seu desenvolvimento global, especialmente pelo que se refere ao sector agrícola e alimentar. O estado de pobreza absoluta de certos grupos humanos de muitos países, com economia agrícola atrasada, ofende a dignidade de milhões de pessoas constrangidas a viver em condições de miséria degradante. Urge, portanto, dar aos trabalhadores do campo a possibilidade de realizarem concretamente seus direitos humanos fundamentais.

5. Na primeira leitura bíblica tirada do livro de Amós fala-se de levantamento de ruínas ou seja de “reconstrução”. Se é difícil construir, custa ainda muito mais, após certas fases de declínio, encontrar novas formas de equilíbrio e de renovamento, para superar conceitos ou processos antiquados e produzir mais e melhor.

Dentro duma estratégia nacional de desenvolvimento, adaptada às concretas condições de capacidade e de cultura próprias, o desenvolvimento harmónico e progressivo da agricultura, precisa de ser enquadrado num programa global dos diversos sectores da economia nacional, que tenha em conta os objectivos humanos fundamentais; isto é, não apenas o efectivo aumento da produção, mas também a equitativa distribuição do produto do trabalho. Com tal enquadramento num programa global, há-de ter-se em vista garantir a existência de infra-estruturas adequadas, de oportunas condições de crédito, de meios modernos e suficientes de transporte e de trabalho, com o respectivo comércio interno e externo dos produtos agrícolas, dentro de espírito criativo e de sã competição.

6. “Dar-vos-ei o que for justo”, diz o senhor da parábola evangélica. São palavras de importância capital, porque se relacionam com a grave problemática do salário justo e dos direitos humanos e da dignidade do trabalhador do campo. Neste ponto é imperativo reconhecer o lugar privilegiado de quem trabalha a terra, quer se trate de agricultores proprietários ou de simples trabalhadores não proprietários. As grandes empresas devem utilizar a terra, fazendo-a produzir sempre mais, com a oportuna participação dos trabalhadores, e subordinando o rendimento e utilidade próprias ao direito do justo salário de quantos contribuem para a produção, sem perder de vista a função social da propriedade.

Por isso, são de apreciar as iniciativas e acções conjuntas de grandes associações de agricultores e trabalhadores, sem descurar o valor económico das empresas agrícolas de grupos mais reduzidos, de famílias, até de particulares, com possibilidades de exploração vantajosa da propriedade.

Óptimo seria se os camponeses pudessem trabalhar em terra própria, criando empresas agrárias verdadeiramente funcionais.

7. Caríssimos agricultores e trabalhadores rurais: com espírito de colaboração, vós deveis ser os artífices do progresso da agricultura, como elemento importante do desenvolvimento económico e social da vossa pátria. Procurai, pois, desenvolver o espírito de iniciativa, promovendo a inserção de jovens qualificados, nas empresas agrícolas. Permiti que vos lembre: os princípios expressos na “Laborem Exercens” sobre o homem que trabalha, em particular sobre o trabalhador do campo, aplicam-se também à mulher que trabalha na terra.

Entretanto, como bem sabeis, o desejado progresso agrícola não pode dar-se sem suficiente instrução e formação profissional, que siga a modernização dos métodos e meios da actividade agrícola. Por isso não podemos deixar de encarecer o esforço de quantos em Portugal trabalham neste sentido.

Lembram contudo os vosso Bispos, no já aludido documento, que “a reforma agrária não pode ser questão instrumentalizada para a obtenção de dividendos partidários, porque toca a vida dos homens da agricultura em tal dimensão e profundidade que é criminoso fazer dela instrumento partidário. A reforma agrária deve ser a reforma da agricultura em Portugal, no sentido de personalizar o trabalho agrícola. Importa salientar, neste ponto, o dever de todos actuarem com métodos respeitadores da liberdade, autonomia e participação responsável dos camponeses e de todos os cidadãos no fomento da justiça social”.

8. Voltamos mais uma vez, caríssimos trabalhadores do campo, à parábola evangélica da vinha.

Ela ensina-nos que o homem não só vive no mundo, na sociedade, num estado ou nação, mas também é chamado, ao mesmo tempo, ao Reino de Deus, de que fala a imagem da vinha. O trabalho humano da terra (e para a terra) e a construção do Reino de Deus encontram-se e unem-se entre si.

O Reino de Deus, não pode ser avaliado pelas dimensões de ordem social e terrena. A sua edificação dá-se não só pelo merecimento, mas também pela graça, e sobretudo pela graça, a qual torna possível todo e qualquer merecimento. Como fruto da graça e do mérito, o Reino de Deus não é um prémio correspondente ao mérito, como seria o salário em relação ao trabalho prestado, mas é, primariamente, um dom sobrenatural: um Dom que está acima de qualquer merecimento.

Todos nós somos cidadãos da pátria terrestre. O nosso trabalho é de extraordinária importância para a consecução do bem comum. Mas nós somos também cidadãos do Reino de Deus que não é deste mundo e chega até nós como dom divino e como vocação cristã.

O Senhor convida-nos a responder a esta vocação e a unir-nos a Ele, através da oração que dignifica o nosso trabalho de cristãos. “Ora et labora” – reza e trabalha – é um antigo princípio dado por São Bento aos seus monges. Unir o trabalho à oração e fazendo do trabalho oração dar-vos-á coragem, constância e serenidade para vencerdes dificuldades e incompreensões, tornará mais alegre o vosso trabalho, com as melhores incidências na vossa vivência cristã, na construção de uma sociedade melhor e mais feliz.

Apraz-me reevocar aqui a figura tradicional e cristã do trabalhador rural destas terras portuguesas que, pelo que me contaram, ao toque das Ave-Maria ou das Trindades e, já em casa, ao toque das Almas, no campanário das igrejas, suspende, por momentos, a sua actividade para levantar o pensamento ao Alto, rezando a Deus, doador de todos os bens.

9. Ó Senhor nosso Deus, como é grande o vosso nome em toda a terra! Aqui, neste Santuário da Virgem Imaculada, hoje o Bispo de Roma e sucessor de São Pedro ergue para Vós as mãos, o pensamento e o coração, juntamente com todos os Filhos e Filhas desta terra portuguesa, em união sobretudo com os que cultivam a terra com o trabalho das suas mãos e com o suor do seu rosto.

Em uníssono com eles, ó Pai de bondade e Senhor de todo o universo, eu imploro a vossa bênção para o seu duro trabalho. Abençoai, Senhor, os seus campos e as suas canseiras! Desça copiosa a vossa bênção sobre as suas famílias e sobre todas as suas comunidades! Abençoai, Senhor, a sua pátria, Portugal!

Criador do universo, é fruto do trabalho desta gente o pão e o vinho que diariamente oferecemos no Sacrifício eucarístico, para se transformarem no Corpo e Sangue do vosso Filho Jesus Christo.

É um trabalho que serve para a Eucaristia!

Que estas terras, todos os campos de Portugal, desde o Minho e Trás-os-Montes ao Algarve, sejam sempre favorecidos de colheitas abundantes. Que a graça do vosso Reino inunde os corações de todos os seus habitantes!

No vosso Reino de justiça, de paz e de amor, concedei, Senhor, o prémio eterno a todos eles; Vós sois esse prémio, ao mesmo tempo que o vínculo sagrado a uni-los no amor e na paz que jamais terão fim.

Visita do Papa São João Paulo II à Universidade Catolica Portuguesa
Lisboa, Sexta-feira 14 de Maio de 1982 - also in Italian

"Senhor Cardeal Magno Chanceler, Senhor Reitor, Senhores Professores e Alunos
da Universidade Católica Portuguesa, amados irmãos e irmãs em Cristo,

“Que sejais sempre robustecidos pelo Espírito Santo, que Cristo habite pela fé nos vossos corações e sejais cheios de toda a plenitude de Deus!”(cf. Ef 4, 16ss).

1. É PARA MIM motivo de alegria poder saudar-vos pessoalmente aqui na sede central da Universidade Católica Portuguesa. Alegria de quem se sente bem entre os jovens e neles deposita tantas esperanças; alegria pela vossa alegria, pela qual me sinto contagiado; alegria, porque a Universidade Católica faz parte da minha vida, como perene gratidão, pelo que me deu e me proporcionou dar, sobretudo em Cracóvia, e como saudade. Aqui, de algum modo, estou a matar saudades. Muito obrigado!

Em vós e por vós, eu vejo os numerosos professores e alunos católicos, espalhados pela vossa pátria, que ensinam e estudam nas diversas Universidades e Institutos de ensino superior. Para todos vai também a minha saudação afectuosa, com simpatia, apreço e estímulo, por estarem todos sintonizados no mesmo ideal, de caminhar com Cristo e de contribuir para instaurar o Seu reino no próprio ambiente.

E, dirigindo-me principalmente aos jovens, quero dizer-lhes: sobre vós convergem olhares esperançosos, que não ireis, certamente desiludir. Vós sois motivo de legítimo orgulho para os vossos pais, parentes e amigos; de vós se espera firmeza na concepção integral do homem, da vida, da sociedade, não disjunta dos valores morais e religiosos, para irradiação da cultura e da civilização cristã. Vós pelo que sois, constituís a promessa de um mundo mais justo, mais humano e mais fraterno; promessa que mantereis, se conscientes e empenhados em viver a vossa opção e compromisso com Cristo, de “serdes fermento na massa” (cf. 1 Cor 5, 6).

2. Encontramo-nos hoje nesta jovem Universidade. Era uma instituição de que se carecia, “num País de tradição católica e em que o Cristianismo é o clima espiritual prevalente de que se alimenta a consciência dos portugueses” escreviam os meus Irmãos Bispos, na altura da inauguração, em 1967. Jovem em anos, ela carregava logo à nascença uma antiga tradição e preciosa herança, que foi ao mesmo tempo glória da Nação, sempre ligada à fama que granjearam no mundo as Escolas de Filosofia e de Teologia conimbricenses e os Teólogos que intervieram no Concílio de Trento.

Em virtude dessa herança, certamente, a Universidade Católica foi fundada em Portugal também como acto de clarividência, que o mesmo Episcopado em 1965, exprimia nestes termos: impunha-se criar a Universidade Católica, “perante o que já se designou por “derrocada espiritual da Europa”, para poder apresentar em plano universitário e com o rigor do método científico, a verdade total e universal, a que aspira o nosso coração, e oferecer as chaves que abrem o “mistério” que continuamente o homem se descobre, quando pergunta a si mesmo o que é, donde vem e para onde vai; toda a problemática da cultura humana – o humanismo, a ordem social, o sentido da história – depende da resposta a estas perguntas” (Nota de 16 de Janeiro de 1965).

Não obstante as dificuldades, financeiras e não só – de que tomei conhecimento, ao preparar este encontro – a Providência divina tem vindo em auxílio das boas vontades que Nela confiaram. E oxalá assim continue a suceder, para que a Universidade Católica prossiga a sua caminhada e se afirme cada vez mais na estima de todos, ao realizar os próprios objectivos.

3. Logo nos primórdios do meu Pontificado, como bem recordais, dirigi a toda a Igreja uma Constituição Apostólica – “Sapientia Cristiana” – na qual se contêm a definição dos objectivos e algumas directrizes para as instituições católicas de ensino superior. A actividade de investigação e de ensino a tal nível, entrosada na vida da Comunidade eclesial e integrada nas condições do mundo actual, em que se dão transformações rápidas e profundas, terá de convergir num repensamento constante da área científica, para informar cristãmente a cultura.

E se é verdade que uma Universidade se destina a formar homens pelo homem e para o homem, uma Universidade Católica, há-de também ela, formar homens que, mantendo a posição a favor do homem, o leve a encontrar Cristo, pelo qual e para o qual tudo foi criado, sendo “do grado do Pai que Nele residisse toda a plenitude... e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, pacificando-as pelo Sangue da sua Cruz”(Col 1, 19-20).

4. Há uma indispensável plataforma, que já tenho apresentado noutras ocasiões, firmada na “pedra angular”, Cristo, “centro do cosmos e da história” (Redemptor Hominis, 1), sobre a qual tem de ser edificada a obra de uma Universidade ou instituição de ensino superior que se preze da designação de “católica”.

O primeiro elemento ou lastro de toda essa plataforma será constituído pela competência e seriedade da investigação e do ensino, com um sentido completo do homem-pessoa, na sua relação com Deus e com a natureza e inserida na família humana; realidade esta, que exige um adequado sentido da história e realismo sereno e crítico, na análise dos factos e dos problemas, sem nunca perder de vista o genuíno bem da comunidade e de toda a sociedade.

O segundo elemento há-de subsistir no comum intento em que terá de centrar-se o dinamismo de tais Universidades e instituições: dotar aqueles que as frequentam de uma sólida preparação, feita de conhecimentos científicos e técnicos aprimorados, juntamente com a formação cristã, que os levem a fazer uma síntese pessoal de cultura e de fé e os tornem aptos para assumir, responsavelmente, tarefas importantes na sociedade, onde hão-de viver o testemunho cristão.

Por fim, condição para se tornarem realidade, os dois elementos anteriores, hão-de as Universidades e instituições similares católicas chegar a instaurar entre a própria população – docente, discente e dos que aí prestam serviço – mais do que um espírito comunitário, autênticas comunidades, em que se viva um Cristianismo operante e capaz de conquistar as simpatias de todos: uma comunidade, onde a aplicação séria ao estudo e à investigação científica, visando a verdade, se desenvolva num espaço e ambiente de vida cristã partilhada.

Estou certo de que vos anima este sentido da vossa identidade, daquilo que vos distingue como “católicos”, que nunca pode permanecer mera qualificação social, mas há-de traduzir-se em vida e testemunho. A afirmação de Deus e dos seus direitos de Criador e Senhor, da sua revelação e da Igreja católica como guarda e intérprete dessa revelação, dotada de um Magistério vivo, constituem o fundamento, sobre o qual edificar quem quiser “juntar” com Cristo e “não dispersar”(cf. Lc 11, 23). A consciencialização contínua da índole eclesial das vossas instituições há-de levar-vos a viver a preocupação de servir sempre o maior bem da Igreja universal e das vossas Igrejas locais, em cuja órbita viveis e operais.

5. Na base de uma experiência vivida em longos anos de ensino universitário, nunca me cansarei de realçar o papel da Universidade nos dois “bancos” de trabalho em que se processa o seu labor e se manifesta a sua vitalidade: o da investigação e da instrução científica. Ambas as actividades correspondem ao desejo de conhecer, a uma aspiração profunda que está no coração do homem: de mais verdade, para a plenitude no amor.

Para realizar estas suas finalidade, terá a Universidade que lançar mão de instrumentos de trabalho adequados e actualizar continuamente métodos, a fim de merecer a estima do mundo da cultura, manter credibilidade e proporcionar no campo científico aquela contribuição que o mesmo mundo da cultura e a Igreja esperam.

A verdade e a autêntica ciência jamais se podem esperar de factores aleatórios; são conquistas que se devem fazer recorrendo aos meios adequados, percorrendo os caminhos da seriedade e da aplicação, em contínua, paciente e coordenada investigação. Quando, porém, o objecto de investigação é o homem – tenho-o acentuado muitas vezes – nunca se pode perder de vista a dimenção espiritual na globalidade da sua natureza, sob pena de se cair numa visão depauperante do mesmo homem. E, para o cristão, impõe-se na sua investigação, como no seu ensino, recusar toda a visão parcial da realidade humana e deixar-se iluminar pela sua fé na criação do homem por Deus e na redenção realizada por Cristo.

6. Como é bem conhecido, a Igreja, fiel ao seu divino Fundador, que apontou a verdade como caminho da autêntica liberdade (cf. Jo 8, 32), sempre apoiou as instituições que se dedicam ao ensino e à busca da verdade e da conquista do mundo pela ciência; pode até mesmo dizer-se, em perspectiva histórica, que lhe cabe o honroso título de fundadora de universidades que, com o andar dos tempos, se tornaram famosas e protótipos exemplares para instituições congéneres.

Não há, portanto, contradição entre a cultura e a fé, conforme insistentemente realçou o Concílio Ecuménico Vaticano II, pelo contrário, pode haver recíproca iluminação e enriquecimento. Daqui se deduz uma particular responsabilidade dos cientistas cristãos e das instituições católicas de ensino superior: de contribuir para eliminar um grande desequilíbrio entre a cultura geral e o aprofundamento da fé que, em não poucos casos, parece ter-se precocemente ancilosado, com inevitáveis reflexos no comportamento cristão e na presença ao mundo.

7. Numa Universidade católica, toda a actividade, com a indispensável marca da honestidade intelectual e da seriedade académica, se situa na missão evangelizadora da Igreja. Esta missão evangelizadora – como tivestes ocasião de ver na aludida Constituição Apostólica “Sapientia Christiana” – tem por fim que “sejam imbuídos da virtude do Evangelho os modos de pensar, os critérios de julgar e as normas de agir”(cf. João Paulo II, Sapientia Christiana, Proemium, 1). Assim, viria aqui a propósito situar cada um dos protagonistas da vida universitária no papel que lhe cabe nesta obra comum. Mas sei que vos sentis conscientes desse vosso papel e que em ordem a vos ajudar a caminhar com Cristo, em Igreja, não faltarão também iniciativas entre vós numa linha de pastoral das inteligências; e estou certo de que Bispos, sacerdotes, religiosos, leigos comprometidos – enfim, todos os agentes da pastoral – dedicarão o melhor interesse à elevação humana e cristã dos universitários, fazendo entrar Deus na programação e realização das actividades académicas, a fim de poder aí elevar-se o religioso louvor da Sabedoria.

8. No entanto, pensando na figura do professor, em particular no professor de disciplinas sagradas e principalmente no teólogo, creio que é comum a persuasão e a expectativa de encontrar nele algo mais do que um simples transmissor de ciência: um educador de vida cristã. Com efeito, um homem ou uma mulher educados numa instrução católica de ensino superior deveriam normalmente sentir-se preparados com mais alguma coisa do que a competência profissional e capacidade de produção, para enfrentar a vida. Têm da sentir-se cristãos. Em particular, cristãos conscientes de que a qualidade da sua cultura e a competência, como valores pessoais adquiridos, são dom de Deus também para servir à Comunidade onde são chamados a operar. E esta convicção deveriam poder hauri-la também no ensino e testemunho dos professores.

Referindo-me em particular aos teólogos, quereria aproveitar ainda uma vez, a oportunidade para lhes exprimir gratidão e apreço pelo seu trabalho. Este trabalho guiado também ele pela ideia de que o saber teológico é “talento”(cf. Mt 25, 16) e da função social da ciência, como bem pessoal, tem um espaço da autonomia científica e caminhos de legítima liberdade, daquela liberdade para a qual Cristo nos libertou (cf. Gal 5, 1ss); mas todos esses caminhos passam pela fé, que actua pela caridade, em obediência à verdade.

Esta passagem obrigatória leva tais caminhos a confluir na ligação com o Magistério e a Hierarquia, o que não tolhe a liberdade da pesquisa, das opiniões pessoais e dos debates a nível cientifico entre os teólogos. Como é sabido, a Hierarquia, ao mesmo tempo que dá as directrizes da unidade católica, precisa e muito pode aproveitar do trabalho teológico.

A balisar ainda tais cominhos existem os direitos da Comunidade eclesial, a ser informada e formada no seu sentido da fé. Assim, não se podem lançar entre o público não especializado hipóteses ou posições livremente discutidas entre peritos e especialistas, mas que não reúnem condições de ser acolhidas pelos fiéis sem perturbação. Embora haja conexão entre o plano da evangelização e o plano da investigação teológica, nunca se pode esquecer que existem uma pedagogia e imperativos na graduação do anúncio.

A nortear a caminhada dos teólogos no seu labor, há-de estar, portanto a preocupação de servir o reino de Deus, com todo o amor. Quando a este amor se sobrepuserem finalidades menos constructivas ou esclarecidas, desfrutar esse bem possuído pode descambar em abuso, com repercussões no campo da caridade, que nunca é inconveniente, nem procura o próprio interesse... “mas rejubila com a verdade”(cf. 1 Cor 13, 6). Isto obviamente, sem pôr em causa a autonomia que compete à ciência, a qual não se reduz a mero auxiliar da fé. O princípio acabado de enunciar, com as suas implicações práticas, é válido não apenas para os teólogos e cultores das ciências sagradas, mas para todos: quanto maior for o “bem” cultural de alguém mais ele deve ser usufruído também como valor “para os outros”, de maneira consciente, activa, responsável e cristã. Pensar e produzir intelectualmente é uma responsabilidade; e, princípio indeclinável, para os trabalhadores intelectuais católicos é pensar bem, à luz da dignidade humana e àquela luz que em Si próprio nos deu o Mestre. Sabedoria eterna, quando nos disse: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas”(Jo 8, 12).

Amados irmãos e irmãs, Recordais, certamente, uma pergunta que me fazia nos inícios do meu Pontificado e que quis partilhar com toda a Igreja – com a consciência avivada e desenvolvida pelo Concílio Vaticano II – em fase de procura, em muitos campos: “de que maneira será conveniente prosseguir”? E deixo na resposta então dada, e sempre viva no meu espírito, a síntese de tudo o que pretendi transmitir-vos: “a única orientação do espírito, a única direcção da inteligência, da vontade e do coração, para nós, é esta: Cristo, Cristo redentor do homem, Cristo redentor do mundo”(João Paulo II, Redemptor Hominis, 7).

Reafirmando-vos a alegria que constitui para mim esta visita e encontro, quero certificar-vos de que continuarei presente, com amizade; espero que também me continuareis a ter presente como amigo; e iremos cultivar esta nossa amizade na oração. E pedindo a Nossa Senhora, a Sede da Sabedoria – que Portugal venera com particular amor no Santuário de Fátima, meta da peregrinação apostólica que estou a realizar – que vos proteja com o seu manto maternal, dou-vos, do coração a minha Bênção."

Discurso do Papa São João Paulo II em um Encontro Ecumenico
Lisboa, Sexta-feira 14 de Maio de 1982 - also in Italian

"Senhores e meus irmãos
1. AGRADECIDO PELAS PALAVRAS deferentes e votos que me foram dirigidos, quero saudar os representantes das Comunidades cristãs, do Judaísmo e do Islamismo, aqui presentes, exprimindo a todos fraternal respeito e estima. Podermos afirmar hoje em comum a fé num Deus único, criador de todas as coisas, vivo, omnipotente e misericordioso, seria já o bastante para me tornar grato este encontro; estou contente por nos ser dada esta oportunidade de testemunho, que é ao mesmo tempo preito e acto de submissão ao nosso Deus.

Irmana-nos, de algum modo, a fé e um empenho, em muitos pontos análogo, em demonstrar com as boas obras a coerência da nossa respectiva posição religiosa; e também o desejo de, ao honrarmos como Senhor o criador de todas as coisas, o nosso exemplo servir para ajudar outros na busca de Deus, na abertura para a trascendência, no reconhecimento do valor espiritual da pessoa humana e, talvez, na individuação do fundamento e fonte permanente dos seus direitos. Isto – sabemo-lo bem – é condição para subsistirem critérios de avaliação da mesma pessoa humana, que não se confinem à “utilidade prática”, mas que possam salvaguardar a sua intangível dignidade. Além disto, com os cristãos, a fé comum em Cristo Salvador constitui motivo especial de unidade e de testemunho.

2. A sociedade contemporânea aparece-nos distraída ou mesmo apostada, em vasta escala, em “prescindir” de Deus e da religião, e muito voltada para as dimensões materiais e terrenas do homem e da vida; admiráveis progressos, em todos os campos, proporcionam grandes benefícios, mas parecem favorecer em alguns a inversão e substituição de valores. Ao reconhecermos e proclamarmos os valores espirituais e religiosos, poderemos, certamente, suscitar e guiar uma geral intuição vital e, no comum das pessoas em condições normais, um certo vislumbre conceptual, da realidade de um Criador subsistente.

Por outro lado, na fidelidade à religião abraçada, há sempre espaço para a solidariedade humana, porquando, persuadidos como estamos do bem que para nós constitui a crença em Deus, vem espontâneo o desejo de partilhar com outrem este nosso bem. Com todo o respeito, nós podemos tornar-nos sinal do Omnipotente: para muitos, o “Deus desconhecido”; para outros, falazmente indicado em potências temporais, marcadas inexoravelmente pela finitude e caducidade.

3. Estes nossos contactos, o diálogo, e o apreço por inegáveis tesouros de espiritualidade de cada religião, a comunidade cristã e, quando isso é possível, a oração em comum, podem levar a convergir esforços, para obviar à ilusão de construir um mundo novo sem Deus e à inanidade de um humanismo puramente antropocêntrico. Sem a dimensão religiosa e, o que seria pior ainda, sem a liberdade religiosa, o homem fica empobrecido ou defraudado num dos seus direitos fundamentais. E todos desejamos evitar esse empobrecimento do homem.

Assim, quando motivados também pela solidariedade humana, nós passamos da oração, do cumprimento dos mandamentos e da observância da justiça para a vivência prática da coerência religiosa, ajudando a busca de Deus, nós estaremos a contribuir para o bem do nosso próximo e para o bem comum da humanidade.

E isto poderá verificar-se:
– pela honestidade pessoal e disciplina dos costumes, na vida privada e pública, entravando o avanço do relaxamento dos princípios da moral e da justiça, e do permissivismo ético;
– no respeito pela vida e pela família e seus valores, favorecendo a elevação, um humanidade e dignidade, dos nossos semelhantes, e a consolidação dos alicerces insubstituíveis da ordenada convivência em sociedade;
– com o culto do autêntico sentido e prática generosa do trabalho humano, e com corajosa e sapiente participação social e política, buscando o bem-estar de todos e a construção das sociedades e do mundo cada vez mais de acordo com os desígnios e decretos de Deus, em toda a terra, que só assim pode ser um mundo mais justo, pacífico e impregnado de amor fraterno.

4. Venho a Portugal, como sabeis, em peregrinação, principalmente para celebrar a misericórdia de Deus. Tenho para mim a profunda convicção de que Deus misericordioso que ver mais reflectido na inteira família humana, esse seu atributo; a autêntica misericórdia apresenta-se-me como algo indispensável para dar forma e solidez às relações entre os homens, inspiradas pelo mais profundo respeito por tudo o que é humano e pela fraternidade.

Os cristãos, com efeito, são exortados a imitar o Senhor Jesus, modelo de misericórdia. O Judaísmo também considera a misericórdia como um mandamento fundamental. E o Islamismo, na sua profissão de fé, atribui este epíteto a Deus. E Abraão, nosso antepassado comum, ensina a todos – cristãos, judeus e muçulmanos – a seguir este caminho de misericórdia e de amor.

Seja-me permitido concluir estas minhas palavras elevando o espírito em prece, a Deus misericordioso:

– o Inefável,
de Quem nos fala a criação inteira,

– o Omnipotente,
que nunca constrange
mas só convida e orienta a humanidade para o bem,

– o Compassivo,
que quer a misericórdia entre todos os homens:
que Ele nos guie sempre pelos seus caminhos,
nos encha os nossos corações do seu amor,
paz e alegria e nos abençoe!"

Homilia do Papa São João Paulo II na Santa Missa para os Jovens
Lisboa, Sexta-feira 14 de Maio de 1982 - also in Italian

"1. O Reino de Deus está próximo!

Sim! “Dizei a todos: está próximo de vós o Reino de Deus!” (Luc. 10, 9).

Foi com estas palavras que Jesus Cristo, ao enviar em missão os setenta e dois discípulos, lhes recomendou que anunciassem a Mensagem, como acabámos de ouvir no Evangelho de hoje.

Mas estas palavras são dirigidas também aos cristãos de todos os tempos: a nós, portanto, que estamos aqui reunidos em nome do Senhor, em continuidade com os discípulos que as ouviram directamente.

São dirigidas especialmente a vós, jovens, que aqui vos encontrais, esta tarde em tão grande número, cheios de entusiasmo e alegria, manifestando a vossa disponibilidade a Cristo e o vosso desejo de construir um mundo mais humano e cristão. Vós sois depositários desta grande esperança da humanidade, da Igreja e do Papa. Deus deu-me a graça da amar muito os jovens.

Por isso, gostaria de falar-vos como um amigo fala ao seu amigo, com cada um individualmente, olhos nos olhos, de coração a coração. “O Reino de Deus está próximo!”. E quase me atreveria a dizer: estas palavras são dirigidas especialmente a vós jovens portugueses, filhos de um povo de missionários que, por todo o mundo, levaram essa mesma mensagem, como acentuou o Senhor Cardeal Patriarca, Dom António Ribeiro.

Obrigado, Senhor Cardeal, pelas suas palavras. Elas confortam-me e tomo-as como promessa de continuidade, ao retribuir, a todos cujos sentimentos interpretou, as saudações. E, nesta hora, rendo homenagem de gratidão, em nome de toda a Igreja, à grande gesta evangelizadora de Portugal missionário.

O Reino de Deus está verdadeiramente próximo! Aproximou-se do homem de modo definitivo. Está entre nós e está dentro de nós.

A proximidade do Reino de Deus reside, antes de mais, no facto de Deus ter vinho e ter assumido a natureza humana. Está próximo em Cristo; está próximo por meio de Cristo. N’Ele, com efeito, o Reino está tão perto de nós, que, em certo sentido, se torna difícil imaginar uma aproximação maior e mais íntima. Poderia Deus estar mais próximo do homem do que fazendo-Se Homem?

Estando assim tão próximo, em Cristo, nosso Senhor e Salvador, o Reino de Deus está sempre diante do homem. É proposto aos homens, como uma missão a realizar, uma meta a alcançar. Nas diversas dimensões da sua existência, os homens podem, pois, aproximar-se dele ou dele afastar-se. Antes de mais, podem chegar a alcançá-lo em si próprios, e realizá-lo dentro de si.

Mas podem também perdê-lo de vista, desviar-se da sua perspectiva. Podem até actuar contra ele. Podem mesmo propender para afastá-lo do homem; podem afastar o homem dele, e subtrair-lho.

E no entanto, Cristo veio ao mundo para introduzir os homens no Reino de Deus, para inserir o Reino nos corações dos homens e no meio deles. Mais: Cristo confiou mesmo este Reino aos homens. Chamou-os para o trabalho pelo Reino de Deus. E este trabalho tem o nome de evangelização.

2. A palavra “evangelização” vem de “Evangelho”, que significa “Boa Nova”. O Reino de Deus constrói-se sobre este fundamento da Boa Nova. Mais ainda: ele mesmo é Boa Nova. É o Anúncio da salvação definitiva do homem. E aqui, poder-se-ia perguntar: o que é a “salvação”?

Detenhamo-nos nas palavras de Isaías, ouvidas na primeira leitura da Santa Missa de hoje: “O espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Senhor me ungiu. Enviou-me a levar a boa nova aos que sofrem, a curar os de coração triste, a anunciar a libertação aos cativos e aos prisioneiros a liberdade, a proclamar um ano de graça do Senhor” (Is. 61, 1-2).

Estas palavras do Profeta permaneceram muitos séculos à espera do momento de serem lidas, na sinagoga de Nazaré, por Aquele que era tido como o “Filho do Carpinteiro”: Jesus de Nazaré. E Ele, depois de as ler, disse: “cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir com os vossos ouvidos” (Luc. 4, 21).

As palavras de Isaías, que Jesus de Nazaré tomaria como programa da sua missão, contêm precisamente a boa nova acerca da salvação.

O que é pois a salvação? É a vitória do bem sobre o mal, realizada no homem, em todas as dimensões da sua existência. A própria superação do mal já tem um carácter salvífico. A forma definitiva da salvação consistirá para o homem em libertar-se completamente do mal e em alcançar a plenitude do bem. Esta plenitude chama-se e é de facto a salvação eterna. Realiza-se no Reino de Deus como uma realidade escatológica de vida eterna. É uma realidade do “tempo futuro” que, mediante a cruz de Cristo, se iniciou na sua Ressurreição.

Todos os homens são chamados à Vida eterna. São chamados à salvação.

Tendes consciência disto? Tendes consciência disto vós, jovens meus amigos: que todos os homens estão chamados a viver com Deus e que, sem Ele, perdem a chave do “mistério” de si mesmos?

3. Esta chamada à salvação é trazida por Cristo. Ele tem para o homem “palavras de vida eterna” (Io. 6, 68); e dirige-se ao homem tal qual é, situado em circunstâncias muito variadas: dirige-se ao homem concreto que vive na terra. Dirige-se particularmente ao homem que sofre, no corpo ou na alma.

Ele vem, como ouvimos na primeira leitura, a “consolar os que choram... a dar aos que estão tristes uma coroa em vez de cinzas, óleo de alegria em vez de luto, glória em vez de desespero” (Is. 61, 2-3).

Mas dirige-se também a vós, jovens!

Sim, a vós jovens: porque no vosso espírito está impressa, de modo particular, a problemática essencial da salvação, com todas as suas esperanças e tensões, sofrimentos e vitórias.

É sabido quanto vós sois sensíveis à tentação entre o bem e o mal, que existe no mundo e em vós próprios. No íntimo de vós mesmos, sofreis ao ver o triunfo da mentira e da injustiça; sofreis, por vos sentirdes incapazes de fazer triunfar a verdade e a justiça; sofreis, por vos descobrirdes, ao mesmo tempo, generosos e egoístas. Desejaríeis servir e colaborar sempre com as iniciativas em favor dos oprimidos, mas... sentis-vos traídos por tantas coisas e aliciados por outras que vos quebram as asas. Espontaneamente sois levados a rejeitar o mal e a desejar o bem. Mas, algumas vezes tendes dificuldade em ver e em aceitar que para chegar ao bem é preciso passar pela renúncia, o esforço, a luta, a cruz; sucedeu com aquele jovem que, desejando a perfeição e querendo seguir Jesus, não conseguia compreender e aceitar que era necessário renunciar aos bens materiais.

Contudo, caros jovens, para além destas tensões, possuís uma aptidão quase co-natural para evangelizar. Porque a evangelização não se faz sem entusiasmo juvenil, sem juventude no coração, sem um conjunto de qualidades em que a juventude é pródiga: alegria, esperança, transparência, audácia, criatividade, idealismo... Sim, a vossa sensibilidade e a vossa generosidade espontânea, a tendência para tudo o que é belo, tornam cada um de vós um “aliado natural” de Cristo. Para mais, só em Cristo encontrareis resposta aos próprios problemas e inquietações. E vós sabeis porquê: Ele foi o homem que mais amou; e deixou-nos um “código” do amor, o seu Evangelho que, lido pelo Concílio, “... proclama a liberdade dos filhos de Deus; rejeita toda a escravidão, derivada, em última análise, do pecado; respeita integralmente a dignidade da consciência e a sua livre decisão; sem cessar, recorda que todos os talentos humanos devem redundar em serviço de Deus e dos homens; e, finalmente, a todos recomenda a caridade” (Gaudium et spes, 41).

No fim de contas, só o amor salva. E repito: a problemática da salvação – isto é, a vitória do bem sobre o mal – é um tema fundamental da vida humana. A vida do homem desenrola-se inteiramente na órbita desse apelo. Por isso, o tema “salvação” é daqueles que estão inscritos, de modo particular, na alma dos jovens. Importa saber fazer a sua leitura com perspicácia e desenvolvê-lo honestamente, em vida e obras.

4. A salvação é uma missão. Cristo veio para nos dizer que a salvação – isto é, o Reino de Deus – é uma missão. Veio também para nos ensinar como a devemos desempenhar.

Aos setenta e dois discípulos, que envia “dois a dois à sua frente, a todas as cidades e lugares onde Ele havia de ir”, Cristo diz: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos Pedi, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe” (Luc. 10, 2).

A Igreja recorda-nos estas palavras frequentemente. Recorda-as, de modo particular, para nos convidar à oração pelas vocações sacerdotais e religiosas, pelas vocações missionárias.

Mas, caros jovens, não basta rezar para que o Senhor desperte vocações. É preciso estar pessoalmente atento ao apelo que Ele quiser dirigir-vos; é preciso que não falte a coragem para responder generosamente a esse chamamento. As comunidades cristãs necessitam de sacerdotes que as alimentem com a Palavra e o Corpo de Cristo, precisam da vida religiosa, que seja sinal de Deus e oblação a Deus em benefício dos irmãos. E vós não desejareis prolongar a presença do Senhor no mundo de hoje, responder aos pequeninos que buscam quem lhes parta o pão e não encontram? (Cfr. Lam. 4, 4)

Falar da evangelização, recordar a tarefa missionária aqui, em Portugal, é evocar um dos aspectos mais positivos da história do vosso país. Daqui saíram tantos missionários, vossos antepassados, que foram levar a Boa Nova da salvação o outros homens. Do Oriente ao Ocidente (Japão, Índia, África, Brasil...); e ainda hoje são visíveis os frutos dessa missionação. E muitos destes missionários eram jovens como vós. Como não lembrar, entre outros, aqui em Lisboa, o exemplo de São João de Brito, jovem lisboeta, que, deixando a vida fácil da corte, partiu para a Índia, a anunciar o evangelho da salvação aos mais pobres e desprotegidos, identificando-se com eles, e selando a sua fidelidade a Cristo e aos irmãos com o testemunho do martírio?

Rapazes e raparigas de Portugal: levantai os olhos e vede “a seara loirejante para a ceifa”, à espera de braços para o “trabalho”.

5. Falámos do sacerdócio, da vida religiosa e do trabalho missionário, como formas de vocação que têm importância particular em ordem à evangelização, e pelas quais a Igreja reza de modo especial. Sente-se chamada a esta oração pelas palavras do Senhor: “pedi, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe” (Luc. 10, 2).

Mas as palavras do Senhor Jesus acerca da “messe grande” e dos trabalhadores, devemos entendê-las num sentido ainda mais fundamental e, ao mesmo tempo, mais amplo do que o indicado pelos géneros de vocações na Igreja que acabamos de mencionar.

Falando da “messe”, da “messe grande” e dos “trabalhadores”, Cristo quer, antes de mais, fazer compreender aos seus ouvintes que o “Reino de Deus”, isto é, a “salvação”, é a grande tarefa de todo o homem. Cada pessoa deve sentir-se “trabalhador”, protagonista da própria salvação: o trabalhador que é chamado para a “messe”. Cada pessoa deve “ganhar” honestamente esta salvação. E isto é essencial também para toda a obra da evangelização.

“Messe” que dizer, portanto, realizar em si próprio a missão de evangelizar. Cada pessoa é chamada pela palavra de Deus a este género de trabalho; é chamado em especial cada jovem – rapaz ou rapariga. Não podemos evangelizar os outros, se primeiro não estamos nós evangelizados. Não podemos colaborar na salvação dos outros, se primeiro não entramos nós pelos caminho da salvação.

Encetámos esta caminhada da salvação no dia do nosso Baptismo, quando, renunciando ao mal, escolhemos o bem, em Jesus Cristo; começamos a viver a Vida Nova, fruto da sua Morte e Ressurreição. Esta Vida deve desenvolver-se sempre. Para isso, Ele ficou connosco, na Igreja: ficou especialmente nos Sacramentos; ficou na Eucaristia e na Penitência.

Vós todos, vós amigos jovens, apreciais estas fontes da Vida? Sabeis corresponder ao convite de Jesus – o Pão da Vida! – participando conscientemente na Eucaristia, com o desejo de viver em plenitude, de vencer o mal e alcançar o bem? E, quando é necessário, por causa do pecado, da imperfeição ou da fraqueza, sabeis trilhar o caminho da conversão e da reconciliação, buscando o sacramento da Penitência, o perdão e a Vida? Formai a vossa consciência e sede fiéis ao Senhor, que ama e perdoa!

6. À medida que empreendemos o “trabalho em nós próprios”, vemos claramente que não podemos ser “trabalhadores da própria salvação”, sem pensarmos simultaneamente nos outros. O problema da própria salvação está ligado organicamente à questão da salvação dos outros. E também isto é essencial para a evangelização.

O homem começa a sua vida a receber. Ao nascer acha-se inserido num mundo feito pelos outros, principalmente pelos mais próximos: pais, irmãos e irmãs. A criança recebe aí praticamente tudo, desde o alimento até à formação. Aí aprende a falar, a caminhar e a conviver. Ao descobrir as suas riquezas e capacidades, o jovem procura ultrapassar esta fase infantil do receber para passar à fase do dar. Não se contenta com o mundo que recebeu. Quer criar o “seu mundo”. É o momento da grande opção da vida. É o momento em que se desenha e se prepara a orientação básica a imprimir ao resto da vida.

Esta passagem, do receber ao dar, da dependência ao assumir a própria responsabilidade, não se dá sem crise. Mas é sobretudo crise de crescimento e de amadurecimento. Muitas vezes o jovem não é entendido, nem se entende a si mesmo. Já não quer ser tratado como criança; mas sente que ainda não é adulto. Muitas vezes vacila no seu interior.

Por outro lado, tudo parece despertar nele: descobre os valores, o sexo, o amor e o ideal; e descobre também a verdadeira dimensão da fé. Grandiosas descobertas para vós, queridos jovens!

O mundo já não vos aparece como mito, mas como grande tarefa que se vos impõe; a vossa vida já não se apresenta apenas como dom. Torna-se empenho. A vossa atitude não se reduz a esperar tudo pronto.

Duas grandes preocupações vos interpelam, na perspectiva do futuro: a preparação para a profissão e a preparação para o estado de vida. Estas duas preocupações absorvem-vos particularmente, às vezes até à impaciência. A vossa tensão de jovens pode resumir-se entre o “já” e o “ainda não”. Já sentis responsabilidade, mas ainda não tendes oportunidades para demonstrá-la. Já quereis contribuir eficazmente para o bem comum, tanto com ideias como com obras, mas ainda não se deparam as ocasiões.

Ora é exactamente neste momento, no grande momento da opção e preparação do vosso futuro, que mais precisais de Cristo. E, guiados por Ele, podereis escolher a vossa profissão e o vosso futuro, tendo em vista o bem comum e as exigências do reino de Deus, as exigências da fé. Sois chamados a “trabalhar” na salvação dos outros ao mesmo tempo que “trabalhais” na vossa salvação. Soi chamados a ser apóstolos, a evangelizar a Boa Nova, sejam quais forem as vossas opções para o futuro.

Sede generosos: escolhei com amor e preparai-vos bem. Preparai-vos para a profissão, honesta e dignamente; preparai-vos para o estado de vida que ireis abraçar; e se optardes pelo matrimónio, fazei-o com seriedade e com respeito por quem um dia há-de compartilhar convosco a vida e os ideais da família segundo Deus.

7. Na verdade, a “messe é grande”. Importa somente que cada um de nós se torne aquele “trabalhador” autenticamente evangélico. A “messe” indica o fruto do trabalho humano. Mas indica, ao mesmo tempo, o dom que vem até nós, por meio da criação.

A salvação que Cristo põe diante do homem como sua missão é, simultaneamente, um dom, é sobretudo um dom.

“...Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até aos confins do mundo” (Act. 1, 8). São estas as últimas palavras que, segundo os Actos dos Apóstolos, Cristo Ressuscitado pronunciou sobre a terra, antes da sua ascensão ao Céu. Encontramo-nos no período litúrgico que vai da Ressurreição à Vinda do Espírito Santo: por isso, tais palavras revestem-se para nós de especial actualidade.

É do Espírito Santo que os homens recebem a força para se salvarem. Isto é, a salvação que é para o homem tarefa pessoal e comunitária, há-de ser realizada com a força do Espírito Santo. Por isso, ela significa, ante de mais, um dom. É um grande dom no qual Deus partilha com o homem algo que é essencialmente Seu. Em certo sentido, “dá-Se a si mesmo ao homem”: dá-Se a si mesmo em Cristo.

Dá-Se para ser aquela força de verdade e de amor, que forma o “homem novo”, capaz de transformar o mundo: verdade que, manifestando-se como exigência da consciência e da dignidade humana, dita as opções do amor, amor que aproxima, faz união, eleva, constrói e salva, quando damos as mãos aos outros em fraternidade humana, cristã e eclesial. Dá-Se, em particular nos Sacramentos – Baptismo, Confirmação, Penitência, Eucaristia – pelos quais é conferido ou aumentado o dom que, do Cenáculo chegou até nós, como Pão da Vida e como “Força”, que nos enriquece, dia após dia, até ressuscitarmos para a Vida eterna (Cfr. Io. 6, 51. 58), com Cristo, para vivermos junto do Pai.

Assim, devemos acolher sempre a salvação como um Dom, e, ao, mesmo tempo, a ela nos devemos aplicar como a uma missão.

Quanto mais consciência tivermos da grandeza do Dom, tanto mais ardentemente assumimos a missão, tanto mais a sério nos tornamos os “trabalhadores da messe”. Aqui está o fundo da questão; é esta a contextura vital da evangelização.

8. Cristo Ressuscitado chama os seus discípulos à evangelização, dizendo-lhes: “sereis minhas testemunhas” (Act. 1, 8). Eis a palavra-chave!

Tornamo-nos testemunhas de Cristo, quando, como nos discípulos do Evangelho, amadurece em nós o problema da salvação, o problema do chamamento ao Reino de Deus. Quando o acolhemos, dele nos apropriamos e nos identificamos com ele. Quando ele dá forma a toda nossa vida e ao nosso modo de agir.

Jovens, rapazes e raparigas, filhos de Portugal dos nossos dias:

Olhai para tantos que vos precederam no passado, também eles filhos desta Pátria. Filhos da sua cultura e da sua língua. Das suas provações e da suas vitórias.

Quantos deles responderam, com a doação total da vida, ao apelo de Cristo! Da Rainha Santa Isabel a João de Deus, de António de Lisboa a João de Brito – para falar só de santos canonizados – por caminhos diferentes, todos eles se moveram na caridade de Deus, enamorados do ideal da verdade e do amor, movidos pelo Espírito e Cristo. E quem poderá dizer, perante o vosso entusiasmo e alegria, que os jovens portugueses de hoje são menos interessados, menos disponíveis e menos atentos a Cristo que os do passado? Sim, Cristo confia em vós! A Igreja confia em vós! O Papa confia em vós!

Acolhei, amados jovens, acolhei uma vez mais o chamamento de Cristo: Sede testemunhas d’Ele!"

Palavras do Papa São João Paulo II ao Bispo de Coimbra
Sábado, 15 de Maio de 1982 - also in Italian

"Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo! 1. OBRIGADO SENHOR BISPO de Coimbra, Dom João Alves, pelas suas vibrantes palavras de saudação! Obrigado, Excelentíssimas Autoridades pela vossa deferente presença! Obrigado, meus Irmãos Bispos! Obrigado a todos, Irmãos e Irmãs em Cristo!

Quando lia referências ou ouvia falar desta famosa cidade de Coimbra, no meu espírito associavam-se estas ideias: santidade e beleza, história e vida.
– Santidade, ligada principalmente aos nomes de São Teotónio e da Rainha Santa Isabel e, de algum modo, a Santo António;
– Beleza, que Deus espargiu neste rincão da terra portuguesa e beleza criada pelo homem, na arte, literatura e música;
– História, que se perde sob a fuligem dos séculos: desde “Conimbriga” dos romanos, passando pelos inícios da nacionalidade, até aos oito séculos de vida e cultura portuguesa;
– Vida, finalmente, ligada a esta simpática população, entre a qual emergem os jovens estudantes, desta célebre “lusa Atenas”, a “malta” – se me é permitido – aos quais quero dizer: Olá, “malta”, o Papa conta convosco! Melhor, Cristo conta convosco!

2. Mas, neste momento, Coimbra, diante dos meus olhos, tomou o lugar das imagens e das ideias. Coimbra sois vós: clero, religiosos e fiéis desta Dioceses; vós, seminaristas; vós, pais e mães de família, jovens e crianças; vós, que fazeis trabalhos importantes, e vós, que prestais serviços humildes; vós, “mais pequeninos” – como vos chamou o Senhor – todos vós, que sofreis no corpo ou na alma, pensando em especial nos doentes dos diversos hospitais da cidade; enfim, todos, sem querer esquecer ninguém. O Papa a todos saúda, deseja confortar e abençoar.

Coimbra sois vós! Em vós vejo concretamente traduzidas beleza e vida; e, em esperança, firmada na vossa história, a santidade que para todos desejo e imploro, por intercessão dos vossos santos padroeiros, cuja memória quereis certamente honrar, honrando a tradição conimbricense, pela fidelidade a Deus, por Cristo, na Igreja santa.

3. Mas, seja-me permitido alargar o meu olhar e exprimir os sentimentos que me vão na alma, para abraçar toda a região – centro de Portugal – de Leiria a Castelo Branco e à Guarda e de Aveiro a Viseu – que aqui se encontra bem representada: pelos seus Pastores e fiéis diocesanos (e parecem-me ser muitos), que aqui vieram ao encontro com o Papa, sucessor de São Pedro. A todos saúdo cordialmente! A todos desejo felicidades! A todos repito e quero deixar como lembrança uma palavra que escreveu o primeiro Papa, o Apóstolo pescador da Galileia; deixo-a aqui, em Portugal e numa zona onde há tantos pescadores, para os quais vai toda a minha simpatia:

Por Cristo, “tendes fé em Deus... / Que a vossa fé e a vossa esperança se fixem em Deus. / Obedecendo à verdade... amai-vos uns aos outros” (1 Petr. 1, 20ss).
E estai certos de que Deus misericordioso vos ama muito.

Saudando-vos com “o ósculo da caridade”, peço para todos, os favores divinos, por intercessão da Rainha Santa em particular, com a Bênção Apostólica."

Discurso do Papa São João Paulo II na Universidade de Coimbra
Sábado, 15 de Maio de 1982 - also in Italian

"Excelentíssimo Senhor Reitor Magnifico, Senhores Professores e Alunos desta Universidade, Senhoras e Senhores,

1. É PARA MIM um momento de grande alegria encontrar-me nesta Universidade, uma das mais antigas da Europa e intimamente ligada à acção da Igreja. Desde os seus primórdios, colocada sob a protecção de Deus e da Santíssima Virgem, assumiu, no decorrer da sua história, também um compromisso formal de defender a doutrina da Imaculada Conceição de Maria Santíssima. Sinto por isso palpitar aqui uma longa tradição de devoção mariana, elevada ao mais alto nível da cultura nacional.

Saúdo particularmente o Senhor Reitor Magnífico que me acolheu; saúdo o Corpo docente – Lentes, Professores Extraordinários e Assistentes – e o Corpo discente, os queridos estudantes, e quantos integram nesta famosa Universidade a comunidade de trabalho intelectual. Saúdo, com intensidade de sentimento, todos os homens de cultura desta nobre Nação, aqui presentes ou aqui representados.

Reconhecendo o valor do vosso trabalho em prol do homem, venho encontrar-me convosco com respeitosa estima, lembrado dos longos anos em que também eu trabalhei no meio universitário e dos momentos felizes que esta convivência me proporcionou. Estamos todos convencidos de que é em primeiro lugar pela inteligência e só depois pelas mãos que se há-de moldar uma nova civilização, de acordo com as aspirações e as necessidades da nossa época. Cabe a vós, homens de cultura, a tarefa primordial de projectá-la para os dias de amanhã, baseados nos inestimáveis valores da vossa tradição cultural e nas imensas riquezas da alma portuguesa. Encontro-me aqui como um amigo que abre o seu coração em confidências, numa atitude de estímulo e de comunhão em idênticos problemas.

2. Conheceis bem quanto seja grata à Igreja a cultura e tudo o que diz respeito à sua promoção. Ela está sumamente interessada na cultura, porque sabe bem o que esta significa para o homem. A pessoa humana, com efeito, não poderá desenvolver-se completamente, tanto a nível individual como social, senão mediante a cultura.

Isto parece evidente, se considerarmos que a cultura, na sua realidade mais profunda, não é senão o modo particular que tem um povo de cultivar as próprias relações com a natureza, entre os seus membros e com Deus, de molde a alcançar um nível de vida verdadeiramente humano; é o “estilo de vida comum” que caracteriza um determinado povo (Gaudium et Spes, 53).

Entre as várias culturas, ocupa um lugar de honra a cultura portuguesa. Uma cultura plurissecular, rica, com características bem precisas que a distinguem claramente da dos outros povos. Ela exprime o próprio modo dos portugueses de “estar no mundo”, a sua própria concepção de vida e o seu sentido religioso da existência. É uma cultura forjada no decorrer de oito séculos como Nação, e enriquecida pelos múltiplos e prolongados contactos que Portugal teve durante a sua história, com os mais diversos povos dos vários continentes.

É-me grato, neste momento, recordar a admirável obra civilizadora que os portugueses, juntamente com a da evangelização, realizaram através dos séculos em todas aquelas partes do mundo onde chegaram. E dentro deste ambiente de contactos com novos mundos, e em plano de cultura, como não recordar Luís de Camões e os seus “Lusíadas”, justamente considerados como uma das principais obras da literatura mundial. Quero lembrar também o notável contributo que o vosso País, com as descobertas, deu ao desenvolvimento da ciência. Entre os muitos nomes que poderíamos citar, limito-me a evocar Pedro Nunes, o inventor do “Nónio”, e o médico e naturalista Garcia de Horta. Até no campo das artes, este encontro de civilizações se materializou no vosso inconfundível estilo manuelino.

3. A cultura é do homem, a partir do homem e para o homem.

A cultura é do homem. No passado, quando se pretendia definir o homem, quase sempre se fazia referência à razão ou à liberdade ou à linguagem. Os recentes progressos da antropologia cultural e filosófica mostram que se pode obter uma definição não menos precisa da realidade humana referindo-se à cultura. Esta caracteriza o homem e distingue-o dos outros seres não menos claramente que a razão, a liberdade e a linguagem. Tais seres, com efeito, não têm cultura, não são artífices de cultura; quando muito, são passivos receptores de iniciativas culturais levadas a efeito pelo homem. Para crescer e sobreviver, eles são dotados pela natureza de certos instintos e determinados subsídios tanto em vista da subsistência como da defesa; ao contrário, o homem, em vez destas coisas, possui a razão e as mãos, que são os órgãos dos órgãos, enquanto com a sua ajuda o homem pode munir-se e instrumentos para conseguir os seus fins (cf. S. Thomae, Summa Theologiae, I, 76, 5 ad 4).

A cultura vem do homem. Este recebe gratuitamente da natureza, um conjunto de capacidades, de talentos, como lhes chama o Evangelho, e, com a sua inteligência, a sua vontade e o seu trabalho, compete-lhe desenvolvê-los e fazê-los frutificar. O cultivo dos próprios talentos tanto da parte do indivíduo como da parte do grupo social, com o fim de se aperfeiçoar a si mesmo e de dominar a natureza, constrói a cultura. Assim ao cultivar a terra, o homem actua o plano criador de Deus; ao cultivar as ciências e as artes, trabalha para a elevação da família humana e para chegar à contemplação de Deus.

A cultura é para homem. Este não é somente o artífice da cultura, mas também o seu principal destinatário. Nas duas acepções fundamentais de formação do indivíduo e de forma espiritual da sociedade, a cultura tem em vista a realização da pessoa com todas as suas dimensões, com todas as suas capacidades. O objectivo primário da cultura é o de desenvolver o homem enquanto homem, o homem enquanto pessoa, ou seja, cada homem enquanto exemplar único é irrepetível da família humana.

Entendida deste modo, a cultura abrange a totalidade da vida de um povo: o conjunto dos valores que o animam e que, sendo compartilhados por todos os cidadãos, os reúnem com base numa mesma “consciência pessoal e colectiva”(Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, 18); a cultura abraça também as formas através das quais os valores se exprimem e se configuram, isto é, os costumes, a língua, a arte, a literatura, as instituições e as estruturas da convivência social.

4. Assim, o homem, como ser cultural – vós o sabeis, Senhoras e Senhores – não é pré-fabricado. Ele deve construir-se com as suas próprias mãos. Mas, segundo qual projecto? Que modelo, se é que existe um, deve ter diante dos olhos? Não faltaram, ao longo da história propostas de um tal modelo. E aqui, como é sabido, aparece a importância da antropologia filosófica.

Para ser válido, um projecto cultural não poderá deixar de atribuir o primado à dimensão espiritual, àquela dimensão que diz respeito ao crescimento no ser, mais que ao crescimento no ter. Permito-me, a este propósito, lembrar aquilo que dizia aos representantes da UNESCO: “a cultura é aquilo pelo qual homem, enquanto homem, se torna mais homem, “é” mais, tem mais acesso ao “ser”. É também aqui que se funda a distinção capital entre aquilo que o homem é e aquilo que o homem tem, entre o ser e o ter... O “ter” do homem não é o mais importante para a cultura; não é sequer factor criativo da cultura, senão na medida em que servir ao homem, para “ser” mais plenamente homem, em todas as dimensões da sua existência, em tudo aquilo que caracteriza a sua humanidade”(Ioannis Pauli PP. II, Allocutio ad eos qui conventui Consilii ab exsecutione internationalis organismi compendiariis litteris UNESCO nuncupati affuere, 7, die 2 iun. 1980: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, III, 1 [1980] 1640). O objectivo da verdadeira cultura, portanto, é fazer do homem uma pessoa, um espírito plenamente desenvolvido, capaz de chegar à perfeita realização de todas as suas capacidades.

Historicamente cada sociedade, cada nação, cada povo procurou elaborar um projecto humano, um ideal de humanidade sobre o qual plasmar os cidadãos, atribuindo de uma maneira geral, o primado aos valores do espírito.

E a Igreja, como é sabido, também é detentora de um projecto de humanidade, reavivado e proposto pelo Concílio Vaticano II. De pleno acordo com os resultados das investigações da antropologia filosófica e cultural, o Concílio afirmou que a cultura é um elemento constitutivo essencial da pessoa, devendo, portanto, ser promovida por todos os meios. São palavras do mesmo Concílio: A cultura deve tender à perfeição do homem, o qual “dedicando-se às várias disciplinas da história, filosofia, ciências matemáticas e naturais, e cultivando as artes, pode ajudar muito a família humana a elevar-se a concepções mais sublimes da verdade, do bem e da beleza e a formar juízos de valor universal”(Gaudium et Spes, 57).

5. Ao propor o seu ideal de humanidade, a Igreja não pretende negar a autonomia da cultura. Antes pelo contrário, nutre por ela o maior respeito, como nutre o maior respeito pelo homem; para ambos defende abertamente a livre iniciativa. Com efeito, dado que a cultura, deriva imediatamente da natureza racional e social do homem, tem uma constante necessidade de justa liberdade e de legítima autonomia, de agir segundo os seus próprios princípios para se desenvolver. Com razão, pois, salvaguardados sempre, como é evidente, os direitos da pessoa e da comunidade particular ou universal, a cultura precisa de um espaço de inviolabilidade, exige ser respeitada e poder manter isenção relativamente a forças políticas ou económicas (Cfr. Gaudium et Spes. 59).

A história, porém, ensina-nos que o homem, assim como a cultura que ele constrói, podem abusar da autonomia à qual têm direito. A cultura, como o seu artífice, podem cair na tentação de reivindicar para si mesmo uma independência absoluta perante Deus. Podem chegar mesmo a revoltar-se contra Ele. Esta verificação, para os que temos a felicidade da fé em Deus, não se faz sem mágoa.

A Igreja está consciente dessa realidade. Isso faz parte – vós sabeis bem, Senhoras e Senhores – duma luta perene entre o bem e o mal. E a Igreja é chamada, por natureza, a apontar o bem e a reparar e extinguir o mal. Ela recebeu de Cristo a missão de salvar o homem do mal, o homem concreto, o homem histórico, o homem com todo o seu ser: exterior e interior, pessoal e social, espiritual, moral e cultural. E das vias para o desempenho dessa missão da Igreja faz parte a promoção da cultura, entendida seja como formação da pessoa, seja como tecido espiritual, informador da sociedade.

Portanto, na visão da Igreja, a cultura não é algo que permaneça estranho à fé mas desta pode receber profundos e benéficos influxos. Todavia, é necessário não considerar a relação da cultura com a fé como puramente passiva. A cultura não é só sujeito de redenção e de elevação; mas pode ter também um papel de mediação e de colaboração. Com efeito, Deus, revelando-se ao Povo eleito, serviu-se de uma cultura particular; o mesmo fez Jesus Cristo, o Filho de Deus: a Sua encarnação humana foi também encarnação cultural. “Do mesmo modo, a Igreja, vivendo no decurso dos tempos em diversos condicionalismos, empregou os recursos das diversas culturas para fazer chegar a todas as gentes a mensagem de Cristo, para a explicar, investigar e penetrar mais profundamente e para lhe dar melhor expressão; isto aparece, de modo particular, na Liturgia” (Gaudium et Spes, 58).

E nos dias de hoje, sem abdicar da própria tradição, mas consciente da sua missão universal, a Igreja procura entrar em diálogo com as diversas formas de cultura. E preocupada por descobrir aquilo que une dentro do magnífico património do espírito humano, embora a harmonia da cultura com a fé nem sempre se realize sem dificuldades, a Igreja não deixa de procurar a aproximação de todas as culturas, de todas a concepções ideológicas e de todos os homens de boa vontade.

6. É bem conhecido de todos vós, Senhoras e Senhores, que as condições de vida do homem de hoje sofreram profundas transformações no campo social cultural, mais ou menos por toda a parte; a tal ponto, que parece ser lícito falar de “uma nova era da história humana”(Gaudium et Spes, 54). O desenvolvimento e o progresso da civilização, marcada pelo predomínio da técnica, abrem à difusão da cultura novos caminhos, preparados pelo imenso avanço das ciências naturais, humanas e sociais e pelo estupendo aperfeiçoamento e coordenação dos meios de comunicação.

Por tudo isto, creio que todos nos regozijamos, com motivos bem fundados, e nos sentimos profundamente gratos ao mundo da ciência e aos seus protagonistas.

Mas este progresso, tão maravilhoso, em que é difícil não vislumbrar os sinais da autêntica grandeza do homem, não deixa de suscitar algumas preocupações. E, não raro, surge nos espíritos a pergunta: este progresso, de que é autor e fautor o homem, torna a vida humana sobre a terra, em todos os seus aspectos, “mais humana”? O homem, enquanto homem, favorecido por todo este progresso, torna-se melhor? Quer dizer: apresenta-se e comporta-se como mais amadurecido espiritualmente, mais consciente da sua dignidade, mais responsável, mais aberto para com os outros – em particular, para com os mais fracos e mais necessitados – e, enfim, mais disponível para prestar ajuda a todos? (cf Redemptor Hominis, 15)

Parece não haver dúvidas hoje de que a cultura moderna, alma da sociedade ocidental durante séculos e, por meio desta, em larga medida, também das outras sociedades, está a atravessar uma crise: ela já não se apresenta como princípio animador e unificador da sociedade, a qual, por sua vez, se afigura desagregada e em dificuldade para assumir a sua missão de fazer crescer interiormente o homem em toda a linha do seu verdadeiro ser. Esta perda do vigor e da influência da cultura parece ter na sua base uma crise da verdade. O sentido da verdade tem sofrido um sério impacto por toda a parte. Se formos a ver bem, trata-se, no fundo, de uma crise de metafísica. Segue-se-lhe a desvalorização da palavra, cujo menosprezo tem a sua origem numa certa perplexidade e desconfiança entre as pessoas.

O homem pergunta-se, angustiado: “afinal, quem sou eu?”. A visão objectiva da verdade, muitas vezes vê-se substituída por uma posição subjectiva mais ou menos espontânea. A moral objectiva cede o lugar a uma ética individual, em que cada um parece propor-se a si mesmo como norma de acção, e querer que se lhe exija unicamente ser fiel a essa norma. E a crise aprofunda-se quando a eficácia vem assumir a função do valor. Em consequência surgem as manipulações de toda a ordem e o homem sente-se cada vez mais inseguro, sob a impressão de viver numa sociedade que parece carente de certezas e de ideais e confusa quanto aos valores.

7. No exercício da missão que, por misterioso desígnio da Providência, me está confiada, nas peregrinações apostólicas que faço pelo mundo, anima-me sempre o desejo de ser portador de uma mensagem e de colaborar, com a parte humilde, mas para mim indeclinável, que está ao meu alcance, para que um autêntico sentido do homem prevaleça nas mentes e nos corações, como ponto de encontro de todas as boas vontades, em vista da edificação de um mundo cada vez mais digno do homem.

No processar-se dessa convergência de boas vontades ocupam lugar de relevo os centros e os homens da cultura. Trata-se, efectivamente, de mentalizar as pessoas e animar espiritualmente as sociedades; e nisso poderão ter papel preponderante, não só as instituições como a Igreja, que aqui represento, mas também os centros e as estruturas destinadas à criação e à promoção da cultura. Assim, entram aqui em causa as Universidades. E conheceis a minha posição, de suma estima e respeito, quanto à responsabilidade que reconheço as Universidades no mundo contemporâneo:

São – para mim – um daqueles lugares, talvez o principal lugar de trabalho em que a vocação do homem ao conhecimento, como também o ligame constitutivo do homem com a verdade como fim do conhecimento, se tornam uma realidade quotidiana, se tornam, de certo modo, o pão quotidiano para aqueles que os frequentam e para muitos outros, sedentos do conhecimento da realidade do mundo que os rodeia e do conhecimento dos mistérios da sua humanidade (Cfr. Ioannis Pauli II, Allocutio ad eos qui conventui Consilii ab exsecutione internationalis organismi compendiariis litteris UNESCO nuncupati affuere, 19, die 2 iun. 1980: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, III, 1 [1980] 1650s)..

Senhoras e Senhores, Intelectuais e homens da cultura portuguesa,

A situação pode parecer desesperada, precursora de um “Novo Apocalipse”. Mas, na realidade, não é assim. Para a humanidade do Ano Dois Mil existem seguramente uma saída e muitos motivos de esperança. Basta que todos os homens de boa vontade, sobretudo os que professam a fé em Cristo, se empenhem seriamente numa profunda renovação da cultura, à luz de uma sã antropologia e dos princípios do Evangelho.

Creio que estais animados já – e esses são também os votos ardentes que aqui vos expresso – por um desejo de cultivar uma visão do homem e um autêntico sentido da pessoa humana, no vosso nobre trabalho. Tendes na vossa tradição tantos indícios, tantos elementos de universalidade, de abertura aos outros povos, de apreço e sensibilidade para com os sentimentos nobres. Até parece que, através dos séculos, se dá predominância ao coração sobre as construções intelectuais. A civilização que Portugal difundiu pelo mundo, pode dizer-se que teve em especial consideração a pessoa. Fundado nisso, permito-me repetir aqui um apelo que creio ser de todos conhecido:

“Abri ao poder salvador de Cristo... os vastos campos da cultura, da civilização, do progresso. Não tenhais medo. Permiti a Cristo de falar ao homem” Eiusdem Homilia ob initium ministerii Summi catholicae Ecclesiae Pastoris habita, 5, die 22 oct. 1978: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, I [1978] 38s), também em Portugal, para o qual, por vós desejo as melhores felicidades."

Homilia do Papa São João Paulo II na Santa Missa para as Famílias
Santuário do Sameiro, Braga, sábado 15 de Maio de 1982 - also in Italian

"1. “Não temas, Abraão . . . a tua descendência será numerosa” (1Gen. 15, 1-5).

A maravilhosa história de Abraão, “Pai da nossa fé”, evocada pela leitura da liturgia de hoje, põe em relevo duas verdades fundamentais. Nelas se concentrará a nossa atenção e a nossa oração durante esta Eucaristia.

A primeira é que o futuro do homem sobre a terra está ligado à família. A segunda, que o Plano Divino da Salvação e a história da Salvação passam pela família.

É num encontro de família – da família dos filhos de Deus, reunidos para celebrar o sacrifício eucarístico – que vamos aprofundar estas verdades.

Permiti que, antes de mais nada eu saúde a família portuguesa aqui representada por um grande número de casais e famílias da cidade e Aquidiocese de Braga e de várias regiões de Portugal: venho trazer-lhes uma palavra de estímulo a cultivar os valores essenciais do matrimónio.

Uma saudação também aos movimentos e organizações familiares, sobretudo de cunho eclesial, empenhados uns na preparação do casamento, outros na promoção da espiritualidade conjugal, outros no atendimento a problemas que surgem no seio das famílias; trago-lhes um incentivo a levar avante uma Pastoral Familiar sólida, ampla, bem articulada, eficaz para o bem de muitos lares portugueses.

Que as famílias deste País se consolidem no amor e na unidade como imagem do amor de Cristo à sua Igreja (Cfr. Eph. 5, 25) e continuem assim a cumprir a missão que Deus lhes confiou: para isso rezamos nesta Eucaristia, persuadidos de que também o futuro de Portugal passa pela família (cf. João Paulo II, Familiaris Consortio, Concl.).

2. Na família reside e da família, mais do que de qualquer outra sociedade, instituição ou ambiente, depende o futuro do homem.

Esta verdade fundamental ressoava no colóquio de Abraão com Deus, ouvido há instantes na leitura da sugestiva página do Génesis.

“A tua recompensa será muito grande”, prometia o Senhor ao seu amigo. “Que é que me dareis, Senhor?” – interrogava Abraão, com uma ponta de cepticismo – “Vou partir sem filhos . . .” (Gen. 15, 2).

À desconsolada prostração de Abraão seguir-se-á a sua alegria quando, “no tempo fixado por Deus” (Ibid. 21, 2) Sara lhe dará um filho.

O futuro do homem é, antes de tudo, o próprio homem. É o homem nascido do homem: de um pai e de uma mãe, de um homem e de uma mulher. Por isso o futuro de homem decide-se na família.

O matrimónio é o alicerce da família como a família é o vértice do matrimónio. É impossível separar um da outra. É preciso considerá-los juntos à luz do futuro do homem.

Esta é uma verdade evidente e, não obstante, é também uma verdade ameaçada. Por muitas razões, a humanidade é levada a pensar na sua própria existência presente e futura mais segundo categorias daquilo que o homem produz – ou seja, com categorias de meios – do que segundo a dimensão do fim, própria do homem.

Várias circunstâncias parecem explicar e justificar tal maneira de pensar. Pode até dizer-se que o homem faz assim por “consideração para com o homem”: pela preocupação da assegurar a sua existência material sobre a terra. Sobre este ponto, teriam muito a dizer as publicações contemporâneas no campo da demografia ou da economia.

Contudo, pensando no homem, no seu futuro sobre a terra, primariamente segundo categorias do que ele produz e faz produzir à terra, muito facilmente cometemos um erro fundamental: o homem deixa de ser o valor principal e essencial. De fim, passa a ser meio.

Assim, o nosso modo de pensar afasta-se do pensamento do Criador que, dentre todas as criaturas da terra, somente quis por si mesmo o homem...(cf. Gaudium et Spes, 24))

Nesto ponto, precisamente, é insubstituível a vocação da família. Também a família, pela sua própria natureza, “quer o homem por ele mesmo”; forma-se como comunidade de pessoas voltada para o homem como tal: o homem concreto, sempre único e irrepetível, marido, mulher, pai, mãe, filho e filha.

Por isso a família, na atmosfera actual do mundo - especialmente do mundo “rico”, do mundo da “elevada civilização material” – está ameaçada. Ela permanece, contudo, a fonte de esperança do mundo. É nela que, apesar de tudo, se decide o futuro do homem; e – seja-me permitido concretizar – do homem em Portugal, empenhado em consolidar as bases sobre as quais assentam o progresso equilibrado, a concórdia e a paz.

3. “Ergue os olhos para os céus e conta as estrelas, se és capaz... assim será a tua descendência – (Gen. 15, 5) diz o Senhor a Abraão. O filho que está para nascer será o início da família e da estirpe, o tronco ou o fundador da tribo e da nação.

O homem não é destinado a estar sozinho. Não subsiste solitário sobre a terra. É chamado a viver a sua vida em comunidade. Por isso nascem as comunidades, a primeira e a mais fundamental das quais é exactamente a família. E por meio das comunidades, primeira delas, a família, o homem vai-se formando e amadurecendo como homem.

Assim, nascido na comunidade matrimonial do homem e da mulher, o homem fica a dever a sua educação à família.

A educação, de acordo com o significado particular desta palavra, destina-se a “humanizar” o homem. Homem desde o primeiro instante da sua concepção no seio materno, gradualmente ele “aprende a ser homem” e esta aprendizagem fundamental identifica-se precisamente com a educação. O homem é o futuro da própria família e da humanidade inteira – mas o seu futuro acha-se inseparavelmente ligado à educação.

A família tem o primeiro e fundamental direito a educar; mas incumbe-lhe também o primeiro e fundamental dever da educação. No cumprimento deste dever essencial, que pertence estritamente à sua vocação, a família vai beber nas fontes do grande tesouro de toda a humanidade que é a cultura; e mais directamente, da cultura do ambiente onde está radicada.

Por esta ordem de factos o homem torna-se herdeiro do passado que nele se vai transformando em futuro: Não só futuro da própria família, mas também da própria nação e da humanidade inteira.

4. Ao mesmo tempo que se vai processando este ciclo normal da família, do nascimento e da educação do homem, através dele passa organicamente o Plano Divino da Salvação, proporcionado ao homem desde o princípio, conjuntamente à aliança matrimonial, e confirmado e renovado – depois da queda no pecado – em Jesus Cristo. Em Jesus Cristo, o Plano Divino da Salvação tem a sua plenitude.

Desejaria, irmãos e irmãs muito amados, ao enunciar esta doutrina, de validade universal, não ter senão que dar graças a Deus e congratular-me com as famílias portuguesas, por serem aqui respeitados e observados:
– os princípios da centralidade do homem na instituição familiar,
– as implicações e os imperativos práticos para o papel da cultura e para o múnus da educação.

Dada, porém, a generalização rápida que têm os fenómenos sociais com incidências na mentalidade e comportamento das células da sociedade e das pessoas, não deixarei de alertar aqui a consciência humana e cristã de todos, porque a grande causa da família a todos interessa; de apelar para o empenho dos mais directamente responsáveis pela cultura, sobretudo da cultura chamada “de massa”, dos responsáveis pela educação, dos agentes de pastoral; de apelar enfim, para todos os que podem contribuir para manter e preservar uma situação favorável à comunidade conjugal e familiar, onde, com a transmissão da vida, existe a gravíssima obrigação de educar a prole.

E vós, queridos pais e mães de família, conscientes de que o vosso lar é a primeira escola de valorização humana dos filhos que Deus vos deu, estareis conscientes também, certamente, deste outro grave dever que vos incumbe: de tudo dispor ou até exigir, para que os vossos filhos possam progredir harmonicamente, na ascensão para a vida, apoiados numa conveniente formação humana e cristã. A Igreja alegra-se quando os poderes constituídos na sociedade, tendo em conta o pluralismo e a justa liberdade religiosa, “ajudam as famílias, para que a educação dos filhos possa ser dada em todas as escolas, segundo os princípios morais e religiosos das mesmas famílias” (Gravissimum Educationis, 7).

5. A primeira verdade sobre a família, apresentada até aqui, sobressai no episódio da apresentação de Jesus no Templo, episódio há pouco relembrado pela leitura do texto de São Lucas.

Recordemos o que se passou: de acordo com a prescrição da lei do Antigo Testamento, é levado ao Templo um menino, quarenta dias depois de vir ao mundo. Levou-O Maria para se submeter à lei ritual da Purificação da mãe, depois de conceber. Com Ela, veio também José para oferecer o sacrifício obrigatório em tais circunstâncias. Nascido na noite de Belém, o filho de Maria entrava assim na herança espiritual de Israel – da sua Nação.

Ao mesmo tempo, o Menino trazia consigo outra Herança espiritual: a herança do Eterno Amor do Pai, o qual “amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho para que nenhum homem pereça, mas tenha a vida eterna” (Cfr. Io. 3, 16).

Com Jesus Cristo, a divina Herança da vida eterna entra não apenas na vida de Israel, mas na de toda a humanidade. Exprimem-no as palavras proféticas pronunciadas por Simeão, ao ver o Menino: “Agora, Senhor, podes deixar ir o Teu servo, segundo a Tua promessa, em paz; porque os meus olhos viram a Tua salvação, que preparaste em favor de todos os povos, luz para iluminar as nações e glória de Israel, Teu povo” (Luc. 2, 29-32).

O próprio Simeão, nas suas palavras inspiradas e proféticas, dá a entender ao mesmo tempo que se trata de uma Herança difícil. Diz à Mãe do recém-nascido: “Este Menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel, e para ser sinal de contradição, a fim de se revelarem os pensamentos de muitos corações. E também a ti, uma espada trespassará a tua alma” (Ibid. 2, 34).

6. Os bens divinos da Aliança e da Graça estão, desde o princípio, unidos à família. Por isso, também o matrimónio, em certo sentido, desde o princípio, é sacramento, como símbolo da futura encarnação do Verbo de Deus. Sacramento que Cristo confirmou e ao mesmo tempo renovou com a palavra do Evangelho e com o mistério da sua Redenção.

Pela virtude do Espírito Santo, o homem e a mulher estreitam entre si a Aliança Matrimonial, que, por instituição divina, “desde o princípio” é indissolúvel.

Radicada na complementaridade natural que existe entre o homem e a mulher, a indissolubilidade é sancionada pelo recíproco compromisso de doação pessoal e total, e é exigida pelo bem dos filhos. À luz da fé, manifesta-se a sua verdade última, que é a de ser proposta “como fruto, sinal e exigência do amor absolutamente fiel, que Deus Pai tem para com o homem, e que o Senhor Jesus vive para com a Igreja”. Com estas palavras expus o ensino tradicional da Igreja, na Exortação Apostólica “Familiaris Consortio, 20”, a pedido dos Bispos de todas as partes do mundo, reunidos em Sínodo, em Roma, para estudar os problemas da família cristã no mundo de hoje.

Esta doutrina não se harmoniza, certamente, com a mentalidade de tantos contemporâneos nossos que julgam impossível um compromisso de fidelidade para a vida inteira. Os Padres do Sínodo, conscientes embora das actuais correntes ideológicas contrárias, declararam que é missão específica da Igreja “apregoar o alegre anúncio da irrevocabilidade daquele amor conjugal que tem em Jesus Cristo o fundamento e o vigor” (Familiaris Consortio, 20). E esclareceram que tal missão não se impõe somente à Hierarquia; também a vós, a cada um dos casais cristãos, chamados a ser no mundo um “sinal”, sempre renovado, “da fidelidade imutável com que Deus e Jesus Cristo amam a todos e cada um dos homens” (Ibid. 84).

7. Cada um dos homens: portando também aquele ou aquela que se encontra a braços com um casamento que fracassou. Deus não deixa de amar os que se separam, nem mesmo os que iniciaram uma nova união irregular. Ele continua a acompanhar tais pessoas com a imutável fidelidade do seu amor, chamando continuamente a atenção para a santidade da norma violada e, ao mesmo tempo, convidando a não abandonarem a esperança.

Reflectindo, de algum modo, o amor de Deus, também a Igreja não exclui da sua preocupação pastoral os cônjuges separados e novamente casados; pelo contrário, põe à sua disposição os meios de salvação. Embora mantendo a prática, fundada na Sagrada Escritura, de não admitir tais pessoas à comunhão eucarística, dado que a sua condição de vida se opõe objectivamente ao que a Eucaristia significa e opera, a Igreja exorta-os a ouvir a Palavra de Deus, a frequentar o sacrifício da Missa, a perseverar na oração e nas obras de caridade, a educar os filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de penitência, a fim de implorarem dessa forma a graça de Deus e se disporem para a receber.

A Igreja tem consciência de ser no mundo, com este ensino, “sinal de contradição”. As palavras proféticas, que Simeão pronunciou sobre o Menino, aplicam-se a Cristo na sua vida, e também à Igreja na sua história. Muitas vezes Cristo, o seu Evangelho e a Igreja, tornam-se “sinal de contradição” perante aquilo que no homem não é “de Deus”, mas do mundo ou até do “príncipe das trevas”.

Mesmo chamando o mal pelo nome e opondo-se-lhe decididamente Cristo vem sempre ao encontro da fraqueza humana. Procura a ovelha tresmalhada. Cura as feridas das almas. Consola o homem com a sua cruz. No Evangelho não faz exigências a que o homem não possa satisfazer com a graça de Deus e com a própria vontade. Pelo contrário, as suas exigências têm como finalidade o bem do homem: a sua verdadeira dignidade.

8. É preciso que a visão do matrimónio e da família, pela qual vos procurais guiar, queridos irmãos e irmãs, se forme a partir da luz trazida por Cristo: que tal perspectiva seja fruto de fé viva.

“Pela fé Abraão, chamado por Deus, obedeceu, partindo para um lugar que devia receber em herança, e partiu sem saber para onde ia”(Hebr. 11, 8).

Este chamamento divino que um dia coube a Abraão, torna-se pertença de cada um de nós, em primeiro lugar por meio do Baptismo. Pelo Baptismo somos chamados a ser “co-herdeiros da promessa divina” para tomarmos a vida como “peregrinação em direcção à Terra Prometida”, ou seja, à Cidade duradoura “cujo arquitecto e construtor é o próprio Deus”.

Com esta concepção da vida, vós sabeis que é uma constante da solicitude da Igreja proclamar os direitos da pessoa humana, subordinados aos direitos de Deus supremo Senhor; e dentre tais direitos, o direito à vida ocupa sempre um lugar cimeiro. No matrimónio, o homem e a mulher são chamados a transmitir o tesouro da vida a outros homens, por uma paternidade e uma maternidade humanamente responsáveis.

Em continuidade com as normas reafirmadas no Concílio Vaticano II e na Encíclica “Humanae Vitae” e recolhendo o sentimento dos Padres do último Sínodo dos Bispos, recordei na recente Exortação Apostólica “Familiaris Consortio”, entre os direitos prioritários dos pais, o de terem os filhos que desejarem, recebendo ao mesmo tempo o necessário para criá-los e educá-los dignamente. Por isso, a Igreja condena como ofensa grave à dignidade humana e à justiça as manobras para cercear de maneira indiscriminada a liberdade dos cônjuges em relação à transmissão da vida e à educação dos filhos.

Senti-me no dever de denunciar também uma insidiosa “mentalidade contra a vida”, que se infiltra no pensamento actual.

Deus diz a cada homem: acolhe a vida concebida por obra tua! Di-lo pelos seus mandamentos e pela voz da Igreja; e di-lo directamente, pela voz da consciência humana. Voz potente que não se pode deixar de ouvir, não obstante outras a vozes” dissonantes, não obstante o que se fizer para a abafar.

O carácter ao mesmo tempo corporal e espiritual da união conjugal, sempre iluminada pelo amor pessoal, há-de levar a respeitar a sexualidade, a sua dimensão plenamente humana, e a nunca “usá-la” como um “objecto”, a fim de não dissolver a unidade pessoal da alma e do corpo, ferindo a a própria criação de Deus, na relação mais íntima entre natureza e pessoa” (Familiaris Consortio, 32)

A responsabilidade na geração da vida humana – da vida que deve nascer numa família – é grande díante de Deus!

9. Servindo-se da colaboração criadora dos pais, Deus-Pai quer repetir mais uma vez o seu chamamento a um novo descendente do género humano. Quer chamá-lo também a ele para que se torne “co-herdeiro da promessa de Deus” e a partir para a “Terra” que foi “Prometida” em Jesus Cristo a todos os homens.

A família é o lugar da vocação divina do homem. É preciso que os casais cristãos e os pais estejam conscientes desta responsabilidade e colaborem com a melhor boa vontade nesta vocação divina do novo homem, desenvolvendo a obra da educação cristã, sobretudo com aquela catequese que é feita pela vida exemplar.

Também as vocações, particularmente importantes para a missão salvífica da Igreja, nascem das famílias cristãs, berço dos futuros sacerdotes, religiosos, religiosas, missionários e apóstolos!

Embora existam hoje dificuldades na obra educativa, os pais cristãos devem, com confiança e coragem, formar os filhos para os valores essenciais da vida humana, sem nunca perder de vista que, sendo responsáveis pela igreja doméstica do seu lar, são chamados a edificar a grande Igreja nos filhos e, quiçá, a edificá-la pelos seus filhos (Familiaris Consortio, 38) “chamados por Deus”. E se Deus de facto os chamar para o serviço do Seu reino, queridos pais e mães, sede generosos para com Ele, como Ele o foi para convosco.

10. Alegra-me celebrar esta Eucaristia e meditar convosco sobre a família no quadro deste Santuário do Sameiro, monumento da gente portuguesa, do amor à Santíssima Virgem, aqui venerada e invocada sob o título de Imaculada Conceição. Os numerosos nubentes que escolhem este Santuário para a celebração do seu casamento, fazem-no certamente para colocar os seus lares sob a especial protecção de Nossa Senhora. Seja este gesto de devoção penhor de solidez dos lares cristãos desta Região, confirmando aquilo que afirmava o Senhor Arcebispo: que nesta Região, geralmente, as famílias assentam em bases cristãs e florescem nelas, com frequência, vocações “sacerdotais, religiosas e missionárias”. Dou graças a Deus, por isso.

Agradeço também ao Senhor Dom Eurico Dias Nogueira as calorosas e amáveis palavras que me quis dirigir. Também eu o saúdo, Senhor Arcebispo, assim como às Excelentíssimas Autoridades e aos bracarenses e igualmente aos habitantes desta bela região do Minho e de Trás-os-Montes (das Dioceses de Viana do Castelo, de Bragança e Miranda e de Vila Real) a todos, sem excepção: Bispos, Sacerdotes, Religiosos e Fiéis – sem esquecer os numerosos espanhóis, vindos com seus Pastores, das vizinhas terras da Galiza. E daqui exprimo cordiais sentimentos de simpatia e de afeição em Cristo Senhor a todos os emigrantes da família portuguesa.

Nas suas referências históricas à cidade e à Arquidiocese de Braga e seu termo, sublinho com prazer a elevada percentagem da prática cristã entre a população que frequenta a Missa dominical e os outros Sacramentos. Assim continue e se intensifique constantemente, aqui e em todo o Portugal, a fidelidade a Deus pela fidelidade ao seu passado. E nisto tem um papel insubstituível a família. Irmãos e Irmãs,

É grande o sacramento do Matrimónio, que deu origem às vossas famílias e continua a vivificá-las!

É grande a missão das vossas famílias:
– o futuro do homem sobre a terra está ligado à família;
– o Plano Divino da Salvação e a história da Salvação passam através da família humana!

Virgem Imaculada, Nossa Senhora do Sameiro, / Mãe do “Menino” posto como “Sinal de Contradição”: / junto do vosso Filho, Jesus Cristo, / cujas palavras conserváveis e meditáveis no Vosso coração / dai a todas as famílias de Portugal a graça / de saberem ouvir e guardar fielmente a Palavra de Deus! / Mãe do Verbo divino, na Sagrada Família de Nazaré, / obtende para estas famílias a harmonia, o amor e a graça! / Que nelas nunca seja contradição “o Sinal”, / nunca seja contradito o amor de Deus misericordioso, / manifestado em Jesus Cristo! Ámen."

Discurso do Papa João Paulo II aos Trabalhadores na Praça dos Aliados
Porto, sábado 15 de maio de 1982 - also in Italian 

"Amado Irmão Arcebispo-Bispo do Porto,Veneráveis Irmãos no Episcopado,
Excelentíssimas Autoridades, Queridos irmãos e irmãs, Trabalhadores de Portugal
1. APRECIEI VIVAMENTE as amáveis e calorosas palavras com que o Senhor Arcebispo-Bispo do Porto quis dar-me as boas-vindas e igualmente a saudação do trabalhador que falou, fazendo-se intérpretes dos sentimentos delicados, respectivamente da Comunidade diocesana e dos homens do trabalho. Muito obrigado!

Paz a esta assembleia! Paz a esta Cidade e a quantos nela habitam! É com estas palavras e com muita alegria que apresento também eu cordiais saudações a todos: à cidade do Porto, esta “antiga, mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto” – como se lê no seu brasão; à Igreja local portuense, Pastor, Bispos Auxiliares, Sacerdotes, Religiosos, Religiosas e todos os fiéis diocesanos e todo o generoso povo portuense e também à briosa e laboriosa população desta região nortenha, aqui presente e representada. Mas a minha saudação dirige-se muito especialmente aos representantes do mundo do trabalho: particularmente a vós, Mulheres e Homens, trabalhadores da indústria, do comércio, e do sector dos serviços. É grande a minha alegria por viver hoje aqui estes momentos no meio de vós. Conservo como experiência pessoal muito marcante, a minha passagem pelo mundo concreto do trabalho do vosso sector. E dou graças a Deus por isso.

Encontrei-me ontem em Vila Viçosa com os trabalhadores rurais de Portugal; não podia faltar um encontro com os trabalhadores do vosso sector. Ele quer manifestar o amor e a esperança com que o Papa se sente ligado aos trabalhadores: amor e esperança que nascem da profunda convicção de que os valores cristãos do Evangelho também devem estar presentes de modo vital e sempre crescente no mundo do trabalho.

Vós ocupais um lugar especial no meu coração. Estão continuamente presentes no meu espírito os vossos legítimos direitos, e as vossas aspirações, as vossas ânsias e as vossas alegrias, a preocupação que tendes pelas vossas famílias e o esforço generoso que vos anima na busca do bem comum.

2. Sois trabalhadores! Só esta palavra já me evoca um mundo de pensamentos. A vossa própria presença já fala do valor do trabalho, e permite-me como que ler nos vossos semblantes a mensagem que neste momento vos desejo dirigir.

Vejo nas vossas feições as feições de Cristo, conhecido como o carpinteiro de Nazaré; vejo nas vossas feições, neste momento irradiantes de uma alegria festiva, a expressão de confiança; vejo nas vossas feições também estampado o sofrimento e a cruz das jornadas exaustivas de trabalho. Mais do que eu, sois vós, prezados trabalhadores, que hoje aqui falais com a vossa identidade.

Gostaria, neste momento, de apertar as mãos de todos para senti-las, calejadas como estão qual documento da vossa actividade profissional. Quando dais a mão a alguém, em sinal de amizade, concedeis ao interlocutor perceber o peso e o valor do vosso trabalho. Mão nobre que trabalha! Mão que transforma o mundo! Mão que constrói uma nova realidade para uma sociedade mais humana. Mão benfazeja que trabalha para o proveito da humanidade.

Vim ao Porto para honrar e para celebrar o trabalho. Sei bem que o povo desta cidade e desta região e de todo o Portugal se orgulhou sempre pela sua seriedade no trabalho, pelo seu culto do trabalho. Referiam-me que o Porto é conhecido localmente como “cidade do trabalho”. Assim, que poderia eu fazer aqui senão anunciar-vos a “Boa-Nova”, o “Evangelho do trabalho”?

3. Na minha recente Encíclica sobre o trabalho humano, pelo nonagésimo aniversário da “Rerum Novarum”, grande documento do Papa Leão XIII, sobre a questão social, quis prestar uma homenagem especial “ao homem visto no amplo contexto dessa realidade que é o trabalho”, para à luz do mistério da Redenção de Cristo desvelar a sua riqueza e, ao memo tempo, o que há de árduo na existência humana.

A Igreja que acredita no homem e pensa no homem, considera como parte da sua missão “chamar sempre a atenção para a dignidade e para os direitos dos homens do trabalho, estigmatizar as situações em que são violados, contribuir para orientar as mutações para que se torne realidade um progresso autêntico do homem e da sociedade” (Laborem Exercens, 1).

O homem, efectivamente, segundo o plano primitivo de Deus é chamado a tornar-se senhor da terra, o “dominá-la” (Gén 1, 28), pela superioridade da sua inteligência e a actividade dos seus braços: ele é o centro da criação. “O primeiro fundamento do valor do trabalho – e por isso da sua dignidade – é o mesmo homem”. A dignidade da própria pessoa que trabalha há-de ser a base e o critério a ter presente, quando se trata da avaliação de qualquer espécie de trabalho manual ou intelectual. Na realidade, o protagonista e o fim do trabalho, o seu verdadeiro criador e artífice, mesmo nas mais humildes e monótonas actividades, é sempre o homem, como pessoa. E o homem que foi criado à “imagem de Deus”.

4. A crescente afirmação da civilização materialista, que invade o nosso mundo, tende a relegar para segundo plano a dimensão subjectiva do trabalho, fundada sobre a dignidade do homem. Neste ambiente existe o perigo de os trabalhadores se tornarem autómatos, serem sem rosto, massa amorfa despersonalizada, à mercê de forças poderosas que nem sempre procuram os interesses de quem trabalha: os interesses do homem, da família, e da comunidade.

A questão não é nova, como bem sabeis. A invenção da máquina deu certamente ao trabalho humano uma nova dimensão do instrumento prolongava e reforçava o braço humano, a máquina tendia a substituí-lo. Inventando a máquina, o homem suspirava eliminar o emprego da própria força muscular, aliviar-se de um peso.

Mesmo melhorando as condições de vida dos operários, passado o primeiro impacto da novidade, notou-se que a precisão mecânica e a rapidez cada vez mais acelerada iniciaram um novo processo de vida humana. É a máquina que impõe o seu ritmo ao homem; já não há tempo para nada, nem para ninguém, com todo o cortejo de inconvenientes que se lhe seguem. E não deveria ser assim. Mesmo quando se pretende melhorar as suas condições e nível de vida, submeter o homem, criado a “imagem de Deus”, a um esforço produtivo, quase só orientado ao mero bem-estar material e ao lucro, fechando-se às perspectivas de ordem humana e espiritual, é contra a sua dignidade.

5. Só com base numa consciência assim se podem enfrentar convenientemente os problemas do mundo do trabalho, a começar pelo difícil e melindroso problema da relação entre capital e trabalho, entre propriedade e mão de obra, entre o dator de trabalho e o trabalhador.

Não se pode menosprezar nenhum dos dois dados do problema: sem capital não há trabalho. Portanto os detentores ou fornecedores do capital realizam uma grande obra em prol do bem comum, merecendo a consideração e o respeito de todos, ao abrir novas frentes de trabalho e possibilitando empregos. Por outro lado, o trabalho humano não pode ser considerado apenas em função do capital. Transcende-o absolutamente. O homem não é feito para a máquina, mas a máquina para o homem.

O argumento de que as máquinas não podem parar não é válido para tentar escravizar o homem ao seu ritmo, privando-o do merecido descanso e de um teor de vida verdadeiramente humano.

Recentes transformações profundas se, por um lado, revelam uma vontade real de criar um clima de bem-estar económico e de justiça social sempre mais perfeita, não escondem porém as inevitáveis tensões, perplexidades e fraquezas que acompanham por vezes a busca de soluções e os reajustamentos subsequente às grandes mudanças de ordem sócio-política.

Nestas circunstâncias, todo o cidadão deve aceitar o dever de colaborar sinceramente, para construir, com o seu trabalho sério e fiel, uma comunidade nacional sempre melhor, onde seja promovida a justiça social – nome novo do bem comum – onde seja respeitada em cada momento a dignidade da pessoa. À luz deste bem comum, se deve julgar da oportunidade e justiça de certas formas reivindicativas, que, parecendo defender os legítimos interesses dos trabalhadores, causam por vezes graves danos a toda a comunidade.

6. É certo, caríssimos trabalhadores, que nunca podereis alcançar a solução melhor para os vossos problemas se cada um de vós permanecer isolado. Para participardes na solução dos problemas sociais, tendes também o direito de formar associações, com a finalidade de defender os interesses vitais dos homens empregados nas diferentes profissões. Estes interesses são até certo ponto comuns a todos; mas cada trabalho, cada profissão, possui uma sua especificidade, que deveria reflectir-se nestas organizações. Refiro-me, como bem sabeis, aos sindicatos.

A doutrina social católica não pensa que os sindicatos sejam somente o reflexo de uma estrutura “de classe” da sociedade, como não pensa que eles sejam o expoente de uma luta de classes, que inevitavelmente governe a vida social. Eles são, sim, um expoente de luta pela justiça social, pelos justos direitos dos homens do trabalho segundo as suas diversas profissões. No entanto, esta “luta”, como já dizia na aludida Encíclica Laborem Exercens, “deve ser compreendida como um empenhamento normal das pessoas “em prol” do justo bem: no caso, em prol do bem que corresponde às necessidades e aos méritos dos homens do trabalho, associados segundo as suas profissões; mas não é uma luta “contra” os outros”(João Paulo II, Laborem Exercens, 80).

Está também em vossas mãos, pois, procurar a solução dos vossos problemas. Jamais, porém, com o ódio ou a violência.

O Cristianismo ensina-nos a amar a todos os homens, mesmo quando se defendem os próprios interesses e se está empenhado numa luta reivindicativa. Não se pode pensar só em si, ou na sua própria categoria social. Tudo deve ser subordinado ao bem comum. Não é justo e não é cristão que uma classe, devido a maiores possibilidades de pressão, oferecidas quer pela posição que ocupa no contexto social, quer pela força combativa de que conseguiu munir-se, prevaleça sobre as demais, menosprezando os legítimos direitos de outrem. Cada pessoa e cada classe, ao exigir justiça para si, deve igualmente visar a promoção da justiça e dos direitos dos demais.

7. Nesta linha de pensamento, depara-se-nos, no pólo oposto, a situação dos que não “têm vez” e, por isso, impedidos de “terem voz”: o desemprego. “É bem conhecido que no vosso País – escreveram recentemente os vossos Bispos numa Carta Pastoral – se verifica uma grave crise de desemprego, geradora de situações intoleráveis, no plano pessoal, no plano familiar e no plano social”. E faço minhas as palavras que eles acrescentavam a seguir: “Tudo deve ser tentado para resolver ou minorar, no mais curto espaço de tempo, este problema crucial... É autêntico imperativo patriótico e moral que todas as forças interessadas se empenhem, pondo de lado divergências, recriminações e conflitos, num esforço concertado, em ordem a um plano de redução acelerada do desemprego que comprometa verdadeiramente a comunidade nacional no seu conjunto. Com esse fim, ninguém deve considerar-se dispensado de fazer os sacrifícios necessários”.

Sente-se nos nossos dias a aspiração geral ao trabalho. Trabalhar é integrar-se activamente no processo de desenvolvimento humano e, com isso, sentir-se útil em relação aos outros. A pessoa humana tem inato esse desejo de colaborar nas grandes realizações da comunidade em que está inserida. Cada um parece sentir a sua parcela de responsabilidade. Com efeito, cada homem que vem a este mundo deve dar uma sua real contribuição para o progresso humano, no sentido de tornar o mesmo mundo mais condizente com as verdadeiras aspirações humanas. Por isso a consideração dos valores subjectivos e sociais do trabalho requer que em toda a comunidade política seja reconhecida não só a importância do trabalho mas o próprio direito ao trabalho, tudo se tente no sentido de eliminar o desemprego e o sub-emprego.

8. De algum modo relacionado com este problema do desemprego, anda o problema do justo salário. Sem esquecer nunca que a propriedade privada dos bens está sempre sob hipoteca social, portanto, a dever servir o bem comum, viria aqui a propósito recordar os critérios para estabelecer o justo salário. Este permanece, em todos os casos, a verificação concreta de cada sistema socio-económico. Mas estou certo de que não se deixará de dedicar-lhe sempre a devida atenção. Igualmente se procurará encarar de frente, não duvido, um outro fenómeno, que assumiu enormes proporções em diversos países e que é bem sentido em Portugal: a emigração, com todas as suas incidências, e ligado a ela o fenómeno do urbanismo.

Mas urge terminar, amados irmãos e irmãs, o nosso colóquio. E não o quereria fazer sem uma referência especial às vossas famílias. Vendo-vos a vós, homens do trabalho, penso também naqueles que vos são queridos: as vossas esposas, as vossas mães, os vossos filhos, os vossos doentes. Penso em todos quantos fazem parte do vossos lares. Vós, que vos cansais no trabalho para manterdes a vossa casa e sustentardes os vossos filhos, continuai a ser fiéis aos sãos valores tradicionais da família portuguesa! Continuai a amar as vossas famílias. Porque vós também necessitais da vossa família! Não deixeis que o trabalho desagregue a vida familiar. Não deixeis que certo estilo de vida separe os pais dos filhos. Não permitais que a vossa casa seja apenas um local para tomar as refeições e para descansar! Sede vós os educadores dos vossos filhos!

No lar ocupa um lugar de relevo, a mãe. Dela depende em grande parte o bem-estar da família. Que não se veja forçada, pela carência de meios, pelos salários baixos, a ter que sacrificar o tempo que normalmente dedicaria à casa e à educação dos filhos. Que ela não seja nunca vítima de situações inumanas. E se houver de assumir um trabalho fora de casa, que essa ocupação não sacrifique bens mais profundos nem a afaste do lar, do marido, dos filhos!

Um último apelo, a vós trabalhadores! Abri as vossas famílias a Cristo Trabalhador! A presença do Senhor iluminará as vossas casas, far-vos-á compreender melhor a vossa dignidade de trabalhadores e a vossa missão na família.

9. Amados Trabalhadores:
A concluir, recordo-vos, uma vez mais, a grande nobreza do vosso trabalho; desejo-vos que ele nunca vos degrade; que não cedais nunca a fáceis demagogias, nem vos deixeis iludir por ideologias sem abertura para o espiritual. Estaríeis a sonhar um mundo pouco humano se vos empenhásseis apenas em ter cada vez mais. Como homens, como pessoas e como trabalhadores, que vos anime sempre o ideal de ser cada vez mais.

Lembro aqui, como noutras ocasiões, a bem-aventurança evangélica: felizes os pobres em espírito, pois é deles o reino dos céus: os que têm bens devem abrir o seu coração aos pobres, numa mudança interior, sem a qual não se alcançará uma ordem social justa e estável; e os que não têm bens devem aprender também a viver a pobreza de espírito, para que a pobreza material não os prive da própria dignidade humana, que é sempre mais importante que todos os bens. Na sua forma mais exaltante e bela, o “Evangelho do trabalho” foi escrito e proclamado por Cristo. Ele, sendo Deus fez-se semelhante a nós em tudo, excepto no pecado, e dedicou a maior parte dos anos da sua vida sobre a terra ao trabalho manual, incorporando assim o trabalho e o cansaço na obra da Redenção que vinha realizar.

Mas no pensamento de Deus, o trabalho, “desde o princípio” se enquadrava na perspectiva maravilhosa do “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”(Gén 1, 26), como lemos no início do Génesis. Não encontramos já aqui a primeira expressão do “Evangelho do trabalho”? A razão de ser da dignidade do trabalho está nesta divina “semelhança”. Por isso, o homem, ao trabalhar imita a Deus, seu Criador, porque traz impressa em si mesmo – somente ele – a semelhança com Deus.

Para trabalhar, é necessário ser homem, ser pessoa; para trabalhar, é preciso ser “imagem” de Deus. Daqui se segue que a dignidade do trabalho se apoia não apenas no aspecto natural, mas também na dimensão espiritual. É certamente prerrogativa do homem-pessoa, é factor de realização humana, é serviço à comunidade dos homens.

A minha peregrinação em terras portuguesas foi toda ela marcada pela presença de Maria: Fátima, Vila Viçosa, Sameiro! Ao concluir esta viagem apostólica na cidade do Porto, faço-o ainda à sombra de Maria. Não é o Porto a “civitas Virginis”, a Cidade da Virgem, que ostenta no seu brasão a imagem de Nossa Senhora?

A Nossa Senhora confio todos os que aqui vivem e trabalham, na construção de um mundo mais humano e mais cristão, confio os trabalhadores de Portugal, pedindo-Lhe que a todos conduza a Jesus Cristo, Redentor do homem!"

Discurso do São João Paulo II na Cerimonia de Despedida de Portugal
Porto, 15 de maio de 1982 - also in Italian

"Excelentíssimo Senhor Presidente da República, queridos amigos de Portugal,
meus amados irmãos e irmãs em Jesus Cristo,
1. É CHEGADA A HORA do adeus, de vos saudar como despedida. É sempre um momento denso de pensamentos e de sentimentos. Quereríamos aproveitá-lo bem para reviver o tempo que passamos juntos, para confirmar a amizade, para não esquecer nada, enfim, fazer todo o possível para a presença recíproca continuar. Neste momento, em mim, com tudo isso, prevalece o sentimento da gratidão: a gratidão mais sincera pela grande cordialidade com que fui acolhido em toda a parte por onde passei e onde parei, no decorrer desta breve mas intensa peregrinação em Portugal.

Antes do vos deixar, quero exprimir a todos o meu sentido reconhecimento: a Sua Excelência o Senhor Presidente da República, que quis honrar-me com a sua presença aqui neste momento; aos meus Irmãos Bispos de Portugal, que me testemunharam de tantos modos a sua caridade fraterna, tornando este encontro uma ocasião privilegiada para estreitar os vínculos de comunhão que nos ligam na única Igreja de Cristo; ao Governo e a todas as Autoridades civis e militares que se empenharam em fazer tu do o que estava ao seu alcance, com deferente delicadeza, para ser realizado o meu programa pastoral e prestaram dedicada assistência ao longo da sua actuação. A todos os queridos amigos de Portugal, muito obrigado!

Neste agradecimento e saudação de despedida, não quereria omitir ninguém. É impossível referir-me a todos – pessoas, grupos e entidades – aos quais me sinto grato. Que cada Português e em particular os fiéis católicos, todos os homens e mulheres, filhos ou habitantes desta abençoada “Terra de Santa Maria”, os que tive o gosto de encontrar pessoalmente e aqueles que me acompanharam, de alguma maneira, através dos meios audiovisivos – aos quais aqui desejo manifestar gratidão – se sintam envolvidos na minha estima.

2. Levo viva na alma a emoção sentida perante as contínuas manifestações de afecto com que me rodeastes nestes dias, de um calor tão espontâneo e entusiástico, que jamais poderei esquecer. Disseram-me que em Portugal, nos meios rurais, as portas estão sempre abertas. Eu encontrei abertas as portas dos corações. Fazei de conta que entrei e que cumprimentei cada um de vós, com o vosso significativo: “Salve-os Deus!”.

Ao deixar esta terra, onde às tradições gloriosas do passado se unem as importantes realizações do presente, numa corajosa abertura às perspectivas de um futuro de esperança, desejo renovar o mais elevado apreço pelas várias componentes que dinamizam as estruturas sociais, formulando os melhores votos para que graças à sua concorde e leal colaboração, possa tornar-se cada vez mais realidade um continuo progresso, pelas vias da justiça, da liberdade e da paz.

A Portugal, a Virgem Maria reservou um modo de tratar de singular predilecção, que é título de honra e, ao mesmo tempo, particular motivo de firme coerência na fidelidade ao Evangelho. Todos os fiéis devem ter uma consciência viva disto e empenhar-se em cultivar aqueles valores humanos e cristãos que tornaram grande esta Nação. Nestes dias pude verificar pessoalmente os tesouros de bondade, de cordialidade e de fé que distinguem este povo forte e amável. Em particular, em Fátima, aos pés de Maria, senti vibrar à minha volta a alma de toda a Nação.

Sim, a alma de Portugal católico: quantas coisas me disse nestes dias, mesmo sem palavras! E quantas desejei comunicar-lhe também eu, com palavras, gestos e silêncios! Foi para mim uma experiência espiritual extraordinariamente profunda, cuja recordação dulcíssima guardo no mais íntimo do coração. E no coração conservo também as vossas faces, queridos irmãos e irmãs de Portugal, os olhares implorantes dos vossos doentes, e a meiguice do sorriso das vossas crianças. É um enriquecimento precioso que levo comigo, e de que irei aproveitar nas actividades do meu serviço pastoral quotidiano.

Com a certeza das minhas preces, a implorar do Senhor que os grandes princípios cristãos e de humanidade, que têm guiado esta nobre Nação, continuem a iluminar a sua vida com o sentido de Deus e da solidariedade; brota-me do mais íntimo da alma esta súplica: desça sobre todos os portugueses a bênção de Deus que lhes seja portadora de dons abundantes de luz, de alegria e de paz!

E que nos sirva de intercessora, no alcançar-nos tais favores, Aquela que a Portugal reservou uma singularíssima manifestação de desvelo amoroso do seu Coração de Mãe, Nossa Senhora de Fátima.

Até à próxima! Adeus!"