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St John Paul II's 2nd Apostolic Visit to Portugal

10th - 13th May 1991

Pope St John Paul II was a pilgrim to Portugal, for the second time in 1991 over the Feast of Our Lady of Fatima and the 10th anniversary of the assasination attempt on his life. On his 50th apostolic pilgrimage, JPII visited Lisbon, Terceira Island and the Ponta Delgada Island in the Azores Archipelago, Funchal in the Island of Madeira, and Fatima.

St JPII's itinerary included:
10th May - Welcome ceremony at Lisbon airport, Mass for the faithful of the Patriarchate of Lisbon and a Meeting with the Diplomatic Corps
11th May - Mass for the faithful of the Terceira Island and Mass for the faithful of the Ponta Delgada Island in the Azores Archipelago
12th May - Mass for the faithful of Funchal in the Island of Madeira followed by the Regina Caeli, Greetings during the Marian Vigil in the Shrine of Fatima and a Meeting with the Bishops of the Episcopal Conference of Portugal
Feast of Our Lady of Fatima, 13th May - Mass in the Shrine of Fatima, Act of Entrustment to Our Lady of Fatima, Letter to the Bishops of Europe and Farewell ceremony at the Military Airport of Lisbon

Discurso do Papa São João Paulo II na Cerimônia de Boas-Vindas
Aeroporto Internacional de Portela em Lisboa, Sexta-feira, 10 de Maio de 1991 - also in Italian

"Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Ilustríssimo Senhor Primeiro-Ministro,
Eminentíssimo Senhor Cardeal-Patriarca de Lisboa, Senhores Bispos, Amados Irmãos e Irmãs!
1. Com grande alegria volto a este Portugal bem-amado, acedendo de todo o coração ao convite das Autoridades Civis, com Vossa Excelência à frente, Senhor Presidente da República, e do Eminentíssimo Cardeal-Patriarca, em nome dos Bispos portugueses, para visitar algumas regiões deste País, em especial as Dioceses de Angra do Heroísmo, no Arquipélago dos Açores, e do Funchal, no Arquipélago da Madeira, que não pude visitar em 1982.

A todos dirijo a minha saudação respeitosa e amiga. Alarga-se o meu espírito a todos os recantos e filhos desta Terra de Santa Maria: é meu desejo que todos me sintam próximo de suas pessoas e vida, como mensageiro da Boa Nova da Salvação e do Amor de Deus. Desejo sobretudo que os pobres, os doentes, os velhinhos e os mais abandonados sintam o encorajamento da minha prece e do meu coração que daqui os abraça.

Obedecendo à ordem de Jesus Cristo, dada ao Apóstolo Pedro de apascentar as ovelhas do Seu Rebanho (Cf. Jo 21, 16), venho para servir especialmente a causa espiritual e religiosa do homem - todo o homem e mulher que aqui, com a solicitude paterna de Deus, realiza a sua vocação na História; venho para servir a Igreja que, nesta Nação, edifica e consolida a unidade católica do Povo do Senhor pelo anúncio e realização da dignidade transcendente e da gloriosa liberdade dos Filhos de Deus; venho para confirmar os meus irmãos (Cfr. Lc 22, 32): mantê-los firmes na fé, encorajá-los na esperança, e fortalecer os vínculos da caridade.

2. Ser-me-á particularmente grato tomar contacto directo com as referidas Regiões Autónomas de Portugal, descobertas e povoadas pelo génio dos navegadores portugueses que levaram consigo a Luz do Evangelho que iluminou os sonhos, as experiências e as iniciativas das gerações passadas, e que tornou mais vigorosas as raízes da fé e da cultura, herdadas há séculos da Pátria comum, e confirmadas na grandeza dos esforços de cada dia das gerações presentes. De facto, é no trabalho, na solidariedade, na fidelidade às leis do sangue e da graça, que os Povos avançam. E tanto mais se desenvolverão na harmonia e na paz, quanto mais cultivarem os grandes valores em que foram educados.

3. Portugal nasceu cristão! As sucessivas gerações dos vossos maiores buscaram no Evangelho a inspiração para as suas vidas, e legaram-vos esta cultura constantemente enriquecida pelo cruzamento da fé cristã com as várias populações que fizeram a história da Europa e do Mundo. Queira Deus que a Visita, agora iniciada, seja ocasião para escutar mais atentamente a Mensagem Cristã, e que a vossa existência pessoal, familiar e social se deixe renovar pela força da Verdade e dos ideais superiores que tornam ilustre uma Nação.

Um dia, Portugal foi púlpito da Boa Nova de Jesus Cristo para o mundo, levada para longe em frágeis caravelas por arautos impelidos pelo sopro do Espírito. Hoje venho aqui para, da mesma tribuna, convocar todo o Povo de Deus à evangelização do mundo, tanto no sentido de se conformarem cada vez mais com o Senhor aqueles que já O conhecem, como também de levarem o Primeiro Anúncio às multidões inumeráveis de homens e mulheres que ainda desconhecem a salvação de Cristo.

Irmãos amados, as vossas vidas, iluminadas há séculos pelo cristianismo, hesitariam comprometer-se hoje com Ele, numa nova e gloriosa página da vossa história? Se não podeis ser felizes longe de Deus, tão-pouco o sereis longe dos homens. Que cada um de vós se torne hoje testemunha audaz do Evangelho de Jesus Cristo, ao encontro de tantas vidas famintas de Deus! Portugal, convoco-te para a missão.

4. Perante as convulsões que sacodem aqui e além os diversos Continentes, face ao ritmo apressado da substituição de coisas e de valores, abalando as certezas e até a vida das nações, faço minha a esperança de Santo Agostinho, diante do assalto dos Vândalos à cidade de Hipona, quando um grupo alarmado de cristãos da sua Igreja o procurou: “Não tenhais medo, queridos filhos! - sossegou-os o Santo Bispo - Isto não é um mundo velho que acaba, é um mundo novo que começa”.

Uma nova aurora parece despontar no céu da História, convidando os cristãos a serem luz e sal de um mundo que tem enorme necessidade de Cristo, Redentor do homem.

5. Venho a Portugal igualmente para me dirigir pela segunda vez a Fátima, a fim de agradecer a Nossa Senhora a protecção dada à Igreja nestes anos, que registaram rápidas e profundas transformações sociais, permitindo abrirem-se novas esperanças para vários povos oprimidos por ideologias ateias que impediam a prática da sua fé.

Leva-me ainda a esse santuário o desejo de renovar a minha gratidão pela especial protecção da Virgem Mãe que me salvou a vida no atentado de há dez anos, mais precisamente em 13 de Maio de 1981 na Praça de São Pedro.

Com alegria, elevarei o meu canto do Magnificat, entoado com Maria, ao Senhor da História, que “derrama a sua misericórdia de geração em geração sobre aqueles que O temem” (Cf. Lc 1, 50). Agradeço desde já cordialmente a todos os que, longe ou perto, me acompanharem aos pés da Senhora, para reflectir na Mensagem de Fátima: um convite à conversão do coração, à purificação do pecado, à oração e à santidade de vida.

Confio à Senhora e Mãe de todas as gerações os bons propósitos e os caminhos desta geração que é a nossa - a geração dos séculos XX e XXI - para que decididamente se empenhe em refazer a sua fé. A todos vos abençoo, pedindo, por minha vez, a quantos o puderem e souberem fazer, que vos unais às minhas preces, para que o mundo volte a marcar encontro com o Evangelho, e Deus faça brilhar sobre todos os povos a Luz esplendorosa de Jesus Cristo."

Homilia do JPII na Santa Missa para os Fiéis do Patriarcado de Lisboa
Estádio de Restelo, Lisboa, Sexta-feira 10 de Maio de 1991 - also in Italian

"“Foi-me dado todo o poder no céu e na terra” (Mt 28, 18)!

1. Estas palavras foram pronunciadas por Cristo, no termo da Sua missão messiânica sobre a Terra, quando partia para o Pai. Ele é o Filho do Homem, vencedor da morte, que os homens Lhe infligiram no madeiro da Cruz. Agora, sobre o Monte da Ascensão, vemo-l’O ressuscitado, conservando, em Seu lado trespassado, em Suas mãos e pés, os sinais da crucifixão. Estes constituem precisamente os sinais do Seu poder.

O Seu poder não se mede por nenhum dos critérios da autoridade temporal. “O Meu Reino não é deste mundo” (Io. 18, 36) - disse Ele a Pilatos, confirmando no entanto que era Rei, mas que os Seus súbditos eram os discípulos da Verdade: “Todo aquele que é da Verdade, escuta a Minha voz” (Io. 18, 37).

Na hora da partida deste mundo para o Pai, desvenda aos discípulos a exclusividade e os horizontes do Seu Reino para além de todos os confins: o “poder no céu e na terra” é todo e apenas Seu! Detém este poder desde sempre, enquanto Deus; adquiriu-o como Homem, como Filho do Homem, como Redentor do mundo.

2. Queridos irmãos, no exercício e em virtude deste Seu poder, o Senhor manda os Apóstolos pelo mundo inteiro: “Ide... e fazei discípulos de todas as nações, baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar tudo o que vos mandei”. E acrescenta: “Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28, 19-20).

A Eucaristia - memorial e actualização da presença de Cristo com os Seus, até à Sua Vinda gloriosa - celebrada aqui na capital de Portugal, oferece-nos hoje um momento oportuno para glorificar o Pai pelo dom do Seu Filho e pelas maravilhas do Seu poder, nesta Nação verdadeiramente gloriosa em especial pelos seus feitos missionários. Grande alegria e esperança me enchem a alma ao olhar-vos como herdeiros e continuadores da primeira sementeira do Evangelho que abundantemente frutificou aqui e nos cinco continentes, podendo-se dizer dos cristãos portugueses: “A sua voz ressoou por toda a terra” (Ps. 19 (18), 5).

Apresento a minha respeitosa saudação ao Senhor Presidente da República e às autoridades aqui presentes. Agradeço a palavra de Boas Vindas do Senhor Cardeal-Patriarca, exprimindo os sentimentos e projectos que vos animam; para ele e para os demais Irmãos no Episcopado que participam nesta Celebração, vai o meu abraço afectuoso e feliz. Saúdo cordialmente cada um de vós, irmãos amados, neste Estádio do Restelo que nos acolhe - sacerdotes, religiosos e religiosas, diáconos e fiéis leigos - e todos quantos se encontram unidos connosco pela rádio e pela televisão. Por fim gostava de manifestar a minha estima e solidariedade a todos os portugueses que vivem longe da sua terra e família: emigrantes, missionários e irmãos auxiliares, bem como funcionários cooperadores nos mais diversos serviços que Portugal apoia, anima ou dirige: o Papa deseja-vos, em Cristo, as maiores felicidades.

3. Amados irmãos e irmãs! Com o Senhor Ressuscitado, no Monte da Galileia, estavam os Onze Apóstolos. Ele prometera-lhes, ainda no Cenáculo, a vinda do Espírito Santo, nestes termos: “João baptizou em água, mas, dentro de pouco tempo, vós sereis baptizados no Espírito Santo” (Act. 1, 5). Os Apóstolos guardavam na memória o baptismo de João e as expectativas por ele criadas entre o povo. Como filhos que eram da sua Nação, não os abandona o pensamento da reconstituição do reino de Israel. E naquele momento, ao ouvirem o Senhor falar-lhes do Reino de Deus (Cfr. Act. 1, 3), interrogam-n’O acerca da sua instauração: quando virá esse reino? Mas Jesus orienta o pensamento deles para um outro Reino. É o Reino eterno de Deus, que entrou na história da humanidade, juntamente com a vinda do Messias, e confirmou a sua presença, na história, através da Sua Cruz e Ressurreição.

Este Reino “no céu e na terra” aguarda um novo Baptismo - o Baptismo no Espírito Santo: “Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis Minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até aos confins da terra” (Act. 1, 8).

4. Sereis Minhas testemunhas... O Reino de Deus, revelado em Cristo, radicado na história do homem pela Sua Cruz e Ressurreição, tem necessidade de testemunhas.

As primeiras testemunhas são os Apóstolos. Depois deles, vieram outras, de modo que o testemunho apostólico de Cristo, dado com a força do Espírito da Verdade, descreve, de geração em geração, círculos cada vez mais amplos.

Um dia, nesta Terra, também os vossos antepassados se acharam dentro do círculo da evangelização. Dado que a meados do século III, a Igreja já aparece aqui regularmente constituída, isso nos revela que muito cedo os mensageiros da Boa Nova chegaram à vossa Terra, instruindo na Fé Cristã os seus habitantes, que, ao receberem o baptismo, foram introduzidos na Vida Trinitária de Deus, com a força do Espírito Santo, ou seja, com a força daquele poder que Cristo, Redentor do homem, tem no céu e na terra. As famílias tornaram-se cristãs, e, através delas, se cristianizou a sociedade inteira.

Mais tarde chegou o momento em que os próprios filhos e filhas da vossa Terra, graças à fé recebida, se tornaram mensageiros da Boa Nova no meio de outros povos. “Por mares nunca dantes navegados” (Luís de Camões, Os Lusíadas, I, 1), traçaram novas rotas para o Ocidente e para o Sul, e dobrando o Cabo da Boa Esperança, demandaram o Oriente, ao encontro de povos e culturas com quem partilharam a sua alma cristã: Cabo Verde, Guiné, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Índia, Brasil, China, Japão, Malásia, Indonésia.

Apesar de distintas a vocação da Igreja e a da sociedade temporal (Cfr. Gaudium et Spes, 39), podemos dizer que a história da Nação foi então história da salvação. No poder do Senhor Ressuscitado, “náo faltaram cristãos atrevimentos, nesta pequena casa Lusitana” (Luís de Camões, Os Lusíadas, VII, 14), operados pelos novos discípulos de Cristo: São João de Brito, São Francisco Xavier, Beato Inácio de Azevedo e companheiros, o Beato José de Anchieta, Venerável Gonçalo da Silveira, e os Padres Manuel da Nóbrega e António Vieira, e tantos outros, especialmente os membros das várias famílias religiosas dedicadas à missionação. Impelidos pela força do Espírito Santo, tornaram-se testemunhas da obra da Salvação. Partiram e proclamaram aos povos e terras distantes: “Aclamai a Deus”! “Aclamai o Senhor de toda a terra, cantai a glória do Seu Nome” (Ps. 66 (65), 1-2). Esta nossa Celebração enquadra-se bem na comemoração dos Cinco Séculos de Evangelização e Encontro de Culturas, que ajudaram a formar a larga família universal que em nossos dias se torna uma realidade cada vez mais efectiva.

Verdadeiramente a semente do Evangelho caiu fundo em solo português e produziu abundantes frutos. Hoje, desta mesma cidade que, durante cinco séculos, viu partir tantos missionários e missionárias, o Sucessor de Pedro, com os olhos fixos nos “confins da terra que cada vez se alargam mais” (Redemptoris Missio, 40), deseja compartilhar, com os seus amados irmãos e irmãs de Portugal, a sua solicitude e compaixão por essas multidões famintas de Cristo.

Hoje as testemunhas de Cristo Ressuscitado sois vós: vós que escutais e acolheis a Palavra de Deus, cada um segundo a própria vocação; vós que dais testemunho tantas vezes silenciosamente da Boa Nova do Senhor Jesus, o Cristo-Rei de braços abertos a atrair ao Seu “coração manso e humilde” (Matth. 12, 29) os passos cansados dos homens deste século que, para terem tudo, muitas vezes perderam Deus! O caminho de acesso às inteligências e aos corações humanos acha-se no poder de Jesus Cristo que mantém no peito, nas mãos e pés os sinais da Sua morte redentora na Cruz.

5. O Evangelho chegou à vossa Terra, e não mais a deixou. Difundido largamente pelo mundo, por outros povos, permaneceu convosco. Todavia hoje, depois de tantos séculos, sentimos por todo o lado, mormente aqui na Europa, a necessidade de o Evangelho voltar de novo. Urge refazer cristãmente o tecido humano da sociedade. Nós acreditamos que as aspirações profundas do homem encontram em Cristo, e só n’Ele, a resposta cabal na sua plena dimensão.

A Igreja Católica não pode esquivar-se ao mandato explícito de Cristo de anunciar que Deus ama os homens e os salva em Jesus Seu Filho. Fá-lo “dirigindo-se ao homem, no pleno respeito da sua liberdade (Cfr. Dignitatis Humanae, 3 -4): a missão não restringe a liberdade, pelo contrário favorece-a. A Igreja propõe, não impõe nada: respeita as pessoas e as culturas, detendo-se diante do sacrário da consciência. Aos que se opõem, com os mais diversos pretextos, à actividade missionária, a Igreja repete: "abri as portas a Cristo!'”(Redemptoris Missio, 39) . Este não hesitou em proclamar que era a Verdade (Io. 14, 6) e em garantir que esta Verdade nos faria livres (Io. 8, 32). Sabemos que por meio de Cristo crucificado, morto e ressuscitado, se realiza a plena e autêntica libertação do mal, do pecado e da morte; n’Ele Deus dá a “vida nova”, divina e eterna. É esta a “Boa Nova” que muda o homem e a história da humanidade, e que todos os povos têm o direito de conhecer.

6. Outrora o trabalho da missionação poderia parecer de algum modo reservado aos missionários. O Concílio Vaticano II, ao colocar a actividade evangelizadora no coração da vida eclesial, desejou responsabilizar em relação a ela todas as comunidades e todos os fiéis cristãos: “Toda a Igreja, por sua natureza, é missionária” (Ad Gentes, 2), pelo que “os crentes em Cristo devem sentir como parte integrante da sua fé, a solicitude apostólica de a transmitir aos outros, pela alegria e luz que ela gera. Essa solicitude deve-se transformar, por assim dizer, em fome e sede de dar a conhecer o Senhor, quando estendemos o olhar para os horizontes imensos do mundo não cristão” (Redemptoris Missio, 40).

Exorto as comunidades cristãs - paróquias, grupos, movimentos apostólicos - com todos os seus membros, a intensificarem o seu dinamismo evangelizador, e a não descurarem o seu dever de levar o Evangelho de Cristo às pessoas e ambientes dele carecidos. Tereis de vos tornar crentes corajosos, dotados de uma fé inquebrantável, alimentada constantemente por uma profunda vida interior, que faça brilhar diante dos homens cada vez com maior intensidade a Luz de Cristo.

7. Peço que tenhais a mesma audácia que moveu os missionários do passado, a mesma disponibilidade para escutar a Voz do Espírito.

Por estes dias, a Igreja volta ao Cenáculo de Jerusalém. Aí, onde os Apóstolos se encontravam unidos na oração, juntamente com Maria, a Mãe do Senhor (Cf. Act 1, 14), aí se encontra toda a Igreja, preparando-se, para o baptismo: “Dentro de pouco tempo, sereis baptizados no Espírito Santo” (Redemptoris Missio, 92). Este baptismo é recordado e vivido na Solenidade do Pentecoste. “Também nós, bem mais do que os Apóstolos, temos necessidade de ser transformados e guiados pelo Espírito Santo”. Precisamos de experimentar de novo este “poder” que Cristo tem “no céu e na terra”: o poder revelado na Sua Cruz e Ressurreição. É necessário encontrarmo-nos uma vez mais com este “poder” salvífico, deixando que se revele diante de nós a grandeza divina e humana do mistério pascal do Redentor.

Quando já se avizinha o jubileu do ano Dois Mil, devemos empenhar-nos num novo advento missionário, neste mundo a contas com as mais diversas e tantas vezes trágicas vicissitudes históricas. Cristo vive com os homens, para além do tempo e da caducidade do nosso mundo humano, como Ele próprio garantiu: “Eu estou convosco todos os dias até ao fim do mundo”.

Ele está connosco. Amém."

Pope John Paul II's address to the Diplomatic Corps
Apostolic Nunciature, Lisbon, 10 May 1991 - also in French, Italian, Portuguese & Spanish

1. The desire to respond to an insistent invitation from the Christian communities of the Azores and Madeira has brought me again to this country which is so hospitable to all of us here today. Mindful of the celebration of five centuries of evangelization and meeting of cultures, I come with joy and profound respect to visit these westernmost regions of Europe where, in the first years of the fifteenth century, the crossings to the South Atlantic and America began.

I attach particular importance to this meeting with you, credentialed workers for good relations among peoples. Your worthy and complex task on behalf of ever more human international relations is regarded with real sympathy by the Holy See, which feels an obligation to share in and to help your diplomatic mission. To your Dean, Archbishop Luciano Angeloni, I express my gratitude for the cordial welcome and good wishes extended to me. I present respectful greetings of solidarity to the States whose worthy representatives abroad you are; my greetings to the ladies and gentlemen here present.

2. I thank you for the attention and friendly understanding that you have given to the Holy See's activity on behalf of international relations, and also to the basic guiding principles found in the broader area of the Church's social doctrine to which we dedicate this centenary year of the Encyclical Rerum novarum of our venerable predecessor, Leo XIII. This encyclical is a basic document for the development of the Church's social teaching and pastoral activity in our time; its most recent application, the Encyclical Centesimus annus, was published a few days ago.

Our social teaching is based on and inspired by the human being, who is considered as the protagonist in the building of society. It regards humans, however, as created in the image and likeness of God and called to form this image in their individual and communal lives. In this perspective the Church presents an ideal of society in solidarity and in service of humankind open to the transcendent, helping people to discover the truth that will make them happy in the midst of the diverse offerings of the dominant ideologies.

3. The mandate and mission of the Church on behalf of a more pronounced political ethic, all the more necessary today because of the existence of such a great technological variety, causes me to direct your attention to individual and collective human rights. May these rights be respected always and everywhere, not only for motives of political convenience, but in virtue of the profound respect due to each and every person as a creature of God endowed with a unique dignity and called to a transcendent destiny! Every offence against a human being is also an offence against God, which must be accounted for before the Lord, just Judge of actions and intentions.

Among these rights, I would emphasise the freedom of the human conscience which is directly linked to truth both natural and revealed. I would do so because in some countries new forms of fundamentalism are emerging which, in the name of false motives of religion, race and even the State, work against human dignity, freedom of faith, cultural identity and mutual human understanding. "In a world like ours, where it is rare that the inhabitants of a country belong to the same ethnic group or to a single religion, it is absolutely essential for domestic and international peace that respect for each person's conscience be a principle without exception" (New Year's Speech to the Diplomatic Corps accredited to the Holy See, L'Osservatore Romano, English edition of 14 January l991). Your countries will strengthen themselves through the promotion of a careful training in respect for others, by means of knowledge of other cultures and religions and a balanced understanding of the diversity that exists today.

4. Your Excellencies, Ladies and Gentlemen: I want to express best wishes for the peoples whom you represent, for the authorities who have appointed you, for yourselves, your colleagues and families. I promise my prayer to God the Father of all that the light and energies from on high will make it possible to bring together the tremendous concentration of wisdom will and creativity that is absolutely demanded by the difficulties among the nations today."

Domingo, 12 de Maio de 1991

Papa João Paulo II - Vigília de Oração no Santuário de Nossa Senhora de Fátima
- in italiano qui

Senhor Bispo de Leiria-Fátima, Dom Alberto,
Senhores Cardeais, Arcebispos e Bispos, 
Amados irmãos e irmãs, peregrinos de Nossa Senhora de Fátima
!

Sentimo-nos bem aqui neste Solar de Maria... Esta multidão inumerável de peregrinos com as velas da fé acesas e o terço nas mãos confirma-me que cheguei a Fátima, ao Santuário da Mãe de Deus e dos homens. Senhor Dom Alberto, ao pastorear esta diocese abençoada, cabe-lhe fazer as honras da casa. Muito obrigado pela sua cordial saudação de Boas Vindas. Venho ajoelhar-me mais uma vez aos pés de Nossa Senhora de Fátima, agradecer-lhe o Seu desvelo sobre os caminhos dos homens e das Nações e as maravilhas e bênçãos do Todo-Poderoso realizadas n’Ela, a Omnipotência suplicante. Viva sempre em vossos corações Jesus Cristo qual facho luminoso a indicar o caminho da Terra Prometida!

1. “Salve, ó Mãe Santa: Vós destes à luz o Rei que governa o céu e a terra pelos séculos sem fim! (Sollemnitas Matris Dei: “Ant. ad Introitum”)".

Naquele memorável dia 25 de Março de 1984, Vós, ó Mãe Santa, dignastes-vos fazer-nos a graça da Vossa Visita a nossa Casa, a Basílica de São Pedro, para quase visivelmente depormos no Vosso Coração Imaculado o nosso Acto de consagração do mundo, da grande família humana, de todos os povos.

Hoje, com esta multidão de irmãos, vim junto do Vosso Trono aclamar-Vos: Salve, ó Mãe Santa! Salve, ó Esperança segura que nunca decepciona! Totus tuus, ó Mãe! Obrigado, Celeste Pastora, por terdes guiado com carinho maternal os povos para a liberdade! A Vós, Maria, totalmente dependente de Deus e orientada para Ele, ao lado do Seu e Vosso Filho, saudamos como “o ícone mais perfeito da liberdade e da libertação da humanidade e do universo” (Congr. pro Doctrina Fidei Libertatis Conscientia, 97)!

2. Estimados irmãos e irmãs,

A caminho do Além, impelidos pela força inexorável do tempo, temos necessidade de verificar o rumo, o sentido de Deus, para que os nossos passos de peregrino não esmoreçam nem errem a estrada, e os nossos ombros não carreguem outro fardo que não seja o de Jesus Cristo. Impõe-se uma pausa, um momento de recolhimento, de transformação pessoal, de renovação interior. Fátima, na sua mensagem e na sua bênção, é conversão a Deus. Aqui se sente e testemunha a Redenção do homem, pela intercessão e com o auxílio d’Aquela que com o Seu pé virginal sempre esmagou e esmagará a cabeça da serpente antiga.

Aqui se pode encontrar o ponto de referência para o testemunho de muitos homens e mulheres que, em circunstâncias difíceis e até frequentemente na perseguição e na dor, permaneceram fiéis a Deus, com os olhos e o coração postos na Virgem Maria, que é “a primeira entre os humildes e pobres do Senhor que confiadamente esperam a salvação de Deus” (Lumen Gentium, 55). Nossa Senhora foi, com efeito, para multidões de crentes, assim tão duramente provados no infortúnio, o penhor por excelência da sua fidelidade e a certeza da salvação, visto que, “por Eva, foi fechada aos homens a porta do céu, mas a todos foi de novo aberta por Maria” (Laudes Dominae Nostrae: “Ant. ad Benedictus”).

Na verdade, “o nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria; e aquilo que a virgem Eva atou, com a sua incredulidade, a Virgem Maria desatou-o com a sua fé” (S. Irenaei Adversus Haereses, III, 22, 4). Fé, sim, na Palavra de Deus, fé incondicional, pronta e jubilosa, que a cena da Anunciação exprime com particular eloquência: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim, segundo a Tua palavra” (Lc 1, 38). E o Verbo encarnou e habitou entre nós! A Virgem Maria deu à luz um Filho, que as Escrituras Sagradas saudaram como o Emanuel, que significa Deus connosco (Cfr. Is. 7, 14; Matth. 1, 21-23).

3. Ó Mãe do Emanuel, “mostrai-nos Jesus bendito Fruto do Vosso ventre!”.

Toda a vida de Maria, de cujo seio se desprendeu e brilhou “a Luz que ilumina todo o homem que vem a este mundo”(Io. 1, 9) se desenrola em comunhão intima com a de Jesus. “Levando, na terra, uma vida semelhante à do comum dos homens, cheia de cuidados domésticos e de trabalhos, Ela a todo o momento se mantinha unida a Seu Filho” (Apostolicam Actuositatem, 4), permanecendo na intimidade com o mistério do Redentor. Ao longo deste caminho de colaboração na obra redentora, a sua própria maternidade “veio a conhecer uma transformação singular, sendo cada vez mais cumulada de "caridade ardente" para com todos aqueles a quem se destinava a missão de Cristo”(Redemptoris Mater, 39) e para os quais e no Qual, se vê consagrada Mãe, aos pés da cruz: “Eis o teu filho”! Deste modo, tendo Ela gerado Cristo, Cabeça do Corpo Místico, deveria também gerar os membros do mesmo Corpo. Por isso “Maria abraça, com a sua nova maternidade no Espírito, todos e cada um dos homens na Igreja; e abraça também todos e cada um mediante a Igreja” (Redemptoris Mater, 47) . A Igreja, por sua vez, não cessa de lhos consagrar.

Exorto-vos, irmãos amados, a perseverar na devoção a Maria. Quanto mais vivemos e progredimos na atitude de entrega, tanto mais Maria nos aproxima das “insondáveis riquezas de Cristo”(Eph. 3, 8) e, deste modo, nos possibilita reconhecermos cada vez mais, em toda a sua plenitude, a nossa dignidade e o sentido definitivo da nossa vocação, porque “só Cristo revela plenamente o homem a si próprio” (Gaudium et spes, 22). Na maternidade espiritual de Maria, nós somos adoptados como filhos no Filho, o primogénito de muitos irmãos. Transcendemo-nos e libertamo-nos para formarmos uma família, autêntica comunidade humana, orientada para o seu destino último - o próprio Deus que “será tudo em todos” (1 Cor. 15, 28).

Maria, ajudai os vossos filhos nestes anos de Advento do Terceiro Milénio, a encontrarem, em Cristo, o caminho de regresso à Casa do Pai comum!

4. “Salve, ó Mãe Santa: Vós destes à luz o Rei que governa o céu e a terra pelos séculos sem fim”!

Nesta noite de Vigília, com as velas da fé acesas, a Igreja levanta para Vós uma ardente prece em favor dos homens, para que, com humilde disponibilidade e corajosa confiança, eles possam guiar-se pelos caminhos da salvação. Oà Mãe amada, auxiliai-nos neste deserto, vazio de Deus, onde parecem perdidas a nossa geração e a geração dos seus filhos, para que finalmente reencontrem e repousem nas Nascentes divinas das suas vidas.

No respeito das suas raízes cristãs e no desejo profundo de Jesus Cristo que se levanta no coração dos homens, queremos agora encontrar os caminhos que os povos do inteiro continente europeu devem percorrer. Abençoai, pois, Mãe de Igreja e Senhora de Fátima, a próxima Assembleia especial do Sínodo dos Bispos para a Europa.

O facto de Nossa Senhora ter escolhido este país para manifestar a Sua protecção materna pela humanidade é uma garantia de que Portugal manterá o que de mais precioso tem: a fé. A fé, luz suprema da humanidade! Que ela se reacenda cada vez mais forte e penetre as profundidades de alma deste povo querido e os diversos âmbitos sócio-culturais do seu viver! Que todos - adultos e anciãos, jovens e crianças -, à imitação do Vosso Coração Imaculado, se empenhem a perseverar num coração puro e firme, ao serviço do Evangelho!

Acolhei, ó Mãe de Deus e Mãe de todos os filhos de Eva, esta Vigília de Oração em vossa honra e para glória da Santíssima Trindade, Luz sem ocaso que os nossos passos demandam ansiosos e tantas vezes incertos. Virgem de Fátima, caminhai connosco! Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte! Amém!  

 

13 de Maio de 1991 - Segunda-feira

Papa João Paulo II - Homilia no Santuário de Fátima
- in italiano qui

"Eis a tua Mãe” (Io. 19, 27)!

1. A Liturgia coloca hoje diante dos nossos olhos, queridos irmãos e irmãs, um vasto horizonte da história do homem e do mundo. As palavras do livro do Génesis trazem-nos ao pensamento a origem do universo, a obra da criação; do primeiro livro vamos ao último, o Apocalipse, para contemplar com os olhos da fé “um novo céu e uma nova terra, porque o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido” (Apoc. 21, 19. Temos, pois, o principio e o fim; o Alfa e o Ómega (Cfr. ibid. 21, 6). Todavia o fim é um novo princípio, porque é a plena realização de tudo em Deus: “A morada de Deus com os homens” (Ibid. 21, 3).

Assim entre o primeiro princípio e este novo e definitivo começo, transcorre a história do homem criado por Deus “à Sua imagem”, como no-lo diz a Palavra do Senhor: “Deus criou o homem à Sua imagem; à imagem de Deus o criou; varão e mulher os criou”(Gen 1, 27).

2. No centro desta história do homem e do mundo, ergue-se a Cruz de Cristo sobre o Gólgota. O homem, criado varão e mulher, reencontra nesta Cruz a profundidade exacta do seu próprio mistério, que se revela nas palavras do Homem das dores à Sua Mãe, que estava junto da Cruz: “Mulher, eis o teu filho”! E em seguida dirigindo-se ao discípulo amado: “Eis a tua Mãe” (Io. 19, 26-27).

O homem, criado à imagem de Deus, é coroa de toda a criação. Confundido diante da sua grandeza, o Salmista desabafa:

“Fizeste-lo pouco menor que os anjos; / de glória e de honra o coroastes! / Destes-lhe poder sobre a obra das vossas mãos: / tudo submetestes a seus pés. / Ó Senhor, nosso Deus, / que é o homem para que Vos lembreis dele? / E o filho do homem para que dele cuideis?” (Ps. 8, 6-7. 2. 5.).

Que é o homem?

A pergunta do Salmista soa com uma estupefacção ainda mais profunda diante deste mistério que encontra o seu clímax no Gólgota. Que é o homem, se o Verbo, o Filho consubstancial ao Pai, se fez homem, Filho do Homem nascido da Virgem Maria por obra do Espírito Santo?

Que é o homem. ...se o próprio Filho de Deus, e simultaneamente verdadeiro homem, tomou sobre Si os pecados de todos os homens e os carregou, como Homem das dores, como Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo, sobre o altar da Cruz?

Que é o homem? A admiração do Salmista diante da grandeza misteriosa do homem, tal como lhe aparece na obra da criação, torna-se ainda maior na contemplação da obra da Redenção.

Que é o homem?

3. Desde o início, ele foi constituído senhor da Terra, senhor do mundo visível. Mas a sua grandeza não se manifesta apenas no facto de sujeitar e dominar a Terra (cfr. Gen. 1, 28). A dimensão própria da sua grandeza é a glória de Deus: como escreverá Santo Ireneu, “a glória de Deus é o homem vivo, mas a vida do homem é a contemplação de Deus” (S. IrenaeiAdversus Haereses, IV, 20, 7). O homem está colocado no centro do mundo das criaturas visíveis e invisíveis, todas elas invadidas pela glória do Criador: proclamam a Sua glória.

E assim através da história do Cosmos visível (e invisível), se eleva, como um Templo imenso,um delineamento do Reino eterno de Deus. O homem - varão e mulher - foi colocado desde o início no meio deste Templo. Ele próprio se tornou a sua dimensão central, e verdadeira “morada de Deus com os homens”, já que foi por motivo e amor do homem que Deus entrou no mundo criado.

Caríssimos irmãos, a “morada de Deus com os homens” atingiu a sua culminância em Cristo. Ele é “a nova Jerusalém”(Cfr. Apoc. 21, 2) de todos os homens e povos, uma vez que n’Ele todos foram eleitos para os destinos eternos em Deus. É também o início do Reino eterno de Deus, na história do homem, e este Reino - n’Ele e por Ele - é a realidade definitiva do céu e da terra. É um “novo céu e uma nova terra”, onde “o primeiro céu e a primeira terra” encontrarão o seu pleno cumprimento.

4. Testemunha-o a Cruz no Gólgota, que é a Cruz da nossa Redenção. Na Cruz está patente toda a história do homem, que é simultaneamente a história do pecado e do sofrimento. Está marcada pelas lágrimas e pela morte, como o refere o Livro do Apocalipse: quantas lágrimas nos olhos humanos, quanto luto e lamento, quanta fadiga humana! (Cfr. ibid. 21, 4) E, no fim da existência terrena, a morte. Esta constituiu precisamente o progressivo desaparecimento “do primeiro céu e da primeira terra”, marcados pela herança do pecado.

Não é esta, porventura, a verdade de toda a história? Esta verdade não está confirmada - de modo particular - pelo nosso século, já a caminho do seu termo, conjuntamente com o Segundo Milénio da história depois de Cristo?

O nosso século confirma - talvez como nenhum outro até agora - a verdade das palavras do Salmista sobre o homem e a sua grandeza, e ao mesmo tempo a verdade do Apocalipse a propósito das lágrimas, do sofrimento e da morte. O homem tornou-se, mais que nunca, senhor da criação, dominando os elementos e as energias da natureza; mas contemporaneamentedemonstrou a potência avassaladora do pecado, o qual nasce no íntimo do homem, e frutifica em depravação, destruição e morte, levada até ao extremo de guerras totais, e de métodos que exterminam não apenas os indivíduos, mas povos e nações inteiras.

5. A Cruz de Cristo não cessa de o testemunhar! Entretanto só ela - esta Cruz de Cristo -perdura, através da história do homem, como sinal da certeza da Redenção.

Mediante a Cruz de seu Filho, Deus repete de geração em geração a Sua verdade acerca da criação: “Eis que Eu faço novas todas as coisas” (Apoc. 21, 5). O primeiro céu e a primeira terra continuam a passar... Perante eles, permanece Cristo indefeso, despojado de tudo no tormento mortal, Filho do Homem crucificado! E, no entanto, Ele não cessa de ser sinal da certeza vitoriosa da vida. Pela Sua morte, foi semeado, no seio da terra, o poder invencível da Vida Nova; a Sua morte é princípio de ressurreição:

“Onde está, ó morte, a tua vitória? / Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Cor. 15, 55).

Mediante a Cruz sobre o Gólgota, desce de junto de Deus, na história da humanidade, na história de cada século, “a cidade santa, a Nova Jerusalém... como esposa adornada para o seu esposo”(Apoc. 21, 2).

6. De coração profundamente comovido e maravilhado diante do plano criador e salvífico de Deus para realizar a plenitude a que Ele nos chamou, Eu, Peregrino convosco dessa Nova Jerusalém, vos exorto, queridos irmãos e irmãs, a acolher a Graça e o Apelo que neste lugar se sente mais palpável e penetrante, no sentido de ajustarmos os nossos caminhos aos de Deus. Saúdo-vos a todos, amados peregrinos de Nossa Senhora de Fátima, aqui presentes física ou espiritualmente. Mas de um modo especial a minha saudação cordial e deferente vai para o Senhor Presidente da República, nesta Terra de Santa Maria; saúdo afectuosamente o Senhor Bispo de Leiria-Fátima, Dom Alberto - a quem agradeço as amáveis palavras de Boas Vindas - e os demais veneráveis Irmãos no Episcopado aqui presentes. Una saudação fraterna portadora de esperança e encorajamento à Igreja de Angola, aqui presente na pessoa dos Pastores com um significativo número dos seus diocesanos, em romagem de gratidão à sua Padroeira, neste Ano Jubilar da sua Evangelização, iniciada em Soyo, local onde no século XV os portugueses pela primeira vez celebraram a Santa Missa e baptizaram os primeiros nativos daquele território.

Finalmente, movido pela Palavra de Deus nesta Celebração Eucarística - “varão e mulher os criou”! (Gen. 1, 27) - é-me grato exprimir às famílias a minha saudação propiciadora de todas as bênçãos de Deus para o vosso lar, os filhos e a vossa vida em comum. A vossa tarefa fundamental é realizar através da história a bênção originária do Criador - “crescei e multiplicai-vos” (Ibid. 1, 28) - transmitindo a “imagem divina” pela geração de novos filhos.

Queridas famílias: o vosso serviço generoso e respeitador da vida será possível hoje, como foi sempre, se vos detiverdes na contemplação da dignidade humana e sobrenatural dos filhos que gerais: cada homem é objecto do amor infinito de Deus que o resgatou. As famílias que não recusam os seus deveres relativos à procriação, dentro de um conveniente sentido de paternidade responsável e de confiança na Providência divina, dão ao mundo um insubstituível testemunho do mais alto valor. São um desafio à mentalidade antinatalista reinante, e uma justa condenação dessa mentalidade, que de tal modo nega a vida que chega a sacrificá-la, em muitos casos, ainda no seio materno, por meio do aborto, crime nefando, como declara o Concílio (cfr. Gaudium et Spes, 27). Peço-vos, pois, estimadas famílias, esse serviço generoso e respeitador da vida. “Contra o pessimismo e o egoísmo que obscurecem o mundo, a Igreja está do lado da vida: e em cada vida sabe descobrir o esplendor daquele "sim", daquele "Amém" que é o próprio Cristo (Cfr. 2 Cor. 1, 19; Apoc. 3, 14). Ao "não" que invade e aflige o mundo, contrapõe este "Sim" vivente, defendendo deste modo o homem e o mundo de quantos insidiam e mortificam a vida” (Familiaris Consortio, 30).

7. “Mulher, eis o Teu filho!” - “Eis a tua Mãe!”.

Santuário de Fátima é um lugar privilegiado, dotado de um valor especial: contém em si uma mensagem importante para a época que estamos a viver. É como se aqui, no início do nosso século, tivessem ressoado, com um novo eco, as palavras pronunciadas no Gólgota.

Maria, que estava junto da Cruz de Seu Filho, teve de acolher uma vez mais a vontade de Cristo, Filho de Deus. Mas enquanto, no Gólgota, o Filho lhe indicava um só homem, João, Seu discípulo amado, aqui Ela teve de os acolher a todos. Todos nós, os homens deste século e da sua difícil e dramática história.

Nestes homens do século XX, revelou-se com igual grandeza, quer a sua capacidade de subjugar a Terra, quer a sua liberdade de fugir ao mandamento de Deus e de o negar, como herança do seu pecado. A herança do pecado mostra-se como uma louca aspiração de construir o mundo - um mundo criado pelo homem -, “como se Deus não existisse”. E também como se não existisse aquela Cruz no Gólgota, onde “Morte e Vida se enfrentaram num duelo singular”, a fim de se manifestar que o amor é mais poderoso do que a morte, e que a glória de Deus é o homem vivo.

Mãe do Redentor! Mãe do nosso século!

Pela segunda vez, estou diante de Ti, neste Santuário, para beijar as Tuas mãos, porque estiveste firme junto da Cruz do teu Filho, que é a cruz de toda a história do homem, também do nosso século.

Estiveste e continuas a estar, pousando o Teu olhar nos corações destes filhos e filhas que pertencem já ao Terceiro Milénio. Estiveste e continuas a estar velando, com mil cuidados de Mãe, e defendendo, com Tua poderosa intercessão, o amanhecer da Luz de Cristo no seio de povos e nações.

Tu estás e permanecerás, porque o Filho Unigénito de Deus, Teu Filho, Te confiou todos os homens, quando ao morrer sobre a Cruz nos introduziu, no novo princípio de tudo quanto existe. A tua maternidade universal, ó Virgem Maria, é a âncora segura de salvação da humanidade inteira. Mãe do Redentor! Cheia de Graça! Eu Te saúdo, Mãe da confiança de todas as gerações humanas!